Edição

Um parecer jurídico

17 de março de 2015

Presidente do Conselho Editorial e Consultor da Presidência da CNC

Compartilhe:

Bernardo CabralApós os resultados da eleição para Presidente da Câmara dos Deputados, o país tomou conhecimento de que o Governo sofreu enorme derrota, tendo saído ferido em companhia do Partido dos Trabalhadores (PT), uma vez que, paradoxalmente, perdeu o comando da Câmara e de todas as Comissões relevantes. A seguir, a manifestação de para onde pretende caminhar a Oposição foi a apresentação de um requerimento, com o número necessário de assinaturas de deputados, para a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre a Petrobrás, tomando conta do noticiário a renúncia da presidente da Petrobrás e de toda a Diretoria, motivada pela repercussão negativa no conceito nacional e internacional.

Ora, com a derrota na eleição para a presidência da Câmara dos Deputados, ficou evidenciado que o Governo não tem uma firme base parlamentar, uma vez que só tem garantido 25% dos votos dos seus integrantes, o que lhe trará, certamente, profundos dissabores, ampliados pelo péssimo cenário econômico, pelas gravíssimas ameaças de corrupção, pelo rombo estratosférico nos cofres da Petrobrás. Vale dizer: colocam o governo, literalmente, contra a parede.

Ademais, por ora, ainda não se tem conhecimento, oficialmente, de quais os parlamentares que, eventualmente, foram envolvidos nas declarações do doleiro Alberto Yousseff, a ensejar, tudo isso, a especulação de que o ano de 2015 poderá ser tão agitado que ninguém poderá afirmar qual será sua extensão.

O que torna tudo mais grave são os comentários em torno dos quais – se houver confirmação das denúncias até agora conhecidas sobre a chamada operação Lava Jato envolvendo a Petrobrás, políticos, empreiteiras e o Palácio do Planalto – o mandato presidencial corre um risco, podendo até chegar – como afirmam alguns – ao ponto de o “poder ser abreviado”.

Abordei esses comentários porque tenho em mãos um parecer jurídico de 64 páginas, em derredor de uma consulta feita ao ilustre Jurista Ives Gandra da Silva Martins, sobre a “responsabilidade dos agentes públicos por atos de lesão à sociedade, improbidade administrativa por culpa ou dolo e disciplina jurídica do impeachment presidencial”.

Esse parecer em minhas mãos é pela amizade que há entre mim e Ives, a qual prefiro me valer das suas próprias palavras para defini-la – e o faço sem qualquer conotação presunçosa – quando por ocasião do seu pronunciamento ao me saudar como doutor honoris causa da Academia Brasileira de Filosofia: “Conheço Bernardo Cabral há pelo menos 40 anos, tendo, desde o nosso primeiro encontro particular, admiração por sua ação como advogado, como jurista, como líder de classe e, posteriormente, como político e constitucionalista”.

Infelizmente, o espaço de que disponho não me permite dar aos que me honram com a sua leitura a dimensão da consistência do parecer desse notável constitucionalista que é Ives Gandra, onde se encontra, sem retoques, o momento histórico.

Logo no seu início, o Professor Ives esclarece que a consulta foi formulada pelo advogado José de Oliveira Costa – já fez essa declaração publicamente – e não por nenhuma empreiteira, com o objetivo de “esclarecer se a improbidade administrativa a que se refere o inciso V, do artigo 85, da CF, capaz de justificar o impeachment presidencial, decorreria exclusivamente de dolo, fraude ou má-fé na gestão da coisa pública ou se também poderia ser caracterizada na hipótese de culpa, ou seja, imperícia, omissão ou negligência administrativa”.

O Consulente também pede ao Professor Ives que esclareça “se, no caso de haver lesão ao patrimônio público em mandatos sucessivos, os atos lesivos continuados contaminam os mandatos futuros”.

Como não podia deixar de ser, ao começo da sua resposta, com a dignidade profissional que o tem acompanhado ao longo de 58 anos de atuação como operador do direito, ressalta que ela será ofertada exclusivamente no campo jurídico, a fim de que não seja confundida “em face das críticas que, como cidadão, apresentei à política econômica da Presidente em exercício, nos últimos quatro anos, e que, infelizmente, se mostraram procedentes”.

E essa ressalva tem de ser colocada em relevo porque diz respeito à sua condição profissional e de cidadão, eis que professor de Direito Constitucional durante 55 anos. Em sendo assim, nesse seu Parecer, o Professor Ives destaca que a sua análise não é a do cidadão, exercendo a cidadania, mas a do Jurista que se mantém adstrito ao texto constitucional.

O Constituinte, vale ressaltar, não teceu quaisquer afirmativas sobre o aspecto subjetivo de que quem pratica atos contra a probidade da administração possa ser ele honesto ou desonesto. Não importa qual é a postura, mas em razão de, em sendo Presidente, ter praticado atos de improbidade contra a administração.
Nesse passo, o parecer ressalta que “o constituinte, ao falar em crimes de responsabilidade, não distingue os crimes dolosos dos culposos”, além de esclarecer: “na condição de presidente, mesmo que seja um cidadão honesto e digno, praticou, por qualquer razão, não propriamente atos de improbidade, mas atos contra a ‘probidade de administração’”.

Também, por oportuno, o Prof. Ives faz esta análise: “O certo, todavia, é que, mesmo que não sejam improbos, desonestos, imorais ou administradores de empresas, são responsabilizados por atos de gestão que possam implicar desvios de qualquer natureza. Tais atos, mais pelos seus resultados do que pela intenção, é que podem tornar o agente passível de responsabilização”.

E conclui o seu raciocínio entendendo que, por essa razão, culposos ou dolosos, atos que são contra a probidade da administração podem gerar o processo político de impeachment.

Muitas páginas adiante, o Professor Ives destaca: “Foi a própria presidente quem reconheceu que, num negócio que envolvia quase 2 bilhões de dólares (!!!), se tivesse sido alertada sobre as cláusulas que assinou, não teria concordado com o negócio. Ora, esta grave omissão, em que não procurou aprofundar-se nas condições de negócio bilionário, demonstra, pelo menos, a ocorrência de culpa gestora, quando não negligência administrativa e imperícia, pois não se tratava, repito, de um negócio sem expressão, mas de um negócio relevante, de quase dois bilhões de dólares”.

Continuando nas páginas seguintes com a sua análi­se, chega à conclusão com esta afirmação: “Concluo, pois, considerando o assalto aos recursos da Petrobrás, perpetrado durante oito anos, de bilhões de reais, sem que a Presidente do Conselho e depois Presidente da República o detectasse, constitui omissão, negligência e imperícia, conformando a figura da improbidade administrativa, a ensejar a abertura de um processo de impeachment”.

O cenário é muito preocupante…