Edição 297
“Um bom acordo sempre será o melhor caminho para qualquer litígio”
2 de maio de 2025
Da Redação

Conselheiro do CNJ desde 2024, o ministro do TST Caputo Bastos fala sobre a atuação no colegiado e sobre o papel da Justiça do Trabalho na proteção dos direitos fundamentais em um cenário de transformações aceleradas
Desde fevereiro de 2024, o ministro Caputo Bastos, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), integra o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Quase um ano e meio após a posse como conselheiro, ele compartilha a experiência que o surpreendeu positivamente: a complexidade e a amplitude do CNJ, órgão responsável por zelar pela autonomia do Judiciário e pela formulação de políticas judiciárias que impactam diretamente na vida do cidadão.
Nesta entrevista, o ministro faz um balanço da atuação no CNJ e destaca as prioridades do mandato, os desafios da diversidade temática no CNJ e a contribuição que a formação e a expertise na Justiça do Trabalho trouxe ao colegiado. Ele também fala sobre a atuação no Direito Desportivo, uma área dinâmica e multidisciplinar, e os esforços para combater a violência nos estádios por meio do projeto “Paz nas Arenas”, uma iniciativa que busca garantir a segurança dos torcedores e a integridade moral do esporte brasileiro.
No campo das relações de trabalho, o ministro analisa os avanços recentes, como o fortalecimento da negociação coletiva, e a necessidade urgente de modernização do sistema sindical para garantir relações laborais mais justas e equilibradas. Também aborda temas contemporâneos como os impactos da automação, da inteligência artificial e da economia sob demanda no mundo do trabalho, além de reforçar o papel fundamental da Justiça do Trabalho na proteção dos direitos fundamentais em um cenário de transformações aceleradas.
A entrevista ainda traz reflexões sobre a cultura de judicialização no Brasil, o papel do CNJ na promoção de métodos consensuais de resolução de conflitos e o futuro da magistratura diante de um Judiciário mais plural, célere e próximo das necessidades sociais. Em uma mensagem aos trabalhadores brasileiros, o conselheiro resgata o valor essencial do trabalho como fonte de dignidade e esperança, reafirmando o compromisso com uma Justiça que transforme realidades.
Revista Justiça & Cidadania – O senhor tomou posse em fevereiro de 2024 no Conselho Nacional de Justiça. Com quase um ano e meio de gestão, como tem sido essa experiência?
Ministro Caputo Bastos –Confesso que o CNJ se revelou como uma grata surpresa na minha vida funcional. Desde 1989, dedico-me à Justiça do Trabalho. Respiro 24 horas por dia os problemas e os desafios inerentes a essa Justiça Especializada, por vezes tão mal compreendida no meio jurídico.
Ao assumir a cadeira destinada ao Tribunal Superior do Trabalho (TST) no CNJ fui desafiado a enfrentar a diversidade de questões submetidas à apreciação por esta Corte de controle. A alargada competência constitucional do CNJ, ao tempo em que desempenha a importante missão de zelar pela autonomia do Poder Judiciário e o cumprimento do Estatuto da Magistratura, transborda para o fundamental papel na formulação de Políticas Judiciárias.
Posso dizer, não obstante a temporariedade, que tem sido muito gratificante a minha experiência funcional neste Conselho, mormente em razão da formação plural de seus integrantes, o que acaba por trazer beleza às decisões aqui tomadas, dada a diversidade de olhares sobre uma mesma questão jurídica.
JC – Quais são as principais prioridades do seu mandato no CNJ?
CB – Entendo que a prioridade número um para um magistrado seja a de bem servir ao público. Se, no exercício da magistratura do Trabalho, a pronta resposta ao jurisdicionado sempre ocupou o foco da minha atuação, no CNJ, por outro lado, o desafio mostrou-se distinto. Não me refiro à igualmente necessária velocidade em apreciar os feitos distribuídos ao Gabinete, mas, sim, à possibilidade de alcançar resultados efetivos por meio da adoção de política judiciária que venha a contribuir para a melhoria da prestação jurisdicional como um todo.
O CNJ é um órgão capaz de promover avanços definitivos na forma de atuar do Poder Judiciário. Embora tenha assumido a cadeira reservada ao TST, imbuído da minha visão de magistrado da Justiça do Trabalho, procurei o aprimoramento necessário para alcançar as reais dimensões de tudo que aqui é tratado.
Tomei posse sob a Presidência do ministro Luís Roberto Barroso e, haja vista o fato de que a gestão administrativa é corrida de 100 metros rasos, procurei alinhar-me às prioridades institucionais já traçadas por Sua Excelência.
JC – O que sua experiência como ministro do TST trouxe de contribuição para sua atuação como conselheiro do CNJ?
CB – Conforme já assentado, tenho que é justamente na formação plural do CNJ que está fundada a beleza de suas decisões. Representantes de todas as esferas da magistratura, do Ministério Público e da sociedade civil tornam-se colegas de bancada no enfrentamento não só das mais diversas questões disciplinares e administrativas, mas também, e mais importante, nos temas passíveis de normatização por parte do CNJ.
Embora a Justiça do Trabalho ocupe três cadeiras desta Corte, o tom dado é a de mais absoluta independência dos seus ocupantes em relação às questões submetidas a julgamento. É dizer, não há visão corporativa que imponha tratamento fechado a absolutamente nenhuma matéria.
O Constituinte forjou a composição plural do Plenário do CNJ com a intenção de oxigenar os ângulos de visão institucional sobre os temas aqui debatidos, não sendo salutar que os debates sejam transformados em cabos de guerra entre Justiça Federal × Justiça Estadual × Advocacia × Ministério Público × Justiça do Trabalho, enfim.
A Justiça do Trabalho em muito forjou minha forma de pensar e agir. A proximidade diuturna aos jurisdicionados, o volume de demandas submetidas à magistratura do trabalho, a rapidez e a informalidade que gravam o Processo do Trabalho e o fato de os direitos pleiteados estarem ligados, muitas vezes, à subsistência dos valores pleiteados em juízo, incutiram-me preocupação com a celeridade da prestação jurisdicional, nunca me afastando, contudo, das consequências práticas das decisões.
Nesse contexto, destaco a importância que o Direito do Trabalho dá à solução conciliada das demandas judiciais. Um bom acordo sempre será o melhor caminho para qualquer litígio.
Acredito, assim, que o espírito conciliador junto a meus pares possa ter sido uma das contribuições que busquei imprimir nessa curta, porém efetiva atuação no CNJ
JC – O senhor tem grande atuação no Direito Desportivo. Além da criação do Grupo de Trabalho e dos dados que estão sendo apurados, que ações o senhor vislumbra para prevenir e conscientizar a população sobre a violência nos estádios e arenas? Há algum projeto neste sentido?
CB – Tenho que a questão referente à violência nas arenas esportivas está inserida no contexto daquela que hoje é a maior preocupação dos brasileiros: a violência a que todo cidadão está submetido. Se, há algum tempo, o combate à corrupção destacava-se no ranking da preocupação nacional, ninguém diverge em relação ao inadmissível índice de criminalidade hoje constatado em nossa sociedade.
Nesse contexto, o Poder Público é chamado a igualmente organizar-se de forma eficaz para fazer frente ao dito “crime organizado”. Embora cada instituição esteja limitada à sua área de atuação, mostra-se urgente que sejam envidados esforços na busca de uma coordenação estatal geral para tão grave problema.
O Conselho Nacional de Justiça, assim, instituiu o Grupo de Trabalho “Paz nas Arenas”, destinado à realização de estudos e propostas para a definição de estratégias visando à segurança e à paz em arenas esportivas. Também, em seu escopo, está a necessidade de se preservar a integridade dos resultados desportivos e a moralidade do desporto. Tais avanços, contudo, não deixarão de constituírem meras intenções senão viabilizar-se o fortalecimento definitivo da competência dos Juizados do Torcedor, bem como de sua estrutura.
Vejam, a Lei Geral do Esporte (Lei no 14.597/2023) previu, no artigo 148, que o acesso do público às arenas esportivas com capacidade de mais de 20 mil pessoas, a partir de 14 junho desse ano de 2025, deverá ser precedido de identificação biométrica dos espectadores e monitoramento por imagem no momento da catraca de entrada.
Acredito que a referida exigência traz consigo um ponto de inflexão nessa temática. Não há como garantir maior segurança nos estádios sem que se possa identificar, com precisão e rapidez, aqueles que teimam em comparecem ao evento com a finalidade de delinquir.
Para o sucesso da previsão legislativa, contudo, faz-se necessário que o Poder Público ocupe os respectivos espaços de atuação para dar conformação jurídica, técnica e operacional ao indispensável afastamento das pessoas que contra si tiveram medidas judiciais ou administrativas, vedando sua presença física nos referidos eventos desportivos ou culturais.
Revela-se unânime, no sentir dos diversos atores, públicos e privados, responsáveis pelo êxito dos jogos ou shows, que a vedação temporária imposta àqueles que cometem atos de violência seja aplicada em todo o território nacional. Não há valia em restringir o acesso de uma pessoa aos estádios no estado de São Paulo se, de forma descarada, esse puder frequentar, por exemplo, as arenas de Minas Gerais ou de Pernambuco.
Por parte do CNJ, assim, longas têm sido as tratativas na estruturação de um cadastro nacional capaz de aglutinar, em um só instrumento, o rol de pessoas cuja presença nas arenas está vedada. A expectativa é que, em breve, possamos anunciar avanços significativos em relação ao tema.
JC – Qual a importância do direito desportivo na contemporaneidade?
CB – Essa pergunta remete-me ao ano de 2014, quando da realização do I Jurisports realizado pela Academia Nacional de Direito Desportivo (ANDD) nas dependências do TST com o objetivo de debater os temas relevantes para a legislação trabalhista desportiva.
Na oportunidade, tomaram posse os 25 membros fundadores da ANDD, entre os quais o Dr. Orpheu dos Santos Salles, de saudosa memória, igualmente fundador e editor da Revista Justiça & Cidadania, esse importante meio de comunicação do mundo jurídico.
Pois bem. O que mais nos encanta no Direito Desportivo é o dinamismo e a multidisciplinariedade dos temas inerentes a ele.
A diversidade de temas enfrentados por essa área do Direito é manifesta. Embora evidenciem-se as ligações do Direito Desportivo com o Direito do Trabalho, no que toca aos aspectos da relação contratual estabelecida entre atletas, clubes, e sindicatos etc., é certo que outros tantos surgem a reboque, tais como aspectos do Direito Penal, relacionados a apostas esportivas, manipulação de resultados, lavagem de dinheiro, racismo, homofobia, estatuto do torcedor, governança etc. Aspectos do Direito Civil, Comercial e Econômico, que envolvem propriedade intelectual, direitos de imagem, direitos de arena, direitos de transmissão, validade de contratos, indenizações, arbitragem como meio de solução alternativa de solução de controvérsias, agentes de futebol e menores de idade, enfim, inúmeros temas que, no mais das vezes, apresentam-se interligados entre si.
Como se vê, é necessário que as normas regentes dos diversos pontos de interseção acima apontados guardem compatibilidade normativa entre si, inclusive, com a recém editada Lei Geral do Esporte, bem como as legislações internacionais, inclusive tratadas no âmbito de natureza de direito privado, a exemplo da FIFA, e do próprio Comitê Olímpico Internacional.
Trago aqui a notícia de que estamos na fase final da organização da I Jornada de Direito Esportivo, iniciativa pioneira do ministro Luis Felipe Salomão na Presidência do Conselho da Justiça Federal, justamente com o objetivo de promover estudos e debates aprofundados para o delineamento de posições interpretativas sobre o Direito do Trabalho Desportivo, não só acerca dos direitos de atletas, mas de todo o sistema que envolve a multidisciplinariedade do direito desportivo. Cito, como exemplo, o direito de arena que envolve os atletas e a sua relação com os respectivos Sindicatos, Federações e Clubes. É fundamental, portanto, fomentar a discussão sobre temas correlatos a esse ramo do Direito, em um qualificado ambiente acadêmico.
Os desafios que se apresentam são vários, a demandarem esforço diuturno do Poder Judiciário na solução das controvérsias a ela submetidas.
JC – Qual legado o senhor gostaria de deixar ao final de sua atuação no CNJ?
CB – Gostaria de reformular a pergunta para substituir o termo “legado” por “contribuição”. Assim o faço em razão de pensar que a continuidade do serviço público se materializa pelo suceder de seus integrantes. Estou tendo a grata satisfação de ocupar a cadeira reservada ao TST neste Colegiado tão seleto.
Portanto, muito aquém do mencionado “legado”, tenho-me esforçado para que, em janeiro de 2026, possa olhar para trás com o sentimento de dever cumprido. Ao tempo em que agradeço a confiança dos meus pares para representar o TST nesse órgão administrativo de cúpula, espero, ao final dessa missão, haver contribuído, mesmo que minimamente, para o avanço qualitativo do sistema de Justiça como um todo.
JC – Que mensagem o senhor gostaria de transmitir aos magistrados, servidores e cidadãos sobre o papel do CNJ no sistema de justiça brasileiro?
CB – Acredito que a mensagem principal seja a da relevância do serviço público como transformador da realidade social. Hoje, com a experiência por mim adquirida no trabalho diário no Conselho Nacional de Justiça, posso afirmar o quão essencial é a missão deste órgão de controle no estabelecimento das Políticas Judiciárias que farão avançar a função constitucional de distribuir Justiça aos cidadãos.
Nesse contexto, vejo com extrema alegria a chegada de 54 novos servidores que tomaram posse recentemente e se somaram ao diminuto quadro de pessoal do Conselho Nacional de Justiça. Ao lado dos integrantes do CNJ, dos magistrados auxiliares e dos dedicados servidores, tenho que o fortalecimento desta Casa passa, inevitavelmente, pela estruturação material e de pessoal condizente com a importância das decisões aqui tomadas.
JC – No mês em que celebramos o Dia do Trabalho, qual o papel da Justiça do Trabalho na promoção da dignidade do trabalhador brasileiro?
CB – A Justiça do Trabalho, em sua essência, destina-se a dirimir as controvérsias entre capital e trabalho, conciliando interesses aparentemente antagônicos. No meu entender, são apenas aparentemente opostos, em virtude de o texto constitucional, no inciso IV do artigo 1o, estabelecer relação simbiótica entre os direitos sociais fundamentais dos trabalhadores e a livre iniciativa.
Nessa perspectiva, a garantia da liberdade de iniciativa não pode representar a redução dos direitos sociais dos trabalhadores, com a sua submissão a condições precárias, tampouco a valorização do trabalho pode restringir o exercício da atividade econômica, de modo que devem ser tratados como interesses conciliáveis e não antagônicos. Ademais, é inequívoco que a promoção da dignidade humana do trabalhador confere legitimidade à Ordem Econômica, na medida em que o artigo 170, caput, da Constituição Federal prevê a valorização do trabalho humano, em conjunto com a livre iniciativa, como sua base, sem as quais “poderá ainda haver economia, trabalho, produção, comércio, mas não será a ordem proclamada como legítima pela Constituição”, de acordo com Tércio Sampaio Ferraz Jr.
Diante desse cenário, entendo que a Justiça do Trabalho, ao objetivar harmonizar os interesses da classe patronal e da profissional, assume papel essencial na promoção da dignidade humana do trabalhador brasileiro, na medida em que, ao ser provocada, busca garantir que os direitos sociais fundamentais mínimos sejam preservados.
JC – Na sua visão, quais os principais avanços nas relações de trabalho nos últimos anos?
CB –A meu juízo, o principal avanço nas relações de trabalho diz respeito ao fortalecimento dos instrumentos negociais autônomos, com a prevalência do negociado sobre o legislado. A negociação coletiva consiste em valioso instrumento democrático inserido em nosso ordenamento jurídico, por meio do qual as classes envolvidas poderão dialogar e construir a norma coletiva mais adequada às particularidades e às especificidades da atividade laboral, considerando as condições do local da prestação do serviço.
Decerto, contudo, que essa prevalência não pode ocorrer em termos absolutos, ante a necessidade de observância das balizas constitucionais, em que são assegurados os direitos indisponíveis do trabalhador.
JC – O que ainda precisa evoluir no Brasil para garantir relações laborais mais justas e equilibradas?
CB –Considerando o destaque conferido às negociações coletivas, entendo ser necessária a reforma da legislação sindical, a fim de fomentar o seu fortalecimento, de modo que as entidades sindicais possam, de forma efetiva, conciliar os interesses da categoria profissional e patronal, garantindo que as relações laborais sejam justas e equilibradas.
Não há dúvidas de que o fortalecimento das entidades sindicais garantirá a celebração de instrumentos negociais autônomos que venham a conceder direitos mínimos aos trabalhadores, em harmonia com os interesses dos empregadores e em observância ao piso de direitos constitucionais, regulando as relações de trabalho de acordo com as suas peculiaridades.
JC – Como tem sido a atuação da Justiça do Trabalho para proteger os direitos fundamentais do trabalhador em um cenário de transformações tecnológicas e econômicas? E quais são os principais desafios para a Justiça do Trabalho em face da automação e da inteligência artificial no mercado de trabalho?
CB – Não se pode olvidar que os novos modelos de negócio têm impactado a forma como o trabalho é realizado, de modo que, em certas situações, não são firmados típicos contratos de emprego para a prestação dos serviços. A título de ilustração, é possível citar as relações provenientes do modelo de economia sob demanda, em que há discussões acerca da natureza jurídica do vínculo entre aquele que presta o serviço e a plataforma que disponibiliza a sua mão de obra no mercado.
Em razão dessas alterações, passou-se a questionar se os novos modelos de contratação seriam disciplinados pela atual legislação ou se haveria necessidade da modernização da legislação trabalhista. É inequívoco que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) foi editada em uma realidade distinta, para disciplinar as típicas relações de emprego, em que a constatação da presença dos seus elementos caracterizadores era mais factível, principalmente a subordinação jurídica.
Na atualidade, os contratos de trabalho possuem contornos distintos, em que a presença da subordinação jurídica é mais tênue e, portanto, de difícil constatação. Por esse motivo, inclusive, passaram a criar diferentes classificações para a subordinação, tais como estrutural e algorítmica, a fim de reconhecer a existência de vínculo de emprego nas novas relações de trabalho.
Diante dessa realidade, penso que o maior desafio para a Justiça do Trabalho é julgar os casos em que não há legislação específica para disciplinar as novas relações contratuais, havendo a necessidade de se construir a norma jurídica para o caso concreto a partir da aplicação analógica dos dispositivos legais existentes.
O magistrado, portanto, deve “enfrentar” os hard cases, na medida em que, a teor do artigo 140, caput, do CPC, ele não pode se eximir “de decidir sob a alegação de lacuna ou obscuridade do ordenamento jurídico”. Entendo, inclusive, que essa é uma das razões pelas quais a Justiça do Trabalho tem sido criticada constantemente.
Ora, a Justiça do Trabalho, de acordo com o texto constitucional, tem competência para processar e julgar as controvérsias das relações de trabalho em sentido amplo, ou seja, a sua competência não se restringe a examinar as questões decorrentes das típicas relações de emprego. Desse modo, esse ramo do Poder Judiciário tem o dever de garantir, a todos os trabalhadores – não só aos empregados –, garantias sociais mínimas, o que, no meu entender, tem cumprido com maestria.
JC – Há uma tendência crescente de judicialização das relações de trabalho? O que pode ser feito para promover a resolução extrajudicial de conflitos?
CB – Fala-se muito sobre o volume de demandas ajuizadas perante a Justiça do Trabalho, o que ensejou, inclusive, a criação de um grupo de trabalho no âmbito do CNJ, com o fim de compreender as causas da judicialização elevada, em razão de ela ser prejudicial ao país, à segurança jurídica e aos investimentos.
Constata-se, contudo, que grande parte das ações ajuizadas perante essa Justiça Especializada tem por objeto o inadimplemento de verbas rescisórias, razão pela qual não é possível imputar, de forma predominante, ao trabalhador, tampouco aos magistrados trabalhistas, a culpa pela ampla litigiosidade.
Entendo que uma forma de reduzir o acervo processual, bem como evitar o ajuizamento de novas ações, é a adoção dos métodos adequados de resolução de disputas, os quais formam o sistema brasileiro de justiça multiportas, plenamente aplicável à Justiça do Trabalho, a qual, em sua essência, preza pela solução conciliatória dos conflitos, a teor do artigo 764 da CLT.
Destaca-se, no particular, que o portal do TST na internet noticia avanço expressivo na atuação dos Centros Judiciários de Métodos Consensuais de Solução de Disputas da Justiça do Trabalho (Cejuscs-JT).
Consta a informação de que a solução negociada movimentou, no ano de 2024, R$ 11,4 bilhões, 65,3% maior do que em 2023, quando o montante foi de R$ 6,9 bi. Em relação às audiências, foram realizadas 423.777, no ano de 2024 e, em 2023, ocorreram 339.687. Por fim, em relação ao número de acordos homologados, enquanto em 2023 foram homologados 122.148, em 2024 o número foi de 133.862.
Decerto que nós possuímos cultura do litígio, o que, em grande parte, pode ser atribuído ao fato de os profissionais de direito serem academicamente preparados para o conflito, e não para a composição.
Nessa perspectiva, entendo que, para garantir a efetividade do sistema multiportas, faz-se necessário investir na capacitação de profissionais, desde a graduação, habilitando-os a identificar o meio processual mais acertado para a solução do conflito, de acordo com a natureza do direito controvertido, além de orientá-los no sentido de que o Poder Judiciário não é a única via a ser buscada.
JC – Quais são os temas mais recorrentes nas ações trabalhistas atualmente?
CB – No portal do TST consta o ranking dos assuntos mais recorrentes na Justiça do Trabalho até fevereiro de 2025, que são: 1o adicional de insalubridade; 2o verbas rescisórias; 3o multa de 40% do FGTS; 4o indenização por dano moral; 5o multa do artigo 477 da CLT; 6o horas extraordinárias; 7o FGTS; 8o rescisão indireta; 9o multa do artigo 467 da CLT; 10o intervalo intrajornada.
JC – Que mensagem o senhor deixaria para os trabalhadores brasileiros neste mês dedicado à valorização do trabalho?
CB –Dominguinhos, na canção “Um homem também chora”, retrata a importância do trabalho, ao destacar que sem ele não se tem honra.
Um homem se humilha
Se castram seu sonho
Seu sonho é sua vida
E vida é trabalho
E sem o seu trabalho
O homem não tem honra
E sem a sua honra
Se morre, se mata.
Essa música retrata a máxima de que o trabalho dignifica o homem e a mulher, conferindo sentido à sua existência. Acrescento, contudo, que o trabalho somente confere dignidade ao ser humano se a ele forem asseguradas garantias e condições mínimas para o exercício de sua atividade.
Desse modo, em tempos de instabilidade econômica, desejo aos trabalhadores que possam exercer a sua função com dignidade e que o trabalho lhes ofereça condições de viver e sonhar.
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