Trinta anos da Declaração e da Plataforma de Ação de Pequim: avanços e desafios para a plena igualdade de gênero

1 de março de 2025

Adriana Ramos de Mello Desembargadora do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro / Professora do Mestrado Profissional da Enfam / Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Gênero, Direitos Humanos e Acesso à justiça da Enfam

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A IV Conferência Mundial sobre a Mulher realizada pela Organização das Nações Unidas (ONU) na capital da China, Pequim, em setembro de 1995, completa trinta anos em 2025. É um documento abrangente, que visa promover a igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres em todo o mundo. Ele estabelece doze áreas críticas de preocupação, incluindo a participação das mulheres nos espaços de poder, a erradicação da violência de gênero, saúde e direitos reprodutivos, conflitos armados, trabalho, economia e meio ambiente, entre outras esferas.

Durante a Conferência, foram lançadas a Declaração e a Plataforma de Ação de Pequim, documentos que expressam a preocupação com algumas áreas de ação prioritárias para alcançar a plena igualdade de gênero e o empoderamento de meninas e mulheres.

A violência de gênero contra as mulheres é considerada uma forma de violação dos direitos humanos e contribui para o elevado número de mortes evitáveis. Nesse contexto de violação de direitos, meninas e mulheres negras, pobres e moradoras de áreas periféricas ou em regiões de conflito são atingidas desproporcionalmente. O pouco acesso à saúde de qualidade, os estereótipos de gênero e o preconceito contra as mulheres também têm sido responsáveis pelo alto índice de violência obstétrica e pela mortalidade materna.

Consta, da Plataforma de Ação de Pequim, que a mulher tem o direito de desfrutar de todos os serviços de saúde em condições de igualdade e respeito, e que “o obstáculo principal que impede a mulher de alcançar o mais alto nível possível de bem-estar é a desigualdade entre a mulher e o homem e entre mulheres de regiões geográficas, classes sociais e grupos indígenas e étnicos diferentes”.

Para tanto, o documento aponta alguns objetivos estratégicos a serem adotados pelos países para garantir, às mulheres, o direito à saúde. Entre eles, promover o acesso da mulher, durante toda sua vida, a serviços de atendimento à saúde, a serviço de informação e a serviços conexos adequados, de baixo custo e boa qualidade; fortalecer os programas de prevenção que promovem a saúde da mulher; tomar iniciativas que, considerando o gênero, enfrentem as enfermidades sexualmente transmissíveis, HIV/Aids, e outras questões de saúde sexual e reprodutiva; promover a pesquisa e difundir informações sobre a saúde da mulher; e aumentar os recursos para o desenvolvimento da saúde das mulheres e acompanhar sua aplicação.

Outra ação prioritária da Plataforma de Ação de Pequim diz respeito à mulher nos espaços de poder e na tomada de decisões. Para isso, ela destaca a importância de garantir que as mulheres tenham acesso igualitário à política e à liderança em todos os níveis, promovendo legislaturas mais inclusivas e garantindo que as vozes das mulheres sejam ouvidas nas decisões que afetam suas vidas. O aumento da representação feminina em cargos de decisão não só promove a igualdade de gênero, como enriquece o processo democrático e o desenvolvimento social e econômico.

A plataforma trata de ação efetiva e não de meras palavras. Os países se comprometeram a investir em leis, políticas e programas para avançar na igualdade de gênero e, a cada cinco anos, revisam o que estão fazendo e verificam se estão cumprindo o que estabelece a plataforma. Nas últimas três décadas, a Plataforma de Ação de Pequim tem impulsionado grandes avanços para mulheres e meninas em todo o mundo, com destaque para a erradicação da violência contra ambas.

A Lei Maria da Penha e a Lei do Feminicídio são exemplos positivos para coibir a violência contra a mulher no espaço doméstico e familiar, mas apenas a legislação não tem sido suficiente para dar conta do alto índice de feminicídio. A violência de gênero é manifestação das relações assimétricas de poder entre homens e mulheres e deriva, essencialmente, de hábitos culturais e de práticas tradicionais que precisam ser modificados.

A discriminação, os estereótipos de gênero e de raça, associados ao racismo estrutural, ainda profundamente enraizado em nossa sociedade, impactam, desproporcionalmente, as mulheres e aumentam a desigualdade de gênero. Os meios de comunicação reforçam, muitas vezes, os estereótipos de gênero, com imagens de violência, assim como a utilização de mulheres e meninas como objetos sexuais, inclusive na pornografia, prejudicando, sobretudo, jovens e crianças.

A participação das mulheres nas decisões políticas é fundamental para fortalecer a democracia, mas também é considerada uma condição necessária para que os interesses das mulheres sejam considerados. Nesse sentido, sem a participação das mulheres e a incorporação dos seus pontos de vista em todos os níveis do processo de tomada de decisões, não se poderá alcançar os objetivos de igualdade, desenvolvimento e paz, conforme o item 181, página 69 do documento.

A distribuição equitativa de poder entre homens e mulheres depende de os governos realizarem estatísticas de gênero e incorporarem perspectiva de gênero em todas as políticas públicas e na execução de programas. Avanço significativo foi promovido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ao implementar a Resolução no 525/2023, que instituiu ação afirmativa de gênero para o acesso das magistradas à segunda instância dos tribunais.

No entanto, no Poder Legislativo, nas últimas eleições de 2024, a paridade ainda ficou longe de ser alcançada. Mulheres que lutam contra a violência e a discriminação, são excluídas dos processos decisórios e não integram a maioria dos postos de liderança no exterior.

Por isso, a adoção integral da Declaração e da Plataforma de Ação de Pequim, com ações efetivas para garantir, às mulheres, uma vida livre de violência e a igualdade de acesso às estruturas de poder e ao processo de decisão, é fundamental para a garantia da democracia e do desenvolvimento social e econômico. Viva Pequim+30!

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