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Seguro: Prêmio versus Indenização

25 de janeiro de 2012

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Amiúde se lê em petições e arrazoados de advogados que seus clientes, diante de um infortúnio, buscam receber da seguradora o prêmio correspondente ao seguro ajustado.

Tal confusão não tem sido privilégio dos causídicos, haja vista já ter sido perpetrada por ilustre ministro de Tribunal Superior brasileiro, em seminário sobre seguro, para o espanto da plateia na qual o rabiscador destas linhas estava presente.

Há não muito tempo, relendo a saborosa obra do saudoso professor Jorge Americano, São Paulo nesse tempo (Melhoramentos, 1962, p. 163), ele, ao relatar interessante caso de aplicação do “conto do seguro” em uma seguradora, faz a seguinte afirmação: “Dias depois o sobrinho apresentou-se na Cia. de Seguros com a apólice, a certidão de óbito e a do enterramento e recebeu o prêmio do seguro, que repartiu com Cerveira”.

Da primeira vez que lemos essa obra, ainda estudante da nossa velha academia do Largo de São Francisco, o excerto transcrito não nos chamou a atenção como agora.

Acaso o ilustre mestre e o não menos eminente ministro desconheciam que, em matéria de seguro, prêmio não se confunde com indenização, porquanto aquele é o preço do seguro, ou seja, o valor pago pelo segurado à seguradora, e não o que esta está obrigada a lhe pagar em caso de sinistro?[1]

Temos absoluta certeza que não. O mesmo não se pode afirmar em relação aos trabalhos de alguns profissionais do Direito. Estamos certos de que, em muitos desses casos, a confusão decorre de apedeutismo jurídico.

No entanto, aos não iniciados no jargão jurídico não deixa de chamar a atenção o emprego do vocábulo “prêmio” para designar o pagamento que o segurado faz à seguradora relativo ao preço do seguro contratado, quando usualmente, ao ouvi-lo, a primeira ideia que nos vem à mente é de ganho em algum concurso.

O nosso Aurélio diz que prêmio significa: “1. Bem material ou moral recebido por um serviço prestado, por um trabalho executado, ou por méritos especiais; recompensa, galardão: obter um prêmio; merecer um prêmio. 2. Recompensa conferida a quem se distingue em competição, jogo ou concurso: Diversos escritores concorreram ao prêmio Machado de Assis; Ganhou um bonito prêmio no bingo. 3. Recompensa dada a alunos que se distinguem: prêmio de aproveitamento escolar”.

Acrescenta, também, que pode significar “ágio pago acima do preço nominal (de uma ação, debênture etc.)” ou “preço que se paga por uma opção)”, ou “ágio exigido pelos subscritores de ações, por ocasião do aumento de capital das sociedades anônimas” e, finalmente, “bem ou vantagem oferecida ao consumidor, condicionada à compra de uma mercadoria; bônus”.

E não deixa de mencionar, no entanto, o significado de “pagamento que o segurado faz à companhia seguradora, para obter direito à indenização na ocorrência de determinado evento”.

Na mesma linha o Houaiss, que, no verbete “prêmio”, sob a rubrica “seguros”, esclarece que se trata de “pagamento que alguém faz à companhia seguradora, para ter cobertura para um bem seu”. E, com mais clareza, no verbete “seguro”, registra: “(XVI) Rubrica: termo jurídico. Contrato em virtude do qual um dos contratantes (segurador) assume a obrigação de pagar ao outro (segurado), ou a quem este designar, uma indenização, um capital ou uma renda, no caso em que advenha o risco indicado e temido, obrigando-se o segurado, por sua vez, a lhe pagar o prêmio que se tenha estabelecido”.

Por derradeiro, em relação aos dicionários, o novel Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia de Ciências de Lisboa, em relação ao vocábulo prémio, depois de dá-lo como originário da palavra latina praemium, registra significar, na linguagem jurídica, “pagamento efectuado pelo segurado à companhia seguradora e, graças ao qual, adquire o direito a uma indemnização em caso de acidente. O prémio do seguro automóvel”.

Em 1815, o grande Visconde de Cairú, nos seus célebres Princípios de Direito Mercantil e leis de Marinha, já assim lecionava, na grafia original: “O Premio do Seguro sendo o preço convencional do risco maritimo, constitue huma parte essencial, e integrante da Apolice; e por tanto nella deve-se declarar assim o ajuste da somma requerida pelos Seguradores, como o tempo do respectivo pagamento. Os Francezes chamão ao premio Prime; porque na origem, ou introducção do contracto do Seguro, costuma-se pagar o premio primeiro que tudo, logo á assignatura da Apolice. Os Inglezes o denominão Consideration; porque em consideração da quantia que estipulão a seu favor, he que se resolvem a tomar sobre si os riscos da cousa alheia. Também dá-se-lhe o nome de Custo, e Agio do Seguro”.

E nessa significação é o vocábulo empregado atualmente em quase todas as legislações dos povos cultos (= civilizados), como nos foi dado observar: premio, em italiano; prime, em francês; prima, em espanhol; premium, em inglês (“Premium the sum paid to an insurer as consideration for a policy of insurance” – Steven H. Gifis, Law dictionary, ed. Barron’s).

Esclarece José Ferreira Borges, no seu clássico e histórico Diccionario Jurídico-Comercial, no verbete “Premio do Seguro”, que essa expressão é um “termo commercial”, significando “o preço que o segurador estipulou, e o segurado prometteu pela responsabilidade dos riscos tomados. Chama-se tãobem o custo do seguro. O premio ordinariamente consiste em dinheiro; póde todavia consistir em qualquer outro objecto estimado, e até mesmo n’uma obrigação de fazer, que o segurado contrahisse (Rogron) (…)”.

Invocando o italiano Baldasseroni (Pompeo), autor do Dizionario ragionato della giurisprudenza marittima e di commercio, publicado em Livorno, em 1811, e o francês Valin (René Josué), autor do Nouveau Commentaire sur l’Ordennance de Marine du Mois d’Août 1681, publicado em 1792, afirma que “o premio do seguro póde pagar-se antes do contracto, ao tempo d’elle, depois d’assignada a apolice, e mesmo depois de terminados os riscos”.

Em seguida a essa afirmação, acrescenta Ferreira Borges, deixando claro: “No principio d’este contracto era outra a jurisprudencia, porque chamou-se prêmio o que os francezes dizem prime, porque se pagava primo, antes de tudo, como adverte Dufour, tom. 1, pag. 93: assim a Ord. de 1681, art. 6, titulo dos Seguros mandava paga-l o por inteiro ao tempo d’assignatura d’apolice” (p. 315).

Verifica-se, quanto à origem do vocábulo “prêmio”, que há divergência entre os juristas que se debruçaram sobre o assunto (e não foram muitos). Os etimologistas, em seus dicionários, preocuparam-se com isso mesmo porque constitui o objeto deles.

Os juristas espanhóis Álvarez Rivera, San Martin e Vilagrasa dizem que “prima del asegurador es el precio del riesgo. Se llama prima porque se paga primo, y ante todo, aun antes de comenzar a correr riesgo da cosa asegurada” (Tratado de Derecho Mercantil español, Madrid, 1916, p. 344).

Descartes de Magalhães afirma que a palavra prime parece ter sido introduzida na França no século XVII, embora, segundo Cleirac, o Guidon de la mer empregasse a expressão coust de l’assurance e os jurisconsultos italianos diziam consteum. Acrescenta que “a palavra prêmio, conforme Stypmanus, vem de primum. Cleirac, porém, afirma que ela deriva de primo, termo denunciativo do velho costume de se pagar, antes de tudo, o preço dos riscos ou o custo do seguro” (Curso de Direito Comercial, São Paulo, 1922, v. II, p. 622).

Pontes de Miranda, por sua vez, registra que “Prêmio é a prestação do contraente que quer o seguro. O segurador assume o risco; para que isso ocorra, o contraente promete prestar ou presta desde logo o prêmio. O étimo parece mostrar que o sentido de prêmio, no seguro, é mais próprio do que o de premiar algum ato já praticado ou obra feita (praiemiom), cf. Vanicek (Etymologisches Wörterbuch der lateinischen Sprache, 2ª ed., 19); mas, em verdade, toda recompensa quase sempre é prometida” (Tratado de Direito Privado, Borsoi, tomo XLV, 2ª ed., 1964, p. 311, § 4.919).

Nessa linha, afirma Pedro Alvim que, por ser a compensação pela assunção do risco, “uma corrente doutrinária admite que, etimologicamente, prêmio significa praemium com o sentido de recompensa” (O contrato de seguro, Forense, 3ª ed., p. 269).

Mais esclarecedores, os mestres belgas Félix Monette, Albert de Villé e Robert André oferecem-nos a seguinte nota à página 185 do seu Traité des Assurances Terrestres: “Quant à l’origine du mot prime, d’aucuns y retrouvent le mot latin praemium (prix, rémunération, récompense), d’autres le mot latin primum (adverbe signifiant d’abord), la prime étant payable par anticipation. La première explication semple la bonne, d’autant plus que le mot nous est venu d’Anglaterre, terre ancestrale de l’assurance, où le mot premium, qui rapelle le praemium latin, se prononce prîmium” (Buxelles/Paris, 1949).

Saraiva (F. R. dos Santos), no seu monumental Novíssimo Diccionario Latino-Portuguez, traz o verbete praemium, ii (praemii), como substantivo neutro da segunda declinação, mas não registra sua origem etimológica. Já Torrinha (Francisco), em seu clássico Dicionário Latino Português, no verbete praemium, dá-nos a seguinte origem etimológica para o vocábulo: é a “parte da presa tomada a inimigo e retirada em primeiro lugar para ser oferecida à divindade que deu a vitória, ou ao vencedor”. No mesmo sentido, o professor Ernesto Faria, no seu excelente Dicionário escolar latino-português (6ª ed., MEC, 1982).

De qualquer sorte, o que é inquestionável é não se poder confundir o “prêmio do seguro”, que Teixeira de Freitas, no seu Vocabulário jurídico, já definia como “o preço ajustado entre o segurado e o segurador, para aquele indenizar-se do sinistro pelo meios convencionados”, com a indenização paga pelo segurador, no caso da ocorrência do sinistro.

Clovis, com a sua irrepreensível precisão de conceitos, há muitas décadas, leciona que “prêmio é a soma que o segurado paga ao segurador, como compensação da responsabilidade que ele assume pelos riscos. É a prestação do segurado no contrato de seguro” (Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado, V, 10ª ed., Livraria Francisco Alves, p. 150).

Portanto, nada justifica que, em pleno século XXI, continue medrando confusão entre esses vocábulos cujos conceitos são tão visceralmente distintos. Prêmio quem paga é o segurado ao segurador, como preço do seguro contratado, e indenização é o que deve o segurador pagar ao segurado, em caso de sinistro.

Em conclusão, embora a origem seja a mesma (praemium), uma coisa é retribuição em dinheiro por serviço prestado; recompensa, remuneração; distinção conferida a quem se destaca por méritos, feitos ou trabalhos; galardão, condecoração; quantia em dinheiro ou qualquer outro valor material pago aos ganhadores de loterias, rifas, concursos etc., e outra, bem diversa, é sentido jurídico, que em matéria de seguros corresponde ao preço deste.



[1] O eminente professor Voltaire Marensi, autor de preciosos estudos e obras sobre seguro, que nos tem honrado com referências elogiosas a este modesto trabalho, anteriormente divulgado no meio segurador, sem acabamento final (Cadernos de seguros, Funenseg, 3/2002, p. 35), lembra, na obra O contrato de seguros à luz do novo Código Civil, Ed. Síntese, 2002, p. 24, que nem mesmo o inexcedível Pontes de Miranda escapou de, num cochilo, ter cometido confusão entre as expressões prêmio e indenização, como se constata de excerto que se encontra no vol. V de seu monumental Tratado de Direito Privado (Borsoi, 3ª ed., 1970, § 509, 1, p. 13). O mestre, ao lecionar sobre os deveres jurídicos que acarretam consequências sem que a pessoa tenha agido em contrariedade a direito, cita o exemplo de “quando o segurado deixa de comunicar ao segurador o sinistro de que teve notícia, a ponto de já não poder o segurador evitar ou atenuar as consequências, fica esse exonerado (art. 1.457 e parágrafo único)” [a menção é ao Código Civil anterior; o dispositivo correspondente no atual é o art. 771]. Ele completa que, nesse caso e em outros que menciona, “não se pode falar de dever jurídico: a falta do ato não causou prejuízo a ninguém; apenas o próprio agente deixa de ter ação de regresso como (…) o segurado perde o seu direito ao prêmio”.

Evidentemente, o que Pontes pretendeu dizer é que ele perde o direito à indenização e não ao prêmio, pois este já foi ou deve ter sido pago pelo segurado, anteriormente.