
A pandemia da covid-19 instaurou um período de incontáveis dificuldades para o Brasil. Afora o trágico número de mortos, o País foi acometido por crises no sistema de Saúde, na economia e nas relações jurídicas de variadas naturezas, exigindo de todas as esferas de Poder atuação concertada na busca de medidas mitigadoras dos impactos da doença.
Não obstante o cenário emergencial, coube ao Poder Público manter incólumes os direitos fundamentais da população, aperfeiçoando a prestação de serviços essenciais, como foi o caso do saneamento básico. Com a edição da Lei nº 14.026/2020, novo marco legal do saneamento, iniciada a sua vigência em um momento agudo da pandemia, o legislador visou reduzir o déficit histórico de acesso à água e ao tratamento de esgoto, bem como corrigir as insuficiências técnicas e operacionais que infligem perdas significativas aos já insuficientes recursos públicos.
De acordo com o levantamento anual realizado pelo Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), 84% da população nacional (93% concentrada em centros urbanos) tem acesso a água. Já o acesso à rede coletora de esgoto atinge apenas 53% da população brasileira, já revelando um déficit inaceitável à luz do preceito constitucional que impõe observância à dignidade da pessoa humana (Constituição Federal, art. 1º, III).
Nesse sentido, a nova lei foi editada com o intuito de se atingir a tão sonhada universalização do acesso ao saneamento básico no Brasil (99% de acesso a água e 90% ao tratamento e coleta de esgoto), até 31 de dezembro de 2033. Além dos evidentes benefícios para coletividade, a expansão do saneamento básico terá o condão de reduzir em R$ 1,45 bilhão os custos anuais com saúde, segundo informações da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
A despeito da imprescindível reforma legislativa, sabe-se que o cumprimento das metas estabelecidas gira em torno do capital a ser investido na infraestrutura destinada à prestação dos serviços. Tendo em vista os altos valores envolvidos — de acordo com dados do Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab), entre 2019 e 2033 o Brasil necessitará de R$ 373 bilhões, em torno de 25 bilhões por ano, de investimentos no setor — o marco legal estruturou a forma de participação do setor privado, estimulando a implementação de concessões e parcerias público-privadas.
Assim, passa a ser também das empresas privadas a responsabilidade pelo atingimento da universalização do acesso aos serviços públicos de saneamento básico. É o que prevê o art. 11-B da Lei nº 11.079/2004 (com redação dada pela Lei nº 14.026/2020): “Os contratos de prestação dos serviços públicos de saneamento básico deverão definir metas de universalização que garantam o atendimento de 99% da população com água potável e 90% da população com coleta e tratamento de esgotos até 31 de dezembro de 2033, assim como metas quantitativas de não intermitência do abastecimento, de redução de perdas e de melhoria dos processos de tratamento”.
Seguindo essa linha de raciocínio, premissa fundamental é a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos firmados com a incitativa privada, mediante a cobrança de tarifas que permitam às concessionárias cumprir as suas obrigações, com o fim de se alcançarem as metas contratualmente entabuladas, com vistas ao aperfeiçoamento do saneamento básico no País.
Digna de elogiosa menção, quanto ao tópico, a atuação do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro em ações ajuizadas por concessionárias de serviços públicos, contra entes públicos, que editaram atos violadores da legislação e contrários à jurisprudência, comprometendo a higidez dos modelos de concessão e parceria público-privada, visto que não respeitaram as cláusulas contratuais, colocando em xeque a continuidade da prestação de serviço essencial à população.
Apenas para ilustrar, em uma destas situações, houve a proibição de implementação de reajustes tarifários ordinários, pleiteados pelas empresas em virtude de previsão expressa em cláusula contratual, ao argumento de que o art. 1º da Lei Estadual nº 8.769/2020 impediria a majoração, sem justa causa, de preços no estado, como forma de conter os prejuízos decorrentes da pandemia da covid-19.
Todavia, decidiu-se que o reajuste seria mera atualização monetária das tarifas praticadas pelas concessionárias de serviço público, não se enquadrando no conceito de “majoração de preços” previstos na Lei nº 8.769/2020.
É certo que a pandemia da covid-19 impactou o orçamento dos cidadãos do Rio de Janeiro. Porém, deve-se ter em mente que, em momentos de crise global, todos devem contribuir para a manutenção e a expansão de serviços em benefícios de toda a população. Por meio da atuação do egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, a contínua busca pela dignidade dos cidadãos ganhou novo capítulo, valendo ressaltar que se mantém em vigor o art. 2º da referida Lei Estadual, que veda a interrupção de serviços essenciais, por falta de pagamento, pelas concessionárias de serviços públicos. Espera-se que o TJRJ se mantenha como vetor de progressos, em especial diante da perspectiva alvissareira da posse da sua nova administração, composta por desembargadores conhecidos pela grande cultura e experiência jurídica, capitaneados pelo culto magistrado Henrique de Andrade Figueira, próximo Presidente da Corte local.