Edição

Revolvendo a Memória Nacional

5 de outubro de 2004

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Com o objetivo de restabelecer a verdade histórica, na questão da extradição, em 1936, de Olga Benário, mulher de Luiz Carlos Prestes, tivemos de vir a lume, na última edição, para restabelecer fatos, com o editorial: OLGA E A MEMÓRIA NACIONAL.

A publicação despertou controvérsias e deixou antever interesses dos leitores, por fatos históricos passados, que foram de importância na vida nacional.

Assim, para lembrar fatos de interesse histórico, principalmente para as gerações atuais, e em especial às posteriores a 1930, que marcaram e ainda influenciam os dias atuais, vimos reavivar acontecimentos, que pela importância que tiveram nos destinos da Nação, passaremos a publicar a partir desta edição, considerando a importância histórica da época e seus reflexos.

Em 1930, vitoriosa a Revolução, após a desmobilização da Coluna Prestes que se tornou legendária pelos feitos de sua marcha de 35.000 kilômetros pelo Brasil, iniciou-se sob a liderança de Luiz Carlos Prestes, o movimento comunista que provocou convulsão nas estruturas políticas e sociais da nação, causando atritos entre as gerações.

Sem entrar no mérito, sem críticas e alusões, apenas com o intuito de mostrar fatos, iniciamos a seção “Memória Nacional”, com a publicação do Manifesto de Prestes, e a contradita feita na ocasião, por um dos líderes do Comando de Prestes, o Tenente Juarez Távora.

Manifesto de Luís Carlos Prestes

“Ao proletariado sofredor das nossas cidades, aos trabalhadores oprimidos das fazendas e das estâncias, à massa miserável do nosso sertão, e, muito especialmente, aos revolucionários sinceros, aos que estão dispostos à luta e ao sacrifício em prol da profunda transformação por que necessitamos passar, são dirigidas estas linhas.

Despidas de quaisquer veleidades retóricas, foram elas escritas com o objetivo principal de esclarecer e precisar a minha opinião a respeito do movimento revolucionário brasileiro e mostrar a necessidade de uma completa modificação na orientação política que temos seguido, a fim de podermos alcançar a vitória almejada.

A última campanha política acaba-se de encerrar-se. Mais uma farsa eleitoral, metódica e cuidadosamente preparada pelos politiqueiros, foi levada a efeito com o concurso ingênuo de muitos e de grande número de sonhadores ainda não convencidos da inutilidade de tais esforços.

Mais uma vez os verdadeiros interesses populares foram sacrificados e vilmente mistificado todo o povo, por uma campanha aparentemente democrática, mas que, no fundo, não era mais do que luta entre os interesses contrários de duas correntes oligárquicas, apoiadas e estimuladas pelos dois grandes imperialismos que nos escravizam e aos quais os politiqueiros brasileiros entregam, de pés e mãos atados, toda Nação.

Fazendo tais afirmações, não posso, no entanto, deixar de reconhecer entre os elementos da Aliança Liberal grande número de revolucionários sinceros, com os quais creio poder continuar a contar na luta franca e decidida que ora proponho contra todos os opressores.

É bem verdade que, em parte por omissão e em parte por indecisão, fomos também cúmplices da grande mistificação. Silenciamos enquanto os liberais de todos os matizes e categorias, dos da primeira aos da última hora, abusaram sempre do nome da revolução e, particularmente, do dos seus chefes. Houve quem afirmasse, de uma tribuna política, apoiar, politicamente os liberais por ordem de seus chefes revolucionários. Não foi desmentido. A caravana política ao Norte do país, para melhor aproveitar do profundo espírito revolucionário dos mais sofredores dos nossos irmãos, os nordestinos, fez toda a sua propaganda em torno da revolução; e, no entanto, era um dos seus membros de destaque o atual diretor de A Federação, órgão que traduz melhor interpreta o pensamento dos reacionários do Sul.

Apesar de toda essa demagogia revolucionária e de dizerem os liberais propugnarem pela revogação das últimas leis de opressão, não houve, dentro da Aliança Liberal, quem protestasse contra a brutal perseguição política de que foram vítimas as associações proletárias de todo o país, durante a última campanha eleitoral; e, no prório Rio Grande do Sul, em plena fase eleitoral, foi iniciada a mais violenta perseguição aos trabalhadores em luta por suas próprias reivindicações. São idênticos os propósitos reacionários das oligarquias em luta. A tudo assistimos calados, sacrificando o prestígio moral da revolução, sempre crentes no milagre que seria a eventualidade de uma luta armada entre as duas correntes em choque, e que desta luta entre os dois interesses pudesse talvez surgir a terceira corrente, aquela que viesse satisfazer realmente as grandes necessidades de um povo empobrecido, sacrificado e oprimido por meia dúzia de senhores que, proprietários da terra e dos meios de produção, se julgam a elite capaz de dirigir um povo de analfabetos e desfibrados, na opinião deles e dos seus sociólogos de encomenda.

De qualquer forma, o erro foi cometido, e é dele que nos devemos penitenciar publicamente, procurando, com toda a clareza e sem receio de qualquer ordem, qual o verdadeiro caminho a seguir para levar adiante a bandeira revolucionária que hoje – mais do que nunca – precisamos sustentar. Sirva-nos para alguma coisa a experiência adquirida e dediquemos-nos, com coragem, convicção e real espírito de sacrifício, à luta pelas verdadeiras reivindicações da massa oprimida.

A revolução brasileira não pode ser feita com o programa anódino da Aliança Liberal. Uma simples mudança de homens, o voto secreto, promessas de liberdade eleitoral, honestidade administrativa, de respeito à Constituição, de moeda estável e outras panacéias nada resolvem, nem podem de maneira alguma interessar à grande maioria da nossa população, sem o apoio da qual qualquer revolução que se faça terá o caráter de uma simples luta entre as oligarquias dominantes.

Não nos enganemos. Somos governados por uma minoria que, proprietária das fazendas e latifúndio se senhora dos meios de produção e apoiada nos imperialismos estrangeiros que nos exploram e nos dividem, só será dominada pela verdadeira insurreição generalizada, pelo levantamento consciente das mais vastas massas das nossas populações dos sertões e das cidades.

Contra as duas vigas mestres que sustentam economicamente os atuais oligarcas, precisam, pois, ser dirigidos os nossos golpes – a grande propriedade territorial e o imperialismo anglo-americano. Essas, as duas causas fundamentais da opressão política em que vivemos e das crises economias em que nos debatemos.

O Brasil vive sufocado pelo latifúndio, pelo regime feudal da propriedade agrária, onde se já não há propriamente o braço escravo, o que persiste é um regime de semi-escravidão e semi-servidão.

O governo dos coronéis, chefes políticos, donos da terra, só pode ser o que aí temos: opressão política e exploração não positiva.

Toda a ação governamental, política e administrativa, gira em torno dos interesses de tais senhores que não medem recursos na defesa de seus privilégios. De tal regime decorrem quase todos os nossos males. Querer remediá-los pelo voto secreto, ou pelo ensino obrigatório, é ingenuidade de quem não quer ver a realidade nacional. É irrisório falar em liberdade eleitoral, quando não há independência econômica, como de educação popular, quando se quer explorar o povo. Vivemos sob o jugo dos banqueiros de Londres e Nova Iorque. Todas as nossas fontes de renda dependem do capitalismo inglês ou americano, em cujo poder estão, também, os mais importantes serviços públicos, os transportes e as indústrias em geral. Os próprios latifúndios vão passando, aos poucos, para as mãos do capitalismo estrangeiro. A ele já pertencem as nossas grandes reservas de minério de ferro do Estado de Minas Gerais, extensas porções territoriais do Amazonas e do Pará, onde talvez estejam os nossos depósitos petrolíferos. Todas as rendas nacionais estão oneradas pelos empréstimos estrangeiros.

Dessa dependência financeira decorre naturalmente um regime de exploração semifeudal, em que se desenvolve toda a nossa economia.

Os capitais estrangeiros investidos na nossa produção provocam um crescimento monstruoso em nossa vida econômica, tendente exclusivamente à exploração das riquezas naturais, das fontes de matérias-primas, reservado o mercado nacional para a colocação dos produtos fabricados nas metrópoles imperialistas. A atividade desse capital só pode, portanto, ser prejudicial ao país. Dessa forma, todo o esforço nacional, todo o nosso trabalho é canalizado para o exterior.

Por outro lado, a luta evidente pelo predomínio econômico entre dois imperialismos que nos subjugam e colonizam prepara, com o auxílio do nosso governo nacionalista e patriota, o esfacelamento da Nação.

A verdadeira luta pela independência nacional deve, portanto, realizar-se contra os grandes senhores da Inglaterra e contra o imperialismo, e só poderá ser levada a efeito pela verdadeira insurreição nacional de todos os trabalhadores.

As possibilidades atuais de tal revolução são as melhores possíveis.

A crise econômica que atravessamos, apesar dos anunciados saldos orçamentários e da proclamada estabilidade monetária, é incontestável. Os impostos aumentam, elevam-se os preços dos artigos de primeira necessidade e baixam os salários. A única solução encontrada pelos governos, dentro das contradições em que se debatem, são os empréstimos externos com uma maior exploração da nossa massa trabalhadora e conseqüente agravação da opressão política. A situação internacional é, por outra parte, de grandes dificuldades para os  capitalismos que nos dominam,  a braços com os mais sérios problemas internos, como o da desocupação de grandes massas trabalhadoras e as insurreições nacionalistas de suas colônias.

Além disso, o Brasil, pelas suas naturais riquezas, pela fertilidade do seu solo, pela extensão territorial, pelas possibilidades de um rápido desenvolvimento industrial autônomo, está em condições vantajosíssimas para vencer, com relativa rapidez, nesta luta pela verdadeira e real emancipação. Para sustentar as reivindicações da revolução que propomos – única que julgamos útil aos interesses nacionais – o governo a surgir precisará ser realizado pelas verdadeiras massas trabalhadoras das cidades e dos sertões. Um governo capaz de garantir todas as mais necessárias e indispensáveis reivindicações sociais: limitação das horas de trabalho; proteção ao trabalho das mulheres e crianças; seguros contra acidentes, o desemprego, a velhice, a invalidez e a doença; direito de greve, de reunião e de organização.

Só um governo de todos os trabalhadores, baseado nos conselhos de trabalhadores da cidade e do campo, soldados e marinheiros, poderá cumprir tal programa.

A vitória da revolução em tal momento mais depende da segurança com que orientarmos a luta do que das resistências que nos possam ser opostas pelos dominadores atuais, em franca desorganização e ineptamente dirigidos.

Proclamamos, portanto, a revolução agrária e antiimperialista, realizada e sustentada pelas grandes massas de nossa população.

Lutemos pela completa libertação de todos os trabalhadores agrícolas, de todas as formas de exploração feudais e coloniais; pela confiscação, nacionalização das empresas estrangeiras, dos latifúndios, concessões, vias de comunicações, serviços públicos, minas, bancos; anulação das dívidas externas. Pela instituição de um governo, realmente surgido dos trabalhadores da cidade e das fazendas, em entendimento com os movimentos revolucionários antiimperialistas dos países latino-americanos e capaz de esmagar os privilégios dos atuais dominadores e sustentar as reivindicações revolucionárias.

Assim, venceremos.”