Edição 287
Remuneração do Leiloeiro: tensão entre o acordo e o direito subjetivo à comissão
29 de junho de 2024
Mário Luiz Ramidoff Desembargador no Tribunal de Justiça do Estado do Paraná / 2º Vice-Presidente da Escola Nacional de Magistratura

Essa comunicação tem por objetivo apresentar contribuições à discussão estabelecida entre o direito subjetivo à comissão, então, inerente ao exercício das atribuições legalmente destinadas ao leiloeiro e o acordo incidentalmente celebrado entre as partes, o qual impede a realização da hasta pública ou leilão; e, por conseguinte, torna intangível toda e qualquer sorte de arrematação.
A arrematação em si, passou a se constituir em condição sine qua non para a percepção de comissão (remuneração), por aquele auxiliar da Justiça, consoante entendimento jurisprudencial consolidado.
É certo que as diversas providências adotadas pelo leiloeiro, na qualidade de auxiliar da Justiça, em sua grande e significativa parte, são realizadas muito antes da efetiva realização da hasta ou leilão, independentemente, de eventual arrematação.
Por isso mesmo, que, o direito subjetivo à comissão (caráter remuneratório) não deveria apenas exsurgir da efetivação da hasta ou o leilão, e, apenas quando houver a consequente arrematação do bem, mas, sim, levando-se em conta todo o esforço e o tempo dedicado à preparação de tais eventos, o que, certamente, não se confunde com as demais despesas para com tal desiderato.
Na hipótese de não haver arrematação, entende-se que a consequência deveria ser a de que o devedor teria a obrigação de arcar com a remuneração (comissão) do leiloeiro, tendo-se em conta a adoção das medidas e providências que lhe são legalmente atribuídas, em virtude do múnus público que desempenha.
Diversamente, nos casos em que houver arrematação, caberia ao arrematante o dever de efetuar o pagamento da remuneração (comissão) daquele auxiliar da Justiça (leiloeiro).
O certo é que, todo e qualquer auxiliar da Justiça deve ser remunerado – aqui, o leiloeiro, através de comissão – por bem e fielmente desempenhar o encargo público compromissado; para além da possibilidade de reembolso das despesas que assumiu em razão das responsabilidades que lhe são inerentes – aqui, especificamente, para a realização da hasta ou leilão.
Na verdade, o ato de arrematação do bem levado à hasta pública, normativamente, não se reduz à sua expressão material, vale dizer, pela oferta de “lance”, então, considerado “vencedor”, mas, sim, deve ser considerado perfeito, acabado e irretratável com a assinatura do respectivo auto pelo magistrado, pelo escrivão, pelo arrematante e pelo leiloeiro.
Neste sentido, o egrégio Superior Tribunal de Justiça tem entendido que apenas se considera “aperfeiçoada a arrematação com a assinatura do auto pelo Magistrado, pelo Escrivão, pelo arrematante e pelo Leiloeiro, o ato é considerado perfeito, acabado e irretratável e somente poderá ser desconstituído por vício intrínseco e insanável da própria arrematação” (STJ, 1a Turma, AgInt no REsp. n. 2.000.968/SP, rel.: Mina. Regina Helena Costa, j. em 3/10/2022, DJe de 5/10/2022).
Portanto, entende-se que a arrematação do bem não pode se constituir em uma condição e sequer no momento procedimental a partir do qual passa a ser devida a comissão do leiloeiro (auxiliar da Justiça); pois, como se sabe, desde a assinatura do termo de compromisso de bem e fielmente desempenhar tal múnus público, a remuneração (comissão), em regra, já lhe é legalmente reconhecida.
O que deveria ser considerado é o conjunto de atos, medidas, providências adotadas pelo leiloeiro para a efetivação da hasta pública ou leilão, independentemente da arrematação do bem, especificamente, nos casos em que se realiza acordo entre as partes.
Por isso mesmo, apresenta-se nesta comunicação uma sensível distinção acerca do tratamento normativo que deve ser destinado à essa situação concreta e objetiva – qual seja, o acordo entre as partes –, daquele a ser destinado às demais hipóteses em que a hasta ou leilão não são realizados, vale dizer, por motivos diversos.
O “acordo entre as partes” é uma causa/condição que surge incidentalmente para a não realização da hasta ou leilão – e, consequentemente, jamais se verificará a arrematação, então, tornada absolutamente intangível material e normativamente –; pelo que, não se pode legitimamente desconsiderar, para fins de remuneração (comissão) do leiloeiro, todas as medidas e providências legais e procedimentais indispensáveis para tal desiderato; então, adotas por aquele auxiliar da Justiça.
Nas hipóteses em que não ocorrer efetivamente a hasta ou o leilão, por decorrência de acordo entre as partes, apesar de devidamente aprazado para a sua regular e válida realização, isto é, para o qual se tenham adotado todas as medidas legais e providências judiciais, indispensáveis, para tanto, entende-se que a arrematação do bem não pode ser considerada como o critério objetivo para verificação do direito subjetivo à comissão do leiloeiro.
A uma, por se tratar de condição incidental que independe da vontade ou mesmo ação – atividade ou exercício de atribuição legal – do leiloeiro, enquanto auxiliar da Justiça;
A duas, por não concorrer o leiloeiro para a celebração do acordo entre as partes e sequer ser indispensável a sua intervenção ou mesmo anuência para as partes se comporem;
A três, por já ter realizado todos os atos, medidas e providências legais que lhe poderiam ser legal e legitimamente exigíveis;
A quatro, por ser absolutamente impossível (material e procedimentalmente) se verificar a arrematação, uma vez que não será realizada a hasta ou leilão, por decorrência de causa incidental diversa, isto é, por haver acordo entre as partes, e, não propriamente ser possível a atribuição de responsabilidade pela não arrematação, ao sistema de Justiça;
A cinco, a intangibilidade da arrematação do bem enquanto consequência não pode ser legal e legitimamente atribuída ao auxiliar da Justiça (leiloeiro), pelo que, não se constituiria validamente uma relação de causa e efeito – próxima, e muito menos remota – a impedir o exercício do seu direito subjetivo à comissão (remuneração).
O direito subjetivo à comissão, para o mais, guarda relação de causa e efeito ao fiel e integral cumprimento das atribuições legalmente destinadas àquele auxiliar da Justiça (leiloeiro), as quais são indispensáveis para a realização da hasta pública ou leilão, o que certamente não se reduz ao evento (acontecimento) em si.
Portanto, o acordo celebrado entre as partes que impede a realização da hasta pública ou leilão – e, consequentemente, inviabiliza a própria arrematação do bem –, não pode ser considerado como critério objetivo impeditivo para o pleno exercício do direito subjetivo à comissão (remuneração) do leiloeiro, enquanto auxiliar da Justiça.
A arrematação do bem então tornada intangível pela não realização da hasta ou leilão, em decorrência do acordo entre as partes (condição incidental), não pode ser causa/condição sem a qual o leiloeiro passe a não fazer jus à sua legal e legítima remuneração (comissão).
Para dar objetividade jurídica à esta comunicação, propõe-se, finalmente, que, no acordo celebrado entre as partes, torne-se indispensável a previsão expressa e específica acerca do dever de efetuar o pagamento da remuneração (comissão) do leiloeiro; exsurgindo-se, assim, como uma condição necessária a ser judicialmente verificada para a sua homologação.
Por certo, que, em razão do acordo celebrado, de forma incidental e impeditiva, à realização da hasta pública ou leilão, impõe-se às partes a responsabilidade concorrente e proporcional pelo pagamento da remuneração (comissão) do leiloeiro, enquanto direito subjetivo legalmente reconhecido a este auxiliar da Justiça.
As partes, também, poderão estabelecer modulação diversa acerca da concorrência e proporcionalidade pelo pagamento da remuneração (comissão) do leiloeiro, no acordo celebrado incidentalmente que impede a realização da hasta pública ou leilão, mas, não, em relação à isenção de tal obrigação.
Notas
1 BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 1a Turma, AgInt no REsp. n. 2.000.968/SP, rel.: Mina. Regina Helena Costa, j. em 3/10/2022, DJe de 5/10/2022.