Edição

Relações de trabalho: enquanto a reforma não vem

19 de abril de 2013

Compartilhe:

Lei maior do campo trabalhista no Brasil, a CLT comemora 70 anos em 2013. Uma esperada reforma neste código foi praticamente abando­nada há pelo menos uma década. Enquanto isso, legisladores, empresários e especialistas debatem os ajustes que poderiam ser feitos na urgência de tornar mais competitivas as empresas nacionais, assoladas por um dos mais altos custos sociais do mundo.

O Brasil é talvez o país com o maior custo social para a contratação de empregados: quase 103% do salário dos funcionários. Os fatores previdenciários, contribuições sindicais, tributos e demais componentes desta conta são bastante conhecidos pelos empresários e seguem os parâmetros estabelecidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), principal norma legislativa brasileira referente ao direito do trabalho e ao direito processual do trabalho, criada pelo decreto-lei no 5.452, de 1o de maio de 1943 e sancionada pelo então presidente Getúlio Vargas – portanto, há 70 anos.

Não é apenas este intervalo de tempo que faz com que a legislação trabalhista brasileira esteja pouco ajustada à realidade das relações de emprego atuais. Novas formas de trabalho têm surgido a cada dia, em decorrência da crescente globalização da economia. Para citar apenas um dos exemplos mais óbvios, a invasão de produtos importados de outros países, a exemplo da China, tem desestimulado a contratação de mão de obra brasileira, afetando, em especial, as pequenas indústrias nacionais, imensa maioria do parque fabril. Segundo dados mais recentes do IBGE, as MPEs representam 20% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, são responsáveis por 60% dos 94 milhões de empregos no país e constituem 99% dos 6 milhões de estabelecimentos formais existentes no País.

Uma pesquisa do Instituto Sensus, encomendada pela Confederação Nacional dos Transportes (CNT), revelou que a reforma trabalhista é prioridade para 36,4% dos entrevistados – duas mil pessoas de 20 unidades da Federação, ouvidas em julho do ano passado. O levantamento representa estatisticamente a opinião de muitos setores da sociedade, em especial aqueles que geram emprego e renda. Não são poucos os empresários que apontam a necessidade de mudanças nas leis que regem as relações de trabalho no País. Para o economista José Pastore, a necessidade de uma profunda reforma na legislação de trabalho no Brasil é grande e decorre da perda de competitividade da nossa indústria, do ambiente de negócios desfavorável para investimentos, do excesso de burocracia, das altas despesas geradas pelos conflitos e pela enorme insegurança jurídica que afeta as empresas e os empregados.

Movimentações neste sentido, no entanto, deixaram de ocorrer do modo consistente há pelo menos uma década. Data de 1999, o projeto de reforma trabalhista apresentado pelo então ministro do Trabalho, Francisco Dornelles. Para implementar a reforma sindical e trabalhista, o governo federal criou o Fórum Nacional do Trabalho (FNT), coordenado pela Secretaria de Relações do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego. O FNT conta com a participação de 600 representantes de trabalhadores, governo e empregadores. Porém, o mais recente documento que consta no site do organismo é a ata da primeira reunião da plenária, realizada em 16 de março de 2004.

Desde então, o assunto vem sendo debatido pontual­mente por esta ou aquela instituição ou entidade de representação classista, este ou aquele sindicato. E, em especial, por especialistas, como o próprio Pastore, que, em artigo de 2006, intitulado “Reforma trabalhista: O que pode ser feito?”, já pontuava que este era um tema frequente nas discussões das políticas públicas que visam a estimular o emprego, reduzir a informalidade e proteger o trabalhador.

Custo Brasil e Legislação

O Custo Brasil é um dos fatores mais apontados pelos setores produtivos como impeditivo ao crescimento econômico. Ao lado dos tributos, juros, infraestrutura, logística de transportes, entre outros pontos, inserem-se nesta conta os altos encargos trabalhistas e previdenciários. Pastore confirma que a contratação formal importa em 102,43% do salário. Mas isso não é tudo. “Estudos da FGV de São Paulo indicam que é quase 190%. Além disso, a enorme parafernália legal e jurisprudencial encarecem sobremaneira o trabalho no Brasil. Isso nos tira a condição de competir interna e externamente. Se essa é a situação do presente, a do futuro será pior ainda porque as despesas crescem e as reformas não acontecem”, declara o economista.

A título de comparação das despesas geradas pelos direitos estabelecidos na Constituição Federal e na CLT e que se aplicam a todas as empresas, na França este somatório fica em 79,70% do salário dos empregados; na Argentina são 70,27%; na Alemanha, 60%; na Inglaterra, 58,80%; na Itália, 51,20%; no Uruguai, 48,06%; no Paraguai, 41%; no Japão, 11,80%; e nos Estados Unidos, 9,03%.

Em seu artigo, Pastore lembra que, além do rebaixa­mento dos salários, a rigidez do sistema estatutário provoca outras distorções. Uma delas, comumente adotada pelas pequenas e microempresas, é a contratação de uma parte do seu quadro de pessoal na informalidade. E isso ainda ocorre, mesmo que, de acordo com pesquisa recente da FGV1, a melhora da escolaridade dos brasileiros tenha levado à queda na informalidade do trabalho entre 2002 e 2009. Aliada ao bom momento econômico da última década e às políticas públicas de geração de emprego e renda, a taxa de informalidade, que chegou a 43,6% em 2002, caiu para 37,4% em 2009, uma diminuição de 6,2 pontos percentuais, segundo o levantamento, com base em dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad).

De acordo com José Pastore, embora no Brasil o sistema de regulamentação do mercado de trabalho siga a CLT, dada a complexidade dos setores, portes das empresas e características de cada região, o País segue o modelo de muitos outros que fixam em leis apenas as regras gerais e deixam para o contrato negociado a maior parte dos detalhes da regulamentação. As normas que surgem nesse caso formam o chamado sistema negocial, em que o contrato entre as partes ocupa um lugar central.

Em um outro extremo, estão as nações que acreditam na eficiência das leis e no monitoramento das mesmas por meio de tribunais do trabalho que possuam a devida competência para restaurar o comportamento desviante das partes. Nesse tipo de ambiente, há leis em grande profusão, bastante detalhadas e que devem ser respeitadas pelo mercado de trabalho, independentemente das diferenças entre setores da economia, características regionais e tamanho das empresas. Esse é o chamado sistema estatutário, onde a lei tem centralidade absoluta. Porém, ressalta o economista, nenhum país possui um sistema puro. Os que estão no extremo negocial convivem com várias leis aprovadas pelos órgãos legislativos. Os que estão no extremo estatutário abrigam muitas regras de negociação. Os dois sistemas possuem base legal. Os primeiros, porque têm as regras geradas por contratos que, por sua vez, são reconhecidos por leis que lhes dão eficácia jurídica. Os segundos porque se ancoram nas próprias leis.

Exemplos de sistemas que pendem para o lado negocial são Inglaterra, Estados Unidos, Austrália, Nova Zelândia e Japão. Dentre as nações que seguem a linha estatutária estão França, Itália, Espanha e a maioria dos países da América Latina. “O Brasil é um dos casos mais extremos, em que as condições de trabalho são quase que inteiramente definidas nas leis e interpretadas pelos tribunais. Consequentemente, é também um dos países que possuem as mais altas despesas de contratação e o menor espaço para ajuste das mesmas às novas condições econômicas e sociais”, escreve Pastore.

As leis ordinárias brasileiras, como a CLT, seguem o mesmo detalhismo da Constituição Federal. Ao lado disso, cresce a cada dia o número de normas geradas pela ação da Justiça do Trabalho, através de enunciados e precedentes criados pelas sentenças. Os órgãos dessa instância lidam com mais de três milhões de novos processos por ano, de acordo com dados recentes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o que daria margem a uma proliferação de normas das mais variadas naturezas.

“Como o sistema estatutário brasileiro é de âmbito federal, as regras legais e jurisprudenciais se aplicam a todos os setores da economia, todas as regiões, setores e empresas. No fundo, o Brasil trabalha com ‘leis de tamanho único’ para serem aplicadas em realidades extremamente heterogêneas. Elas têm de ser aplicadas tanto a um fabricante de aviões quanto a uma barbearia. As despesas geradas por essas leis são universais e obrigam todas as empresas e trabalhadores a cumprirem seus dispositivos, sem a menor possibilidade de ajustes pela via da negociação e sem considerar suas capacidades de administrar e pagar”, comenta em seu artigo o economista.

O relatório Doing Business, elaborado anualmente pelo Banco Mundial, a partir de uma pesquisa com 185 países sobre as condições para se fazer negócios, revela que o Brasil passou da 126ª colocação para a 130ª no ranking de 2013. O estudo avalia fatores como facilidade em abrir e fechar uma empresa e até em conseguir energia elétrica para a nova companhia e fazer comércio exterior. No quesito “seguir regras tributárias e trabalhistas”, o desempenho brasileiro é um dos piores entre as nações pesquisadas. Dois fatores pesam nessa má colocação: as despesas de contratação e a insegurança jurídica. De acordo com o relatório do Bird, a insegurança decorre (1) da pobreza da negociação coletiva; (2) de leis em excesso e mal redigidas; (3) de interpretações divergentes dos tribunais; (4) de abusos na execução de sentenças, com devastadoras penhoras on-line; (5) de intervenção excessiva de órgãos da fiscalização e do próprio Ministério Público, aplicando multas, desconsiderando contratos e relações entre pessoas jurídicas por mera presunção de fraude.

Se, por um lado, a reforma trabalhista não avança no Brasil, por outro, o Tribunal Superior do Trabalho tem criado súmulas que, embora tratem apenas de questões técnicas referentes ao processo trabalhistas, muitas vezes acabam gerando dúvidas e são responsáveis por entendimentos divergentes por parte dos juízes nos tribunais trabalhistas. Diante disso, como o Judiciário poderia garantir a segura solução de litígios entre trabalhadores e empregadores? Para José Pastore, a criação de súmulas que de fato legislam é um absurdo. “Os magistrados parecem ter pouca sensibilidade para as consequências econômicas e sociais de suas decisões. Além de travarem o processo negocial, muitas súmulas travam o crescimento do País e dos empregos de boa qualidade”.

A reforma que não existe

Em março do ano passado, durante reunião com represen­tantes de seis centrais sindicais, a presidente da República Dilma Rousseff negou que o governo pretenda mudar a legislação trabalhista, dando como exemplo a permissão do trabalho por hora, proposto por empresários dos setores do comércio e de serviços. “No meu governo não vai ter reforma trabalhista. Nenhum ministro está autorizado a falar sobre isso ou propor qualquer coisa nesse sentido”.

Em novembro, durante a abertura do seminário Relações do Trabalho para o Brasil do Século 21, organizado pelo grupo Diários Associados, em Brasília, o vice-presidente da República, Michel Temer, defendeu alterações pontuais na legislação trabalhista para aprimorar as relações entre empregados e patrões. “Muitas vezes, tentamos fazer uma reforma sistêmica, num conjunto de normas. Mas isso implica o contribuinte, os municípios, o estado e a União. E fazer a concordância de maneira global é extremamente difícil”, declarou. Para o vice-presidente, é preciso fazer mudanças pontuais, com ampla discussão entre todas as partes interessadas, como empresários e empregados.

Por “alterações pontuais” podemos entender o pacote de medidas anunciado dois meses antes pelo governo federal, com a desoneração fiscal de 25 setores econômicos – na prática, a retirada a contribuição de 20% sobre as folhas de pagamentos das empresas ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). A redução da carga tributária é justamente a parte que mais interessaria ao empresariado na reforma trabalhista, afinal esta é a que maior peso tem para a competitividade das empresas. “O atual movimento de desoneração da folha de salários está numa boa direção e já vem trazendo vantagens limitadas a vários setores. Entretanto, a desoneração deveria ser total e não com compensação no faturamento das empresas. Para tanto, impõe-se não apenas uma reforma trabalhista mas principalmente uma reforma previdenciária. O custo unitário do trabalho no Brasil explodiu nos últimos anos e tirou as vantagens comparativas da nossa economia – com exceção da agropecuária”, defende Pastore.

A verdade é que embora o governo federal tenha adotado tais medidas de incentivo à produção não apenas no âmbito previdenciário – a redução das tarifas de energia elétrica é outro bom exemplo –, alguns pontos são motivos de queixas mais frequentes por parte de lideranças empresariais, como o pouco, ou quase nenhum, investimento em infraestrutura e, principalmente, alternativas de escoamento da produção, que não sejam a nem sempre eficiente malha rodoviária brasileira. “Os problemas de logística são gravíssimos. O das estradas e portos, mais ainda. O da burocracia é insuportável. Tudo isso eleva o Custo Brasil. O Brasil poderia estar muito longe em matéria de competitividade se tais problemas tivessem sido resolvidos quando foram levantados pelos especialistas – há 30 anos”, acrescenta o economista.

Além da questão tributária, existe uma parcela da classe política, e mesmo do Poder Judiciário, que defende uma “necessária modernização das leis e das relações do trabalho”. Para José Pastore, a modernização funcional seria a que ampliasse o espaço para a negociação e que levasse o Poder Judiciário a respeitar rigorosamente o que é livremente negociado entre as partes. “Nessa modernização teríamos também de limitar a tutela do Estado realmente aos casos dos mais necessitados”, avalia. Outro ponto do texto original da reforma está relacionado a uma série de medidas que levam em conta a “humanização” das relações de trabalho. Para o economista, no entanto, este aspecto é facilmente equacionável. “A maior humanização é a de levar as proteções sociais mínimas a mais da metade da força de trabalho que ainda está na informalidade”, conclui Pastore.

Notas ______________________________________________________________________________

1 Evolução Recente da Informalidade no Brasil, dos pesquisadores Fernando Holanda Barbosa Filho e Rodrigo Leandro de Moura, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV). Disponível em: http://portalibre.fgv.br/.

Referências Bibliografica _____________________________________________________________

KRUSE, Marcos. O significado da reforma trabalhista. 2004. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/5184/o-significado-da-reforma-trabalhistaPASTORE, José. Reforma trabalhista: o que pode ser feito? 2006. Disponível em: < http://www.josepastore.com.br/artigos/rt/rt_136.htm>
Pesquisa mostra que reforma trabalhista é prioridade para 36% dos brasileiros. 8/3/2012. Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2012-08-03/pesquisa-mostra-que-reforma-trabalhista-e-prioridade-para-36-dos-brasileiros.
Temer defende reformas trabalhistas pontuais. 7/11/2012. Disponível em: http://www2.planalto.gov.br/vice-presidente/noticias/2012/11/2012-11-07-reforma-trabalhista>
Fórum Nacional do Trabalho (MTE). http://www.mte.gov.br/fnt/default.asp
Relatório Doing Business, Banco Mundial: Disponível em: <http://portugues.doingbusiness.org/reports/global-reports/doing-business-2012>