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Recuperação prolongou vida de empresas

31 de março de 2010

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Cinco anos depois de ser publicada, a Lei 11.101, de 2005, passou no teste ao menos do ponto de vista econômico. Nesse período, o País atravessou uma crise de proporções mundiais e viu o Judiciário ter um papel mais ativo em diversos segmentos, inclusive no que diz respeito à área empresarial.
Dados da Serasa Experian apontam que, desde 2005, foram requeridas pouco mais de 1.600 recuperações judiciais no País. Mais de 1.100 foram deferidas. Só o Judiciário de São Paulo recebeu 905 pedidos, seguido do Rio de Janeiro, com 90, e Rio Grande do Sul, com 83. Na Justiça gaúcha, do total de pedidos, 79 recuperações foram deferidas e quatro concedidas.
Responsável por um dos casos mais emblemáticos da recuperação judicial sob a égide da nova legislação, o Juiz Luiz Roberto Ayoub, que esteve à frente do processo de recuperação da Varig, afirmou que a Lei 11.101/05 conduz a uma mudança cultural. “É uma lei que muda todos os parâmetros até então conhecidos no Poder Judiciário, porque é uma lei econômica, política e social, que tem como princípio maior a manutenção da unidade produtiva.”
Ayoub explicou que antes a demora em honrar dívidas assumidas levava à quebra da empresa. “Sob a égide da lei anterior, dada a uma impontualidade da empresa por uma dificuldade qualquer, a ideia era sempre quebrar a empresa, realizar o ativo para tentar, se possível, satisfazer o crédito dos credores”, disse.
Não foi só a responsabilidade de mudar a cultura nessa área que a lei conferiu ao juiz. O próprio juiz passou a exercer um protagonismo maior com a nova lei de falências e a recuperação judicial. O juiz, constata Ayoub, é responsável por fomentar as discussões. “Quem decide o futuro da empresa não é o juiz; são credores e devedores, em um cenário de amplo debate”, diz.
O primeiro caso, contou o Juiz, foi o da Varig. “Apesar das enormes dificuldades, o resultado foi positivo”. Em 2008, o País se deparou com a crise mundial do crédito. Sem a nova lei, Ayoub acredita que as chances de as empresas se recuperarem seriam pequenas. “Não sei se todas tiveram o sucesso esperado e desejado. Das que temos conhecimento, tanto do Rio quanto de São Paulo, o resultado foi muito bom.”
O advogado Charles Gruenberg também considera os resultados até agora muito positivos. Para ele, a grande evolução que a lei trouxe foi a flexibilização da forma de negociação e discussão das dívidas de uma empresa que, em determinado momento, passa por dificuldades. “Tenho observado um número considerável de empresas que se beneficiaram recentemente da nova lei”, disse.
Gruenberg afirmou ainda que os tribunais, sobretudo o Superior Tribunal de Justiça e o TJ de São Paulo, têm dado uma interpretação positiva e coerente nas decisões. Para o Advogado, os poucos precedentes abertos pelo Judiciário criaram confusão onde a lei não era obscura. “Algumas decisões tentaram dar interpretações extensivas.” Mas, constata, os TJs têm reformado essas decisões “mais arrojadas”.
Um dos exemplos é a tentativa de incluir adiantamentos de contrato de câmbio na recuperação. “Eles estão fora, mas muitos tentam incluir”, disse Gruenberg. O escritório do qual o Advogado faz parte, Leite, Tosto e Barros Advogados, normalmente não atua pelas empresas em recuperação e sim pelos credores. Mas atuou na recuperação da Eucatex, que, em concordata na época em que a lei entrou em vigor, migrou para a recuperação e, no final de 2009, concluiu o plano. “A empresa cumpriu 100% da recuperação”, afirmou.
Para o Assessor Econômico da Serasa, o economista Carlos Henrique de Almeida, a legislação tem sido muito bem sucedida do ponto de vista econômico, pois mantém o negócio e preserva os postos de trabalho. “Mesmo com a ‘prova de fogo’ da crise pela qual o País atravessou, as empresas que poderiam ter quebrado tiveram uma segunda chance”, afirmou.

Mudanças em trâmite
Para Gruenberg, não há pontos muito ruins na legislação. Ele afirma que há algumas movimentações para modernizar a lei e “aparar” pequenas arestas. “Há uma tentativa de flexibilizar o prazo para a apresentação do plano de recuperação”, diz. O Advogado entende que é necessária nova redação de alguns pontos, mas para deixá-los mais claros.
“Não acredito que se pretenda modificar a lei, mas sim aperfeiçoá-la. É uma lei jovem, ousada, que muda um paradigma, e, a partir de então, ajustes deverão ser feitos”, entende o Juiz Ayoub. Um dos ajustes, diz, é aumentar as atribuições do administrador judicial.
Outro ponto que o Juiz considera importante é a inclusão do fisco no processo. Hoje, os créditos fiscais não se submetem à recuperação. “Quebrando um paradigma do Direito Administrativo, eu acho que o fisco tem que participar desse processo de reorganização. A recuperação de empresas interessa a toda a sociedade brasileira”. Para o Juiz, é preciso refletir e discutir ajustes, pensando em um cenário amplo de debate e que envolva todos os personagens relacionados à vida empresarial.
Atualmente tramitam na Câmara dos Deputados alguns projetos para modificar dispositivos da lei. Um deles, o Projeto de Lei 7.604/06, apensado ao PL 6.229/05, prevê a suspensão da execução fiscal durante o tempo em que a empresa estiver em processo de recuperação judicial.
“Tal tratamento aos créditos fiscais na recuperação judicial nos parece muito incoerente e inibe o acesso das empresas com passivo fiscal ao instituto da recuperação judicial”, justifica o autor do PL, Deputado Luiz Carlos Hauly. Para o Parlamentar, se uma empresa entra com pedido de recuperação é porque não está conseguindo honrar suas dívidas, inclusive com o fisco. Na justificativa, ele lembra ainda que a empresa tenderá a pagar suas dívidas, primeiro, com empregados e fornecedores.
Outra proposta, o Projeto de Lei 6.447/05, apensado ao PL 5.250/05, procura dar uma aliviada à empresa em recuperação ao tratar do parcelamento de débitos com a Receita Federal, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e o Instituto Nacional do Seguro Social.
A proposta visa especificar regras para o parcelamento de dívidas nos casos de empresas em recuperação, para que elas não se submetam às regras gerais previstas para os empreendimentos que não estão na mesma situação.

Dívida suspensa
Se do ponto de vista econômico o sucesso da nova lei parece evidente, a polêmica sobre as vantagens em outros setores ainda prospera. Como a empresa em recuperação passa a ser organizada sob o crivo do juízo da Vara Empresarial ou de Recuperação e Falências, os tribunais superiores têm entendido que a Justiça trabalhista fica impedida de dar seguimento ao processo de pagamento de encargos devidos a empregados ou ex-funcionários. Ou seja, o juízo trabalhista reconhece ou não a dívida, mas quem vai determinar quando ela será paga é o juízo da recuperação.
Ayoub entende que a lei anterior não garantia que as dívidas seriam pagas pela empresa em dificuldades e levada à falência. Para ele, havia um efeito nocivo no modo como a falência era operacionalizada. Quando a empresa era levada ao estado falencial, conta, ela não representava grandes possibilidades de satisfação do crédito dos credores. “O pagamento só poderia começar depois de ultimado o quadro geral dos credores, o que levava anos. Durante esse tempo, os ativos da empresa falida se tornavam obsoletos. Quando era permitida a alienação dos ativos, estes já não tinham mais valor”, afirmou o Juiz.