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Privatização por meio do franchising

10 de maio de 2020

Professor Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais Membro da Academia Fluminense de Letras

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Segundo informações prestadas por alto funcionário do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), em recente seminário internacional sobre “Privatização através do franchising”, realizado em São Paulo, o sucesso do programa de privatização no regime democrático está na razão direta da formação de uma corrente de opinião pública a ele favorável.

Todos sabemos que o sustentáculo de uma nação é a sua classe média, em seus diversos patamares: média/ baixa, média/ média e média/ alta. Classe média esta constituída por estudantes, funcionários públicos, donas de casa, bancários, securitários, profissionais liberais, micros, pequenos e médios empresários, estejam ou não operando à luz da legislação comercial e tributária.

  Quem quer que queira o apoio de opinião pública – principalmente os Governos em seus planos de mudanças estruturais – terá que formar e ter ao seu lado uma corrente de opinião que lhe seja favorável junto à classe média, ou não chegará a lugar nenhum. 

Ora, é da essência da franquia empresarial a capilaridade, isto é, a distribuição de investimentos e operações comerciais ou de serviços em um amplo espectro do território, valendo-se de empresas já existentes ou da criação de outras de micro, pequeno e médio porte; classe média empresarial esta constituída a partir de um contingente formado por estudantes, aposentados, donas de casa, profissionais liberais e outros que resolveram ingressar na senda dos negócios.

Este raciocínio nos conduz à conclusão lógica de que a privatização, para disseminação de seu conceito básico – afastamento, em definitivo, do Estado de suas funções não estruturais, que nada têm a ver com seu papel institucional – no qual repousa seu sucesso, depende substancialmente não só da transmissão de conceitos de fácil assimilação, como também da operacionalidade de simples manejo a que a franquia necessariamente nos conduz, como, aliás, é de sua própria essência.

Além do mais, a franquia pode tornar-se, claramente, um instrumento hábil de governo para atingir, além das metas meramente econômicas, os objetivos sociais de altíssimos dividendos políticos como, por exemplo, a redução da dependência de novos investimentos estrangeiros, bem como a criação de novas oportunidades para pequenas e médias empresas e empresários em potencial. Sem contar com um outro dividendo, paradoxal como possa parecer, qual seja o de que, privatizado em seu âmago, o Brasil demonstraria, na prática, sua intenção governamental de acolher capitais privados, venham de onde vierem.

Depois de firmar-se como um dos sistemas mais eficientes de expansão de novos negócios na área comercial e de serviços em todo o mundo, o franchising está sendo adotado como alternativa prática, rápida e barata de promover a privatização de economias outrora estatizadas, como, por exemplo, as do Leste Europeu.

Animados pelas recentes experiências de países industrializados – como a Inglaterra, que franqueou à iniciativa privada os postos de atendimentos dos correios – organismos governamentais de países do Leste Europeu, como Polônia, Hungria e Checoslováquia encomendaram a especialistas internacionais em franchising estudos para a privatização, por meio da franquia, de grande parte de sua economia.

Nós, com a experiência em franchising que já possuímos no Brasil junto ao setor privado, muito poderíamos contribuir para acelerar o processo de privatização de nossas estatais, pela ponta de suas atividades, mormente as empresas prestadoras de serviços como as distribuidoras de energia elétrica, as responsáveis pelos serviços telefônicos, pela administração de aeroportos, ferrovias, terminais rodoviários e mesmo pelos serviços sociais.

Um desses especialistas, se não o maior deles, Philip Zeidman, afirmou enfaticamente do alto de seus 20 anos em franchising (os últimos dos quais como consultor da Europa Central e do Leste, Austrália, México e Argentina) que: “Existe uma ligação próxima entre franquia e privatização. A franquia pode ser um dos mecanismos apropriados para transferir propriedades do Estado para o setor privado”; sem que, necessariamente, estes percam o controle delas, acrescentamos nós.

Ao atuarem também na iniciativa privada, as companhias estatais brasileiras passariam a produzir bens e serviços com a diversidade e a qualidade exigidas pelos consumidores nacionais, que já dispõem de uma arma legal para a defesa e a proteção de seus interesses, ou seja, o próprio Código de Defesa do Consumidor, podendo assim passar a exigir, inclusive das estatais, bons serviços e melhores produtos. Isto sem falar no afastamento definitivo de irregularidades provenientes da corrupção e de outras práticas, menos recomendáveis, de enriquecimento sem causa. Passariam, além do mais, a proporcionar aos seus funcionários novo espectro de oportunidades de trabalho motivador e altamente compensatório, em termos de ganhos financeiros. 

Em verdade, gigantes industriais não são considerados bons candidatos ao sistema de franquia. O mesmo não se poderia dizer, porém, de certas categorias de estatais, que poderiam ingressar de forma promissora no sistema de franquias, como é, precipuamente, o caso das empresas de serviços. Vide os exemplos dos correios na Inglaterra, da franquia postal no Brasil (Lei nº 11.668/2008), de companhias aéreas como a Japan Airlines e toda a rede ferroviária daquele país, e, por fim, das empresas fornecedoras de energia elétrica da Tailândia e do Chile. 

A expansão de qualquer atividade por meio do franchising pressupõe a existência de um trinômio no qual A é a empresa franqueadora; B é um homem de negócios independente, que assume seus próprios riscos; e C é o público consumidor final. A expansão tradicional da empresa, seja esta estatal ou privada, conta também com o trinômio A, B e C, só que A é a empresa central; B é o gerente da filial, assalariado e geralmente desmotivado; e C o consumidor final.

Está concretamente provado, pois, que a expansão por meio do franchising de qualquer atividade empresarial promovida quer por empresas privadas, quer públicas, se faz mais rapidamente, a custos bem menores e com absoluto sucesso devido à uma de suas características principais: “o olho do dono (“B”) engorda o boi”, segundo a sabedoria popular. 

Enquanto isso, “B” – que no trinômio tradicional seria o dono do negócio – é o funcionário assalariado nas empresas estatais, raramente comissionado, sem as necessárias motivações para o trabalho, o lucro, a realização pessoal e financeira sem limites que só a iniciativa privada proporciona. 

Se transformadas em franqueadoras pela ponta de suas atividades, as grandes empresas estatais brasileiras estariam menos infensas a cair, por exemplo, em mãos de capitais estrangeiros, além de proporcionarem maior flexibilidade operacional, suficiente para reestruturarem-se em unidades individuais separadas e viáveis, porque dinâmicas, transformadas em pequenas empresas, sem perda do seu controle central, o que se apresenta como sua principal característica e uma vantagem sem precedentes.

A própria rede de distribuição de propriedade do Estado, dirigida por um governo centralizador, geralmente despótico, exercido por um diretor nacional, com filiais em várias partes do Brasil e gerenciadas por funcionários governamentais locais, desmotivados e mal remunerados, seria transformada em uma rede de franqueados, constituídos até por ex-empregados, ex-gerentes e ou ex-diretores que, doravante, passariam a gerenciar suas próprias unidades individuais, investindo suas reservas de dinheiro, suas indenizações trabalhistas, e recebendo assistência financeira e jurídica para pagar o restante do preço de sua nova condição de franqueado, como já ocorreu recentemente no Brasil com a filial de umas empresa multinacional no ramo de seguros que, outrora, fora estatal em seu país de origem.

O conceito internacional de franchising é mais um daqueles subordinados a um fato político econômico e social de nível mundial, inexorável, qual seja o de globalização: a privatização, o marketing, as fianças públicas e privadas, as políticas fiscais e tributárias não resistem mais a uma discussão aprisionada entre as fronteiras de um mesmo pais. 

Quanto ao conceito de privatização em particular, as pesquisas mais rudimentares provaram sua praticabilidade em países dos mais diversos continentes e de características econômicas e políticas as mais díspares, e diametralmente opostas, por ter-se adaptado à cultura e a economia dos países onde foi implantada. 

Assim, também, a franquia no Brasil, como instrumento versátil de privatização acelerada, auto sustentada e sedimentada em sólidos sentimentos de apoio da opinião pública, deve levar em consideração as tradições empresariais econômicas nacionais, pelas quais as estatais detém 60% ou mais de sua economia, pouco restando para as empresas privadas nacionais ou multinacionais.

Finalizando, ousamos vaticinar, sem medo de errar, que a franquia no Brasil poderá ampliar sobremaneira as oportunidades econômicas e o potencial de privatização de maneira mais profunda, completa e sutil do que seria possível alcançar com o emprego de qualquer outro instrumento ou veículo.