Previsibilidade como componente da desejada segurança jurídica

7 de junho de 2024

Da Redação

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Em entrevista, o Presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, Desembargador Fernando Antonio Torres Garcia, apresenta seus planos de gestão

Eleito para o biênio 2024-2025, o Presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, Desembargador Fernando Antonio Torres Garcia, considera fundamental ter previsibilidade dos julgados, fator diretamente ligado à segurança jurídica e ao desenvolvimento da economia brasileira. “Ninguém investe em um país que não oferece uma segurança jurídica razoável”, afirma, de modo categórico. 

À frente do cargo desde fevereiro deste ano, o Magistrado abordou nesta entrevista os principais temas a serem tratados em sua gestão, que incluem o trabalho de relacionamento com os demais Poderes e atenção à tecnologia para, dentre outras coisas, incrementar a produtividade e a qualidade da prestação jurisdicional. 

Magistrado de carreira – tendo ingressado como juiz substituto da 4a Circunscrição Judiciária, com sede em Osasco, e promovido a desembargador em 2008 – o Desembargador já atuou como Conselheiro da Escola Paulista da Magistratura (EPM) em dois biênios. Também foi Presidente da Seção de Direito Criminal do TJ paulista e Corregedor-Geral da Justiça do Estado de São Paulo.

Confira a seguir os melhores momentos da entrevista.

Revista Justiça & Cidadania – O senhor assumiu a Presidência do TJSP em fevereiro, mês em que a Corte celebrou 150 anos de existência. Quais serão os pilares de sua gestão à frente do histórico tribunal?
Desembargador Fernando Antonio Torres Garcia – No plano institucional, abri duas frentes que reputo prioritárias: relacionamento próximo e dinâmico com os demais Poderes (Palácio dos Bandeirantes e ALESP) e Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para a construção de pontes e soluções das questões de interesse do Tribunal de Justiça de São Paulo e da sociedade; e melhoria das estruturas administrativas internas com foco na facilitação do trabalho nos gabinetes e cartórios e na governança, transparência e eficácia do TJSP.

No campo da inovação e da organização judiciária, tenho dedicado especial atenção à aplicação da tecnologia (Inteligência Artificial e robôs) para a superação do excesso de trabalho dos magistrados e servidores, com incremento da produtividade e da qualidade da prestação jurisdicional; criação de núcleos de triagem de demandas para que o 2o Grau direcione seu empenho às questões jurídicas relevantes ao mérito; provimento de 20 cargos de Juiz Substituto em 2o Grau, que farão parte dos Núcleos de Justiça 4.0, voltados ao julgamento de temas específicos, como processos ligados à judicialização da saúde, empréstimo consignado e prestação de serviço, além de outros assuntos das Seções de Direito Criminal e Direito Público; e apoio ao combate às lides predatórias. Neste último aspecto, vale registrar que estudos do Núcleo de Monitoramento de Perfis de Demanda (NUMOPEDE), da Corregedoria-Geral da Justiça, apontam para prejuízo ao TJSP na casa de R$ 2,6 bilhões no biênio 2020-2021.

JC – Quais medidas são necessárias para garantir a segurança jurídica atualmente?
FTG – A segurança jurídica constitui assunto de sensível relevância, em especial para o desenvolvimento da economia brasileira. Ninguém investe em um país que não oferece uma segurança jurídica razoável. Além da especialização da Justiça, a previsibilidade dos julgados representa um componente importante da desejada segurança jurídica. Em outras palavras, todos querem saber as regras do jogo. Daí os instrumentos jurídicos voltados a uma certa estabilização da jurisprudência, com a formação de precedentes qualificados e vinculantes, são imprescindíveis e devem ser cada vez mais utilizados.

Por outro lado, essa legítima expectativa não pode interferir na liberdade de atuação do magistrado, que, dentro de determinados parâmetros, pode decidir de forma diferente. Assim, o desafio está no equilíbrio entre essa liberdade, evitando-se a “museologização dos julgados”, e a segurança jurídica, afastada a denominada “loteria da Justiça”.

JC – Como o TJSP contribui para isso em seus julgados?
FTG – Penso que esse desafio é bem administrado. Nossos magistrados observam os precedentes qualificados, ressalvadas as hipóteses de “distinguishing” e do “overruling”. E temos, como auxílio nesse aspecto, os Núcleos de Gerenciamento de Precedentes e Ações Coletivas, os Nugepnacs. São cinco núcleos, vinculados à Presidência do Tribunal, à Vice-Presidência e às Seções de Direito Privado, Público e Criminal. Os Nugepnacs divulgam decisões a respeito dos precedentes qualificados, participam do gerenciamento dos processos relacionados a tais precedentes e contribuem com a especialização de servidores que atuarão nessa área.

Outra iniciativa importante é a formação do Núcleo de Justiça 4.0, no Tribunal de Justiça, composto inicialmente por 20 Juízes Substitutos em Segundo Grau, e destinado a fazer frente, em particular, a demandas repetitivas de grande volume: o julgamento especializado a ser oferecido por este Núcleo contribuirá não só para uma solução eficiente desses casos, mas também para a obtenção de estabilidade e previsibilidade nessa espécie de litígios, evitando, como dito, as chamadas “decisões lotéricas”. O TJSP, e nem poderia ser diferente, está atento ao assunto e continuará a dar sua parcela de contribuição à segurança jurídica.

JC – O TJSP é um exemplo quando se trata de Justiça especializada. Qual é a importância dessa especialização diante do alto volume de processos em tramitação?
FTG – A especialização é um fenômeno que, mediante adequada divisão de tarefas, contribui para o aumento da eficiência, da velocidade e da qualidade do trabalho. De fato, nos últimos anos, o TJSP tem expandido horizontalmente a especialização, mediante conversão ou instalação, nas comarcas onde ainda não havia, de varas de família, criminais, de Fazenda etc.; e tem intensificado o grau de especialização, a exemplo da criação de unidades voltadas ao julgamento de matéria empresarial e de crimes tributários, lavagem de dinheiro e praticados por organização criminosa, além das recentíssimas varas de crimes praticados contra crianças e adolescentes, instaladas em maio deste ano.

JC – São Paulo concentra cerca de 28% das empresas ativas do país. Há previsão de criação de novas Câmaras e Varas especializadas em matéria empresarial?
FTG – Hoje, todas as 10 Regiões Administrativas Judiciárias do TJSP contam com varas empresariais regionais. Caso os números justifiquem, outras varas da competência poderão ser instaladas.

JC – O incentivo à mediação ajudaria a reduzir o número de demandas no Estado?
FTG – Sem dúvida alguma. A mediação é uma ferramenta importantíssima como medida de pacificação social, além de reduzir o número de demandas, sobretudo quando utilizada de maneira pré-processual, ou seja, sem o ajuizamento de uma ação judicial. O interessado em resolver um conflito pode procurar o Poder Judiciário por meio de um dos 320 CEJUSC´s instalados no Estado e, independentemente de qualquer formalidade, expõe seu problema. Na sequência, submete-se ao procedimento de mediação juntamente com os demais envolvidos para que, com o auxílio do profissional mediador, seja buscada, em conjunto, a melhor solução para o caso. Nesta linha, acreditando na eficiência do método, o NUPEMEC tem lançado mão de importantes iniciativas a fim disponibilizar mais portas de acesso ao sistema, a exemplo do CEJUSC-Saúde, destinado a facilitar o encaminhamento e atendimento de pedidos de fornecimento de medicamentos no sistema público de saúde.

JC – Recentemente, o senhor abordou a pretensão de ampliar o programa “Precatórios: Prioridade Máxima”. Pode contar mais sobre a iniciativa?
FTG – Manteremos e ampliaremos o programa, que foi iniciado na gestão passada, com vistas a diminuir cada vez mais o prazo entre o recebimento dos recursos das entidades devedoras e a efetiva liberação do valor dos precatórios aos seus credores. Sabe-se da árdua batalha travada pelos credores de precatórios para receber o valor devido ainda em vida, o que acaba muitas vezes relegado para os herdeiros do credor originário em razão das décadas de demora no pagamento causada pelo Poder Público. Essa demora causa dificuldades ao Tribunal também, que além de enfrentar uma avalanche de pedidos jurisdicionais acerca dos inúmeros temas, emendas constitucionais e alterações procedimentais, ainda tem o dever de fazer a gestão do pagamento de mais de 950 entidades devedoras no Estado de São Paulo, como também cuidar do rateio desses recursos para outros tribunais.

Desde o início do programa, na gestão anterior, os levantamentos de valores efetuados na Unidade de Processamento das Execuções contra a Fazenda Pública (UPEFAZ) passaram de R$ 2 bilhões para mais de R$ 6 bilhões, de 2020 a 2023. Dentre os esforços da atual gestão, cito o reforço no número de magistrados e servidores tanto na Diretoria de Execuções de Precatórios e Cálculos do TJSP (DEPRE) quanto na UPEFAZ, o desenvolvimento de robôs para expedição de mandados de levantamento, a disponibilização de portais eletrônicos para análise de pedidos de cessões de crédito e das habilitações de herdeiros, além do estabelecimento de rotinas de trabalho otimizadas para análise dos requerimentos.

Como novidade, ampliaremos os esforços na DEPRE para que todos os pagamentos sejam feitos diretamente ao credor, sem a necessidade de transferência ao juízo da execução e sem a necessidade de expedição de mandados de levantamento, o que economizará ainda mais tempo na tramitação do pedido, pois as transferências serão feitas via integração bancária, em maior escala. Nosso trabalho será voltado à rapidez necessária para a transferência dos valores, sem nos descuidarmos das cautelosas checagens de dados, garantindo que o pagamento seja feito com a segurança que se espera do Poder Judiciário.

JC – Quais ferramentas de Inteligência Artificial já são utilizadas pelo TJSP?
FTG – O Tribunal de Justiça conta com diversas iniciativas que envolvem, em graus distintos, a utilização da inteligência artificial. O tema ainda é embrionário e exige cuidado, com cumprimento integral da Resolução 332 do CNJ. Nesse sentido, há convênios firmados com a Universidade de São Paulo para a execução de projetos relacionados à identificação de guias de recolhimento duplicadas, o reconhecimento de processos com temas analisados pelos Tribunais Superiores e a análise do recolhimento das custas de preparo. Há também projetos que buscam a avaliação do conteúdo de petições, a identificação da classe/assunto no momento do peticionamento e a vinculação de processos aos precedentes do STJ e do STF.

Nesta gestão iniciamos também um projeto novo que busca reunir informações para acelerar a identificação dos requisitos de admissibilidade recursal, como tempestividade, correto recolhimento do preparo, indicando as folhas respectivas nos autos processuais. O objetivo é facilitar a atividade decisória do Magistrado, sem, de nenhuma forma, substituí-lo na própria atividade jurisdicional.

JC – Quais são as ações planejadas na área de tecnologia da informação da Corte paulista para dar conta de toda a demanda de processos?
FTG – No campo da infraestrutura, estamos acelerando a substituição de todos os computadores usados por magistrados e servidores por máquinas modernas, o que foi iniciado na gestão anterior. Além disso, estamos realizando a revisão dos links de internet de todas as comarcas e a melhoria dos principais canais de atendimento das demandas de usuários internos e externos. Em relação aos sistemas, o foco será o desenvolvimento de ferramentas judiciais e administrativas para incrementar a eficiência das atividades desempenhadas nas unidades judiciais, com o auxílio de automação e inteligência artificial. E, ainda, estamos desenvolvendo novos estudos que permitam definir o futuro tecnológico da TI em longo prazo.

JC – O TJ de São Paulo foi o primeiro do país a promover uma magistrada ao cargo de Desembargadora com base na Resolução 525 do CNJ. Como avalia a medida? E quanto a oposição de alguns magistrados sobre o tema?
FTG – A medida pretende atender a política pública de paridade no Poder Judiciário estabelecida no ano de 2023 pelo CNJ, visando ocupar pelo menos 40% dos cargos de carreira em segundo grau por desembargadoras, para melhorar a representatividade da mulher nos tribunais. Houve posições divergentes entre os magistrados, com concordâncias e discordâncias, como sempre ocorre quando há mudança de critérios de promoção na lista de magistrados, o que já foi superado pelas discussões que se tratavam na oportunidade de implementação da resolução. O Tribunal de Justiça de São Paulo foi o primeiro Tribunal do país a cumprir a Resolução do CNJ e seguirá cumprindo as determinações superiores, irmanado ao propósito de colaborar com o aprimoramento da Justiça no Brasil.