Prevenir, reprimir e, sobretudo, restaurar

5 de agosto de 2024

Tiago Santos Salles Editor-Executivo

Compartilhe:

Minha participação em dois importantes eventos realizados recentemente em Portugal  – o 12o Fórum de Lisboa e o 29o Seminário de Verão de Coimbra, cujas coberturas podem ser lidas nesta edição –, me fez refletir sobre o quanto as atuais tensões globais e a crescente desordem climática são fenômenos contemporâneos que formam uma relação complexa e interconectada.  Alvos de muitos painéis apresentados no Fórum de Lisboa, a crise das democracias e o avanço da extrema direita são elementos que fortalecem o negacionismo climático, minimizam a extensão dos danos ambientais e, por consequência, enfraquecem políticas públicas e reduzem investimentos em ações sustentáveis. 

Nesse ponto, destaco a urgência de os governos atuarem na pacificação social de modo a intervir na crescente polarização política – uma divisão muitas vezes irracional, que traz atrelada a si propostas que em nada contribuem no sentido de encontrar soluções para as questões ambientais. Ademais, a polarização tende a influenciar a opinião pública sobre a importância das mudanças climáticas e das ações necessárias para combatê-las, impactando as eleições e as políticas públicas. Uma grave falta de consenso que certamente enfraquece as ações e iniciativas de preservação.

A essa conjuntura se somam fatores como a priorização  do crescimento econômico imediato, o que, por óbvio, leva a exploração de recursos naturais muitas vezes de maneira irresponsável, se não ilegal. Também o controle da exploração desses recursos está vinculado a outro ponto de tensão na atualidade. Afinal, ninguém ignora o fato de que muitos dos conflitos armados estão relacionados ao controle de recursos naturais, como petróleo, gás e água, o que leva a outra consequência nefasta: o deslocamentos de refugiados, expulsos de suas terras não apenas em razão dos conflitos, mas da impossibilidade de continuarem a viver em locais onde a competição territorial amplia e agrava a escassez de recursos, dando espaço para crises humanitárias. 

Aliás, como dito durante o evento de Coimbra, são justamente essas populações mais carentes as mais afetadas pela degradação ambiental, ampliando-se assim os níveis de instabilidade social, bem como os índices de criminalidade e de violência. Na verdade, os rastros se estendem globalmente, afetando ricos e pobres. Como vimos com mais ênfase quando do início da guerra entre Rússia e Ucrânia, toda uma cadeia global de suprimentos é afetada, impondo mudanças à dinâmica do comércio internacional. Este fato recai sobre a urgência de cumprir ou estabelecer novos acordos climáticos internacionais, uma vez que os impactos não estão mais restritos a esta ou àquela localidade do globo. 

Não podem ficar de fora dessa lista de desafios os litígios climáticos, em que ações legais contra governos e empresas por danos ambientais ou por não cumprimento de metas climáticas estão se tornando mais comuns. Por isso mesmo, ressalto a segurança jurídica como elemento essencial para a implementação e cumprimento de leis ambientais. Não falo apenas regionalmente, mas de sistemas internacionais de justiça que podem arbitrar disputas relacionadas a acordos climáticos e garantir que países e corporações cumpram suas obrigações.

Estes são alguns dos inúmeros desafios a serem superados no caminho não apenas da preservação ambiental – já ultrapassamos essa cancela, infelizmente –, mas sim da recuperação e reabilitação dos biomas afetados. A resolução dos problemas ambientais requer cooperação global, políticas sustentáveis e uma conscientização pública que transcenda divisões políticas e conflitos. 

É claro que existe um lado positivo a ser observado. Nos últimos anos, as metas de preservação ambiental vêm ganhando espaço nos setores produtivos, inclusive com a definição de normas para a produção de relatórios auditáveis que confirmem a real execução dessas medidas – um combate explícito à prática do greenwashing. Tais iniciativas devem ser prioridade também nas agendas governamentais, sobrepujando o mencionado contexto de tensões e conflitos, para que as questões ambientais não sejam relegadas a um segundo plano. 

Ainda que existam obstáculos significativos, este também é um momento em que se abrem oportunidades para novas formas de cooperação e inovação. A necessidade de reduzir emissões de carbono está impulsionando a inovação em tecnologias de energia limpa, bem como infraestruturas resistentes a desastres e sistemas avançados de previsão climática. Como dito pelo ministro Alexandre de Moraes durante o Seminário de Coimbra, “até agora, toda a proteção ao meio ambiente no caminho do desenvolvimento socioeconômico sustentável foi feita a partir do trinômio, ‘prevenir, reprimir e restaurar’”. É o momento de ir muito mais além. 

A governança eficaz, baseada em informações precisas e no fortalecimento das instituições democráticas, é crucial neste momento. A cooperação internacional, a inovação tecnológica e a conscientização pública são os elementos essenciais que se complementam para mitigar as mudanças climáticas de maneira eficiente.  É como disse o ministro do STJ, Mauro Campbell Marques, nosso entrevistado para a matéria de capa desta edição: “(…) a questão climática nos indica um novo olhar para o meio ambiente, agora atrelado a uma visão, sobretudo, mais humanista”.  

Como mencionado durante o Seminário de Coimbra, o Brasil já caminha, pelo menos na esfera legislativa ou de arcabouço legal, no sentido de adaptar o seu ordenamento jurídico a medidas mais concretas para a política nacional sobre a mudança do clima. É nisso que também acredito. Sobretudo quando sabemos que a Presidência do STJ agora se encontra nas boas mãos do ministro Herman Benjamin, que tem atuação destacada no Direito Ambiental. Toda a equipe da Revista Justiça & Cidadania deixa os votos de uma excelente gestão no comando do Tribunal da Cidadania. Temos certeza de que será um período de grandes contribuições para o avanço das soluções à problemática das mudanças do clima.

O tema da sustentabilidade também está presente no artigo do desembargador aposentado José Renato Nalini, que você pode ler nesta edição. 

Na entrevista com o ministro Mauro Campbell, confira os desafios e projetos que ele terá como corregedor nacional de Justiça, cargo que assume em setembro. Trazemos, ainda, reportagem sobre ações voltadas a reduzir a letalidade policial e trazer melhorias no sistema prisional brasileiro, a serem analisadas pelo STF em breve, uma questão também presente no artigo do desembargador do TJSP, Luiz Augusto de Salles Vieira. O presidente do Conselho Federal da OAB, Beto Simonetti, escreve sobre a segurança e valorização de advogados e advogadas. Por sua vez, a promotora de justiça do MPSP, Fabíola Sucasas Covas, aborda os 18 anos da Lei Maria da Penha, e, ainda no viés da violência de gênero, Patrícia Souza Anastácio, conselheira da AASP, fala sobre as lutas das mulheres latinas. 

Boa leitura!