Prefeito Faria Lima: legitimidade pela eficácia

31 de março de 2010

Membro do Conselho Editorial e Presidente da Academia Internacional de Direito e Economia

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Difícil é exercer o poder. Árdua é a arte de bem governar. A luta pelo poder termina sempre numa interrogação: o que fazer com ele?
Imemorialmente, os governantes, por mais arbitrários, egoístas e autocráticos que tenham sido, aprenderam que para manterem o poder — e, às vezes, as suas vidas — deveriam atender a um mínimo de expectativas dos governados; pelo menos simuladamente.
Nas sociedades contemporâneas, democraticamente organizadas, a exigência vai mais longe; a fidelidade dos agentes políticos aos interesses do povo que os escolhe é axiomática. Demanda-se que tanto os legisladores quanto os administradores públicos devam desempenhar seus cargos com mínima eficácia.
A unção que esses representantes políticos recebem nas urnas confere-lhes nada mais que um título e uma presunção de que satisfarão os interesses que lhes foram confiados — é a legitimidade originária. Mas somente pelo exercício eficiente do poder que lhes foi cometido poderão confirmar essas expectativas — será a legitimidade corrente.
O administrador público, em especial, que deve dar respostas concretas, diretas e imediatas às necessidades coletivas que lhe são confiadas, tem ainda maior responsabilidade de ser mais eficaz que o legislador. Esse pode, e até deve, atuar pelo diálogo, pelo consenso; uma construção laboriosa da persuasão no espírito dos colegas e no seu próprio; aquele, ao contrário, tem o dever de agir prontamente, de não hesitar e de não comprometer a menor possibilidade de êxito no dúbio empenho de agradar a todos, pois governar é assumir riscos.
O desempenho do governante não se avalia, assim, pelo que prometeu ou pelo que pretendeu realizar; mas, concretamente, pelos resultados que logrou produzir no cumprimento do mandato político. Em suma: o exercício do poder obedece primacialmente à lógica do resultado e não à da intenção.
Há, não obstante, no Brasil, uma reconhecível tendência a absolver os incompetentes bem intencionados. Os traços de passividade estoica e de generosidade cristã do caráter nacional seriam uma plausível explicação para essa nossa curiosa indulgência. Parece que de tal forma já nos acostumamos à incompetência dos governantes que, não podendo distingui-los mais por sua eficiência, acabamos por nos conformar a perdoá-los por suas boas intenções…
Essa propensão popular brasileira à generosidade conformada e a impressionar-se mais pela retórica da promessa do que pela realidade do resultado enseja os políticos, que têm natural habilidade para captá-la, explorarem-na com surpreendente êxito. São exímios vendedores de ilusões e péssimos administradores. Mestres na arte do acesso ao poder, mas incapazes de exercê-lo. São impressionantes, melífluos e convincentes, sobretudo contraditórios… Mas são recorrentemente perdoados por uma sociedade que se embala com promessas, confunde política com novelas, aprecia um bom ator e, sobretudo, ela própria contraditória…
Nem por isso, todavia, qualquer sociedade perde de vista os seus reais e inarredáveis interesses; ciclicamente, o aguçamento das necessidades que os despertam acorda também a consciência coletiva e, cedo ou tarde, acaba demonstrando sua insatisfação e até indignação pelas mais inesperadas vias.
A súbita e, por vezes, pungente tomada de consciência de que promessas e boas intenções não produzem mais que ilusões e não resolvem os seus problemas devolve o homem comum às raízes disso que lhe é próprio: o senso comum. Busca-se, então, nos momentos históricos, o líder: aquele que simplesmente põe a eficácia acima das promessas e o resultado acima das intenções.
E aqui chegamos ao Prefeito Faria Lima; um exemplo de governante que se legitimou pelo resultado, talvez um dos mais interessantes fenômenos políticos produzidos nas episódicas experiências de democracia vividas neste país. Mas não é de sua personalidade ou de sua trajetória que se vem tratar, e sim das razões de seu êxito como administrador público, pois Faria Lima demonstrou, na Prefeitura da maior e mais problemática cidade do Brasil, que não existe “ingovernabilidade” para um governante eficiente.
Para tanto, conciliou técnica e arte de governar.
Sua técnica se arrimou na percuciente constatação das contradições da sociedade brasileira; primeiro: individualmente não somos rigorosos com nosso próprio desempenho ético, mas contraditoriamente exigimos moralidade dos governantes; segundo: desaprovamos o arbítrio e o abuso do poder, no entanto temos apego à reverência à autoridade; terceiro: não nos importamos muito quanto à qualidade das decisões administrativas, mas com certeza repudiamos o governante hesitante, tímido e procrastinador.
Sua arte de governar, que se conjuga com a técnica e com ela se completa, consistiu em superar essas contradições pelo desempenho eficaz do poder, respondendo adequadamente às expectativas por elas geradas.
À exigência ética da sociedade, Faria Lima respondeu com a moralidade administrativa e inflexível combate à corrupção.
À exigência de autoridade, Faria Lima respondeu com a legalidade administrativa e irredutível observância da ordem jurídica.
À exigência de decisão para os problemas, Faria Lima respondeu com oportunidade administrativa e prontidão de suas medidas.
Essa lição de Faria Lima só pode resultar na retomada de consciência popular de que não só é necessário como é possível bem governar São Paulo. O importante, enfim, e isso até bastaria, é que Faria Lima, ao ensinar que se pode bem governar, devolve algo extremamente caro e necessário a este país: a esperança.
No momento do seu centenário de nascimento, há, portanto, razões de sobra para reverenciarmos entusiasticamente a sua memória.