Edição

Por um futuro mais seguro

10 de dezembro de 2019

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2o Seminário Jurídico de Seguros reuniu no auditório do STJ magistrados, seguradoras e especialistas interessados em discutir os desafios e o futuro do setor 

Do início da década passada até 2018, a participação do setor de Seguros no Produto Interno Bruto (PIB) saltou de 2% para 6,5%. Hoje, as seguradoras brasileiras respondem por 2% dos prêmios globais e a perspectiva é de que o Brasil passe a figurar na lista dos dez maiores mercados de seguros já no ano que vem. Mesmo assim, ainda há grandes oportunidades de crescimento para o mercado de seguros no País.

Parte do desafio passa por aprimorar as relações com os consumidores e reduzir a litigiosidade do setor. Nesse sentido, como parte do projeto Conversa com o Judiciário, o Instituto Justiça & Cidadania realizou em novembro, no auditório do STJ, em Brasília (DF), o II Seminário Jurídico de Seguros. 

O evento teve apoio do Superior Tribunal de Justiça, da Confederação Nacional das Seguradoras (CNSeg), da Escola Nacional da Magistratura (ENM) e da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam). A coordenação científica ficou a cargo do Ministro Paulo Dias de Moura Ribeiro, presidente da 3a Turma (Direito Privado) do STJ, que incluiu na programação temas ainda não totalmente pacificados na jurisprudência da Corte.

Foi uma oportunidade para que magistrados, dirigentes de seguradoras, economistas e outros especialistas pudessem discutir, de forma franca, temas como a judicialização relacionada aos planos de saúde, ao excludente de cobertura por embriaguez, aos índices de reajuste da previdência complementar e à questão da prescrição dos contratos de seguros.

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“Objetivo é reduzir assimetrias entre o Poder Judiciário e o setor”
Duas perguntas para o presidente da CNSeg, Márcio Coriolano

Márcio Coriolano, presidente da CNseg

Quais são as razões que levam o setor a dialogar com o Judiciário?
Em primeiro lugar quero dizer que a Confederação das Seguradoras se sente muito honrada por ter sido convidada a participar do 2o Seminário Jurídico dos Seguros. É um tema de enorme sensibilidade, por ter a virtude de proteger famílias, pessoas, empresas e atividades econômicas. Ao mesmo tempo, sabemos que isso tem um custo, que implica educação para que as pessoas possam ter acesso ao que lhes permita fazer a melhor escolha. Afora essas questões próprias da atividade, que merecem sempre ser debatidas, alguns outros aspectos judiciais são muitíssimo importantes. Até porque criou-se uma judicialização de algumas dimensões do seguro, relacionadas com as expectativas da população, que muitas vezes não conhecem os limites e possibilidades que os seguros têm em suas coberturas como, por exemplo, a questão do rol de procedimentos de saúde. Como os planos e seguros de saúde são muito valorizados pelos brasileiros, essa é uma questão de grande importância para todos. Assim como também a questão da embriaguez na condução de veículos, dentre outros temas. Em resumo, o objetivo do Seminário é a redução de assimetrias de informações entre o Poder Judiciário e o setor de seguros.  

São boas as perspectivas para o mercado de seguros no ano que vem?
Sim. É imensa a responsabilidade que doravante pesará mais ainda sobre o setor à medida em que os poderes Executivo e Legislativo têm como meta principal, exatamente, desonerar o Estado daquilo que entendem que a iniciativa privada pode fazer melhor. No mundo todo é assim. O Brasil de certa maneira está atrasado, na medida em que o governo é o principal segurador do País. Basta ver o SUS e o INSS. Acho que 2020 prenuncia um período de muito debate e responsabilidade, uma vez que o setor vai continuar sendo chamado a participar desse grande elenco de reformas que o Brasil atravessa.

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Curto prazo x futuro – “Para que possa ser viável e ter preço atrativo, o seguro depende de regras claras, definidas pelo legislador ou pelo Poder Judiciário. A definição de regras e a interpretação da lei, com a fixação de pautas de comportamento a observar nas relações jurídicas, são de fundamental importância para o desenvolvimento do setor, que muito emprega, muito contribui tributariamente e constitui um vetor de desenvolvimento do País”, comentou o presidente do STJ, Ministro João Otávio de Noronha, que compôs a mesa de abertura com o corregedor nacional de Justiça, Ministro Humberto Martins; o diretor da Enfam, Ministro Herman Benjamin; o presidente da CNSeg, Márcio Coriolano; e o presidente do Instituto J&C, Tiago Salles.

O presidente da CNSeg apontou como fatores responsáveis pela ainda “baixa penetração” dos seguros no Brasil o fato de sermos uma nação jovem e de rendas médias (67% da população ganha até um salário mínimo), na qual décadas de ciclos inflacionários crônicos fizeram com que a atenção do Estado e da sociedade estivessem focados na preservação do poder de compra e da estabilidade da moeda. “O curto prazo prevaleceu sobre o futuro”, comentou Coriolano, ressaltando que a participação dos seguros no PIB – que é de 4% quando desconsiderado o seguro saúde – está ainda muito distante de países desenvolvidos e de outros em desenvolvimento.

Ainda assim, Márcio Coriolano se diz otimista com a pujança do setor, que destina anualmente R$ 260 bilhões ao pagamento de indenizações, rendas, pecúlios e outros benefícios. A poupança constituída pelas seguradoras, segundo ele, soma R$ 1,3 trilhão, valores que não pertencem às seguradoras: “O setor não é rico, provisiona obrigatoriamente aquilo que prometeu a cada um que lançou mão dos seguros para um dia ter certeza da sua garantia”.

“Não existe almoço grátis” – O primeiro painel apresentou diferentes visões sobre o controle judicial dos atos administrativos da Agência Nacional de Saúde (ANS). Moderado pelo Ministro do STJ Luis Felipe Salomão, a mesa contou com a participação do diretor de Normas e Habilitação de Produtos da ANS, Rogério Scarabel Barbosa; da Juíza do Tribunal Regional Federal da 4a Região (TRF4) Ana Carolina Morozowski, integrante do Comitê de Saúde do Conselho Nacional de Justiça (CNJ); do presidente da Unimed Seguros e diretor da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), que representa 15 grupos de operadoras de planos privados, Helton Freitas; da economista do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) Luciana Yeung; e do médico do Hospital Israelita Albert Einstein, Mario Ferretti. 

Uma das principais discussões foi sobre a taxatividade, ou não, do rol mínimo previsto pela ANS para a cobertura dos planos de saúde. “Quando exemplificativo, o rol não leva em conta o mutualismo inerente aos contratos de seguro. Se a seguradora deve fornecer aquilo que não está previsto, vai gerar sérios desequilíbrios na relação contratual. Provavelmente, as pessoas que estão entrando no plano de saúde vão arcar com os custos excessivos gerados pela ideia de que o rol não é taxativo. Não existe almoço grátis. A análise econômica do Direito está aí para demonstrar que o dinheiro é finito. Se dermos a mais para um, vamos ter que tirar ou cobrar a mais de outro”, explicou a Juíza Federal Ana Carolina Morozowski. Ela ressaltou, contudo, que a taxatividade não se aplica às pessoas internadas ou em tratamento contra o câncer, sendo vedado apenas o uso de drogas e tratamentos experimentais.

Helton Freitas concordou com a necessidade de considerar taxativo o rol da ANS, pois a leitura em contrário, com a ampliação irrestrita de direitos e garantias, penaliza os usuários dos planos de saúde ao invés de beneficiá-los. “A judicialização condena o mútuo a pagar por um direito não estabelecido em contrato” e “o aumento dos custos afasta dos planos principalmente os mais jovens”, avaliou. O diretor da FenaSaúde também listou entre as consequências da judicialização excessiva o enfraquecimento do marco regulatório, a criação de insegurança jurídica e o aumento dos riscos à sustentabilidade do setor.

Segundo Freitas, as operadoras se organizam para enfrentar a judicialização com o aprimoramento dos canais de atendimento, a adesão aos mecanismos de mediação e com o suporte à criação dos Núcleos de Apoio Técnico (NATs) à magistratura, considerados fundamentais para que os juízes possam tomar decisões baseadas em evidências médicas confiáveis.

Já Rogério Barbosa acrescentou, entre as metas do setor, a necessidade de aperfeiçoar as regras de acesso e transferência de carteiras entre planos privados de saúde. “Em razão do envelhecimento populacional, da incorporação tecnológica e da forte utilização da saúde suplementar, talvez o modelo que nos trouxe até hoje não seja suficiente para nos levar muito mais à frente. (…) Passados todos esses anos de regulação, será que a rede atende aos beneficiários? Será que faz sentido a rede ser comercializada como é hoje?”, questionou. 

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“É importante ouvir os técnicos”
Duas perguntas para o coordenador científico do Seminário, Ministro do STJ Paulo Dias de Moura Ribeiro

Paulo Dias de Moura Ribeiro, ministro do STJ

Por que era preciso realizar esse Seminário?
O seguro no seu mais amplo aspecto – seguro de vida, seguro de responsabilidade civil, seguro de saúde, etc. – é um tema que vem preocupando bastante o Superior Tribunal de Justiça. Tema que leva muitas pessoas a bater à porta do Tribunal da Cidadania para procurar seus melhores interesses e direitos. É de altíssima importância a abertura de um Seminário desse porte, para que possamos tratar exatamente dessas questões tão sensíveis à população.

Qual é o principal ganho para o Judiciário?
É importante ouvir os técnicos. Não temos a mesma sensibilidade deles. Isso é que é a grande valia desse Seminário.

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Se beber, não dirija – Outro painel, moderado pelo Ministro do STJ Raul Araújo Filho, tratou de “Responsabilidade Civil e o Excludente por Embriaguez”. O debate contou com a participação do Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) Ney Wiedemann Neto; do presidente do Observatório Nacional de Trânsito, José Aurélio Ramalho; do diretor da Sociedade de Medicina do Seguro, Roberto Albuquerque; da advogada e professora universitária Angelica Carlini, e do presidente da Porto Seguro e vice-presidente da CNSeg, Roberto Santos.

Durante sua exposição, o Desembargador Wiedemann Neto falou sobre a evolução da jurisprudência a respeito dos acidentes envolvendo motoristas embriagados. “Se antes a seguradora precisava provar que o segurado estava alcoolizado e provar o nexo causal, ou seja, que essa foi a causa do sinistro, agora esse nexo é presumido”, comentou.

Para Angelica Carlini, a embriaguez não deve ser risco coberto pelos contratos de seguro de responsabilidade civil na medida em que o segurado sabe, de antemão, sobre o risco que assume ao dirigir sob o efeito do álcool. “A lei adota tolerância zero na condução de veículos automotores para quem ingerir álcool. (…) É uma lei severa, mas que a sociedade brasileira adotou por meio de seus representantes. Os contratos de seguro não podem oferecer proteção a esse risco”, finalizou.  

José Aurélio Ramalho apresentou dados sobre os acidentes de trânsito envolvendo motoristas embriagados, que custam, se­gundo ele, mais de R$ 50 bilhões por ano ao País. Já Roberto Albuquerque falou sobre o impacto do consumo do álcool no organismo humano: “No Brasil, quase 7% dos óbitos ocorridos em 2016 tiveram relação com o consumo nocivo de álcool, dos quais 8,15% foram decorrentes de acidentes de trânsito”, registrou.

Encerrando o painel, Roberto Santos simulou o custo do seguro de automóveis caso fosse legal a cobertura para risco de embriaguez. De acordo com ele, o valor médio da apólice, hoje na casa de R$ 2,5 mil, saltaria para R$ 7 mil. “Estamos falando de mutualismo, que é um princípio básico do seguro: todos pagam a conta”, concluiu.

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“Que a regulação seja aplicada tal qual a intenção do legislador”
Duas perguntas para o presidente do STJ, Ministro João Otávio de Noronha

Ministro João Otávio de Noronha, presidente do STJ

O que o STJ e seus ministros ganham com a realização desse evento? Ajuda a reduzir a litigiosidade relacionada aos seguros?
Ganha a comunidade, os jurisdicionados, todos os envolvidos nesse processo tão importante que é o dos seguros. Estamos debatendo, aperfeiçoando conhecimento, para que a regulação dos seguros seja aplicada tal qual foi a intenção do legislador, de modo que se estabeleça um ambiente de segurança nas relações negociais. Se não ajudar a reduzir (a litigiosidade), embora eu ache que sim, ajuda a estabelecer normas confiáveis na relação dos seguros.

Causou preocupação ao Judiciário a extinção abrupta do DPVAT?
Causou em todos nós. Primeiro por ter sido por medida provisória, segundo porque saiu de inopino. Está nas mãos do Congresso, que deve buscar uma solução, deve negociar com o Executivo. Isso deve ser resolvido com muita prudência, com uma boa discussão no Legislativo. Quando penso em DPVAT não penso nas seguradoras, penso nos jurisdicionados. O número de pessoas que são beneficiadas é grande. Essa é a minha preocupação.

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Liberdade econômica – O índice de reajuste da previdência complementar foi o tema do terceiro painel, moderado pelo Ministro do STJ Ricardo Villas Bôas Cueva. Partici­param como palestrantes o Ministro Moura Ribeiro, coordenador científico do Seminário; o procurador-chefe da Superintendência de Seguros Privados (Susep), Igor Lins; o presidente da Comissão de Investimentos da Federação Nacional de Previdência Privada e Vida (FenaPrevi), Marcelo Otávio Wagner; e o economista e ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega.

Coube a Moura Ribeiro introduzir o tema, o que fez com a apresentação dos precedentes do STJ sobre o assunto. De acordo com o magistrado, apenas no primeiro semestre desse ano tramitaram no STJ mais de 10 mil processos relacionados a seguros, planos de saúde e previdência complementar. Julgados cujos temas “continuam a desafiar o STJ”, como, por exemplo, o índice utilizado para determinar os reajustes ou a vinculação aos aumentos do salário mínimo.

Marcelo Otávio Wagner trouxe o olhar dos operadores do mercado sobre o índice de correção. Para que os planos sejam viáveis, segundo ele, é preciso haver equilíbrio entre os princípios atuarial (expectativa de vida/ sobrevida do indivíduo), financeiro (taxas de juros, ou o valor do dinheiro no tempo) e econômico (as demais condições do contrato, seu custeio e/ou liquidez). Sobre a indexação de contratos para preservar poder de compra, comentou que se torna um problema em contextos de estagnação econômica ou deflação. 

No mesmo sentido, Igor Lins comentou que as decisões judiciais que impõem índices de correção a contratos vigentes podem gerar, além de insegurança jurídica, a insolvabilidade de várias entidades seguradoras, podendo “repercutir em outros produtos ou pessoas”. 

Por fim, o economista e ex-ministro Maílson da Nóbrega frisou que as entidades de previdência, regidas pelo Direito Privado, não podem assumir compromissos típicos do setor público. “O Judiciário pode impor ao setor público o reajuste de um contrato, porque o setor público tem a possibilidade de tributar. Porém, para uma organização que é prestadora de serviços, uma interferência no contrato significa perdas e ganhos para diferentes partes. Ou seja, é uma intromissão do Judiciário em um contrato privado”, advertiu. 

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“Cipoal de normas infralegais”
Duas perguntas para o Ministro do STJ Ricardo Villas Bôas Cueva, Moderador no painel sobre previdência complementar

Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, do STJ

A discussão franca entre mercado e Judiciário pode ajudar a reduzir a judicialização no mercado de seguros?
Essa discussão é fundamental, pois permite que todos os atores envolvidos coloquem seus pontos de vista e argumentos. Isso fomenta a estabilidade e a segurança jurídica, que são vitais para que esse mercado venha a ter uma participação ainda maior na economia brasileira, como um grande polo de atração de recursos, que poderão ser canalizados para investimentos produtivos.

Quais pontos ainda estão em discussão sobre previdência complementar?
É uma discussão muito complexa, porque envolve décadas nas quais houve inúmeras moedas, inúmeros critérios de reajuste e correção monetária e também um verdadeiro cipoal de normas infralegais dos entes supervisores e reguladores do sistema. O que gerou expectativas que nem sempre foram atingidas da parte dos beneficiários, dos assistidos pelas entidades de previdência complementar. É natural, portanto, que tenha havido a judicialização disso. Não se pode falar objetivamente, com tantas mudanças, que tenha ocorrido instabilidade ou insegurança jurídica. Hoje, ao apreciar retrospectivamente essa matéria e essa mudança ao longo do cenário normativo, naturalmente é difícil avaliar qual o impacto concreto que as mudanças tiveram em cada situação, em cada período de vigência dos contratos. Por isso, a importância desse debate é particularmente grande, na medida em que os participantes alertaram para os riscos de não observarmos os períodos de vigência dos contratos e, com isso, criarmos tratamentos díspares e riscos indevidos para o equilíbrio econômico-financeiro das entidades de previdência complementar.

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Contagem de tempo – O quarto e último painel foi sobre a prescrição dos contratos de seguros, moderado pelo Ministro do STJ Antônio Carlos Ferreira. Participaram como palestrantes o Ministro do STJ Paulo de Tarso Sanseverino, o presidente da Comissão de Assuntos Jurídicos da CNSeg e diretor jurídico da Zurich Brasil Seguros, Washington Luis da Silva, o presidente da Chubb Seguros Brasil, Antonio Eduardo Trindade, o atuário Paulo Ferreira e o advogado André Tavares. 

O Ministro Paulo de Tarso Sanseverino contextualizou a discussão informando que há dúvidas sobre a prescrição dos seguros em duas vertentes, no tempo para a prescrição e no início da contagem de tempo. “O legislador do Código Civil de 2002 teve preocupação com as regras de prescrição, reduziu os prazos do código de 1916 e fixou em prazo ânuo”, observou o magistrado, que completou: “A jurisprudência do STJ tem procurado seguir a regra do Código Civil de prescrição ânua, mas ao mesmo tempo, sensível às peculiaridades de algumas modalidades do contrato de seguros, especialmente ligadas ao seguro habitacional, tem flexibilizado o termo inicial desse contrato, buscando exatamente uma compatibilização dos princípios da segurança jurídica, isonomia e justiça”.   

“Causa estranheza quando regras tão claras são discutidas. A regra ânua é de uma clareza solar, não permite interpretações. O que se discute, e às vezes se discute mal, é quando se inicia o prazo prescricional. Sempre defendi que só pode ser inaugurado no momento em que conheço o assunto e minha pretensão. Para o segurado é simples: no momento em que toma conhecimento do sinistro, inicia o prazo prescricional. (…) Quando se trata de seguro simples de automóvel, não há como o segurado deixar de saber que bateu com o carro. (…) Mas quando falamos de invalidez e questões de seguro de vida, a incapacidade não é presumida, precisa de determinação médica que diga ‘nesse momento você está inválido’. Qualquer outra coisa é discussão que não cabe”, explicou Washington da Silva.

“Previsibilidade é fundamental para que as seguradoras possam, de maneira organizada, estipular o quanto querem assumir riscos e a que preço. É fundamental que seja mantido o prazo anual de prescrição, pelo menos na sua maior parte, afora uma ou outra colocação feita pelo Ministro Sanseverino, porque ele dá previsibilidade às seguradoras”, comentou por fim Antonio Eduardo Trindade, do alto dos seus 40 anos de experiência no mercado de seguros.

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“Uma série de questões prejudica o bom desempenho das operadoras e do SUS”
Duas perguntas para a Juíza Federal Ana Carolina Morozowski, palestrante no painel que discutiu os seguros de saúde

Juíza Federal Ana Carolina Morozowski

Por que é necessário discutir o controle judicial da ANS?
Em matéria de judicialização da saúde, o diálogo é fundamental para que possamos resolver uma série de questões que estão prejudicando o bom desempenho das operadoras e do SUS. Para que todo esse sistema seja aprimorado, nós do Judiciário temos que entender o que se passa na ANS e a Agência tem que entender o que se passa no Judiciário. Em minha contribuição, falei sobre a taxatividade ou não do rol de eventos e procedimentos da ANS. Esse rol é elaborado a cada dois anos e lista tudo o que obrigatoriamente deve ser coberto pelas operadoras de planos de saúde. Existe uma discussão no Judiciário se esse rol seria taxativo ou apenas exemplificativo. Hoje em dia, a tendência da jurisprudência é considerar que o rol seria exemplificativo, o que faz com que as operadoras tenham que arcar com várias coisas que não estão listadas. Isso gera desequilíbrio no contrato de seguro.

Precisa mudar a legislação ou a jurisprudência?
As duas mudanças são necessárias. Deve haver uma mudança na regulação, para que ela seja mais clara, pois hoje é confusa mesmo. A jurisprudência também tem que começar a atentar para o custo altíssimo das novas drogas, que vão acabar impactando qualquer sistema de saúde, seja público ou privado.

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“Não pode o Judiciário ser a fonte do desequilíbrio”
Duas perguntas para o ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega 

Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda

O que é preciso fazer para estimular o mercado da previdência complementar?
Em primeiro lugar reforçar o princípio da segurança jurídica, do respeito aos contratos e ao direito de propriedade, garantidos por um Judiciário independente. Não pode ser o Poder Judiciário a fonte do desequilíbrio. As entidades de previdência privada têm um papel fundamental a exercer no financiamento do investimento no Brasil. Nas atividades econômicas como um todo, as entidades de previdência privada aberta já têm um patrimônio equivalente a mais de um quarto do PIB brasileiro, então elas precisam ser preservadas. A decisão de impor um indexador que não está nos contratos pode gerar a quebra de entidades menos capitalizadas ou que não têm capacidade de absorver perdas derivadas de uma decisão como esta.

O diálogo entre mercado e Judiciário ajuda nesse sentido?
É fundamental que os ministros tenham aces­so a informações que permitam a eles tomar decisões mais adequadas às circunstâncias. Porque o ministro ou colegiado, ao decidir, objetiva o bem comum. É preciso que as entidades, associações e o público como um todo supram esses ministros de informação confiável, digna de fé, para que eles não errem. O objetivo deles é acertar, mas podem errar se não tiverem acesso às informações mais relevantes para basear suas decisões.

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Fim do DPVAT na berlinda
Extinção do seguro obrigatório por medida provisória editada alguns dias antes do Seminário foi um dos temas mais comentados nos painéis e palestras. 

Gerou surpresa a edição da Medida Provisória no 904, de 11 de novembro de 2019, que extinguiu o seguro obrigatório de Danos Pessoais causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres (DPVAT), o qual possui garantia para indenização por morte, invalidez total ou parcial e reembolso de despesas médicas. Maior seguro social privado do País, formado exclusivamente pela contribuição dos proprietários de veículos e sem qualquer fonte de receita pública, o DPVAT garante a reparação dos danos sofridos por qualquer vítima do trânsito, sem distinção, e independentemente do exame de culpa do causador do acidente. Confira alguns dos comentários: 

Ministro João Otávio de Noronha – “Longe de extinguir o DPVAT, o momento é de aperfeiçoá-lo. Se temos corrupções no sistema, vamos combatê-las, vamos corrigir os erros, mas não vamos deixar sem proteção os cidadãos. A quantidade de demandas para o recebimento desse seguro mostrava bem a sua importância”.

Ministro Raul Araújo Filho

“A garantia da responsabilidade civil não visa apenas proteger os interesses econômicos do segurado, relacionados ao seu patrimônio, mas envolve também preservar os interesses dos terceiros prejudicados. Esse ponto é essencial nesse momento em que se tem uma medida provisória, posta à apreciação do Congresso Nacional, praticamente extinguindo o seguro obrigatório DPVAT. O que mostra um entendimento em outra direção, diferente desta para a qual está evoluindo a responsabilidade dos seguros, na qual há uma preocupação muito forte com os terceiros”.  

Professora Angelica Carlini

“Não há obstáculo legal no Brasil para a coexistência entre o seguro obrigatório e o seguro facultativo. E há certeza de que nós podemos, não enquanto setor de seguros, mas enquanto sociedade, aprimorar o seguro obrigatório para diminuir a prática de fraudes, aumentar os valores das indenizações e, principalmente, enviar recursos ao SUS. Muitos aqui devem estar chocados de eu defender um seguro obrigatório, mas esse é um seguro de característica social, que constitui um mínimo de proteção para as vítimas dos milhões de acidentes de trânsito que ocorrem nesse País, que precisa ser rediscutido e aprimorado”.