Por que um colégio de ouvidorias das mulheres?

12 de março de 2024

Kamile Moreira Castro Advogada / Vice-Presidente do Colégio de Ouvidorias Judiciais da Mulher (COJUM)

Tânia Regina Reckziegel Desembargadora do Tribunal Regional do Trabalho da 4a Região (TRT-4) / Presidente do Colégio de Ouvidorias Judiciais da Mulher (COJUM)

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Ouvir pessoas é escutar o mundo. Torna-se evidente a importância da exposição de visões distintas sobre o mesmo ponto, para ser encarada globalmente e resolvida em todos os níveis denotados. Não se trata de opiniões diferentes, mas de mostrar vieses diversificados de abordagem que se completem, restem suplementados. Ao extenso dos anos, pari-passu, as mulheres conquistam avanços significativos em diversas áreas, desafiando estereótipos de gênero e mostrando habilidades em profissões. Persistem, contudo, desafios relacionados à ocupação de posições historicamente associadas aos homens.

É importante notar que essas razões estão embutidas em elaborações sociais e culturais, e não refletem a capacidade, habilidades ou valor intrínseco de ambos. Nas últimas décadas, registaram-se avanços significativos na promoção da igualdade de gênero, mas os desafios persistem em muitos lugares. Mudanças culturais e sociais contínuas são necessárias para superar essas barreiras históricas e criar sociedades igualitárias. No Brasil – é consabido – implementaram-se diversas leis para promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras discriminações. Há leis, mas, como é no dia a dia? 

É importante reconhecer que a mudança cultural leva tempo e requer esforços contínuos de setores sociais. O envolvimento de homens e mulheres, bem como a colaboração entre governos, organizações não governamentais e setor privado, são fundamentais para alcançar transformação significativa e duradoura.

A inclusão em setores tradicionalmente masculinos não beneficia apenas a elas, mas enriquece as organizações e a sociedade. Estudos demonstram que a diversidade de gênero contribui para criatividade, inovação e eficiência. A participação equitativa de ambos traz perspectivas distintas, promovendo um ambiente mais dinâmico e produtivo. As ouvidorias da mulher desempenham papel crucial na promoção desses direitos e na melhoria das condições de vida feminina. 

Em 2018, foi fundado o Colégio de Coordenadores da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do Poder Judiciário Brasileiro (COCEVID). Exatamente depois do encontro, em 15 de fevereiro de 2023, ocorreu a primeira reunião das “Ouvidorias Judiciais das Mulheres” e onde, de seguida, foi fundado o “Colégio de Ouvidorias Judiciais das Mulheres”, o COJUM, que se reúne todo ano. É quando se compartilham experiências, se discutem desafios e se traçam estratégias para aprimorar a atuação das ouvidorias judiciais das mulheres em todo o País. 

O  Colégio agrega ouvidorias das instâncias judiciárias para discutir pontos fundamentais relacionados aos direitos femininos, à escuta dos problemas e ao acesso à justiça. É uma iniciativa inovadora que visa contribuir, não só, para materializar direitos, como também a participação da mulher no sistema judicial. Não se limita à localização geográfica, mas, também, se estende aos variados ramos judiciais, como o Militar, Trabalho, Eleitoral, Estadual e Federal.

As ouvidorias são meios essenciais para garantir a transparência, a responsabilização e a efetividade das políticas públicas relacionadas aos direitos das mulheres; e, nesse ponto, realizar o acompanhamento e controle, da formulação até a implementação, para garantir a qualidade na prestação de serviços públicos, a materialização de direitos sociais e a lisura da ação estatal no atendimento aos interesses sociais. As ouvidorias têm papel fundamental na promoção da transparência, accountability e na garantia do acesso à justiça no Brasil. São responsáveis por acolher denúncias, reclamações, elogios e sugestões, monitorar o desempenho dos órgãos do sistema judicial e propor soluções.

No caso dessas ouvidorias judiciais, a importância das ditas instâncias é ainda maior, dada a particularidade das questões de gênero e da violência contra essa população historicamente vulnerável e discriminada. Respondem, especialmente, por abrigar e tratar denúncias de violência de gênero, assédio sexual, discriminação no ambiente de trabalho e tantas outras violações. Têm um papel importante na promoção da igualdade e na sensibilização dos profissionais do sistema judicial para as desigualdades de gênero.

Outro ponto é que tais ouvidorias têm como objetivo não apenas lidar com casos específicos de violência, mas também promover mudanças estruturais e institucionais no sistema judicial para torná-lo mais igualitário e sensível aos aspectos de gênero. Inclui protocolos de atendimento às vítimas de violência, capacitação dos profissionais do sistema judicial em relação ao gênero, promoção da igualdade de gênero nos tribunais e articulação com instituições e organizações da sociedade civil na promoção dos direitos feminis.

A coordenação dessas diversas ouvidorias judiciais é de extrema importância para fortalecimento dessas instâncias e efetivação dos direitos. É fundamental para garantir as ouvidorias atuarem eficiente, articulada e integradamente.

Uma coordenação efetiva garante uniformização de procedimentos e práticas, troca de informações, identificação de demandas específicas, criação de protocolos comuns, capacitação e formação dos profissionais envolvidos e definição de prioridades para ações das ouvidorias. Ademais, tal coordenação enseja que as ouvidorias identifiquem e compartilhem as melhores práticas, experiências de sucesso e desafios, de modo a aprimorar a atuação dessas instâncias. Por exemplo, as ouvidorias judiciais no ramo trabalhista enfrentam desafios diferentes da militar, e a coordenação entre elas permite a identificação desses desafios e a definição de estratégias específicas para enfrentá-los.

Outro aspecto relevante da coordenação é a possibilidade de uma agenda comum, levando em conta as particularidades e demandas específicas das regiões do País e as relacionadas com as de cada instância judiciária. Essa agenda incluiria definir prioridades para o enfrentamento da violência comentada, promover igualdade de gênero no sistema judicial, articular com outras instâncias governamentais e da sociedade civil, promover a participação das mulheres no sistema judicial e identificar possíveis lacunas na legislação e políticas públicas para proteger seus direitos.

A coordenação ainda contribui para uma rede de solidariedade e apoio mútuo entre essas instâncias, capaz de assentir numa visão integrada e ampla sobre as questões de gênero no sistema judicial. Isso concorrerá para a identificação de lacunas na legislação e nas políticas públicas, bem como para o desenvolvimento de ações articuladas e efetivas. Assim, essa rede conformará um espaço para o fortalecimento das ouvidorias, além de ser um canal importante para estabelecer parcerias e alianças estratégicas.

Foram aspectos essenciais para a criação do COJUM, e continuam sendo, para um desempenho eficiente e eficaz em sua missão: Importa, além da necessidade de as pessoas confiarem nas ouvidorias, que elas sejam reconhecidas como instâncias importantes dos tribunais. Significa que devem ter autonomia e autoridade para receber, encaminhar, denunciar e monitorar os casos de sua competência. Ademais, as ouvidorias devem ter recursos financeiros e humanos adequados para cumprir sua missão.

Adicionalmente, precisam contar com espaço físico adequado e pessoal qualificado. É importante que tenham estrutura física e tecnológica ajustada para o recebimento e tratamento das demandas, bem como pessoal capacitado e comprometido com a causa dos direitos femininos. Crucial também é a necessidade de viabilizar a uniformização ou solução para a integração sistêmica nacional. Significa que as ouvidorias judiciais do Brasil devem trabalhar integrada e coordenadamente para promover a efetividade das políticas públicas relacionadas aos direitos das mulheres.

Para isso, é necessário definir, por metodologia de planejamento estratégico, missão, visão e valores de futuro comuns, bem como objetivos, ações e metas unificados nacionalmente. É fundamental que as ouvidorias sejam dirigidas por uma estrutura forte e unida, que se reúna regularmente para discutir estratégias e ações, e realize eventos nacionais com preparação por meio de reuniões das ouvidorias setoriais. Com essas medidas, fica-se em segurança para avançar na promoção dos direitos das mulheres no País. O momento é de união e paz. Juntos, se avançará na promoção dos direitos  e consolidação de uma sociedade livre, justa e igualitária.

Temos uma democracia jovem, mas que enfrenta desafios significativos em sua história. A democracia é o sistema de governo no qual o poder emana do povo, e as instituições democráticas são projetadas para representar e servir os interesses da sociedade. Para a democracia funcionar adequadamente, porém, é essencial que haja harmonia e equilíbrio entre os Poderes. Cada poder tem funções específicas, mas devem trabalhar juntos para a garantia do funcionamento do sistema de freios e contrapesos, como previsto. 

A harmonia dos poderes é vital para evitar abusos de poder, assegurar a justiça e a igualdade perante a lei e proteger as liberdades. Quando os poderes estão em equilíbrio, a governação e a governança são mais responsáveis e eficazes na promoção do bem-estar. Harmonia entre os poderes não significa, entretanto, subserviência de nenhum deles. Cada poder é independente e autônomo, agindo consoante a Constituição. A independência do Judiciário, por exemplo, é fundamental para garantir a aplicação da lei, justa e imparcialmente.

A sociedade civil desempenha papel vital na defesa democrática. Engajamento cívico, participação ativa e vigilância dos cidadãos constituem elementos-chave para garantir os poderes públicos atuarem em benefício dos brasileiros. A democracia não é apenas sobre votar em eleições, mas também manter um diálogo constante com os representantes, cobrar responsabilidade e transparência, defendendo direitos. Espera-se que estas palavras inspirem reflexões sobre como se vai contribuir para um futuro inclusivo e igualitário. A legislação brasileira serve como guia, mas é papel de todos, como sociedade, continuar a promover a igualdade de oportunidades e eliminar barreiras de gênero.

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