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Perspectivas para os setores de energia, óleo, gás, marítimo e portuário

3 de maio de 2024

Da Redação

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Nova edição do programa Conversa com o Judiciário, promovido pela Revista JC, aprofundou as discussões sobre os temas mais relevantes para os setores de energia, óleo, gás, marítimo e portuário. Realizado no Rio de Janeiro, em abril, o debate contou com a participação de Ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ), como Mauro Campbell Marques (também Diretor-Geral da Enfam), Gurgel de Faria, Marco Buzzi e Raul Araújo, e outros especialistas na área.

O seminário foi realizado em parceria com a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), a Associação de Magistrados do Estado do Rio de Janeiro (Amaerj) e a Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (Emerj).

Dentre os presentes na abertura, estavam: os Ministros do STJ Marco Buzzi e Gurgel de Faria; o Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), José Carlos Maldonado de Carvalho; o Juiz de Direito Frederico Messias, que coordena o Núcleo de Justiça 4.0 de Direito Marítimo do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP); e também o Presidente da OAB do Rio de Janeiro, Luciano Bandeira.

“Temos um Brasil com costas de continente, temos grandes empreendedores atuando cada vez mais forte nesse setor”, afirmou Buzzi na abertura do seminário. O Ministro comentou sobre a experiência em Itajaí e Navegantes, onde há construção de barcos de vários tamanhos e proporções com tecnologia “absolutamente 100% nossa”.

Reforma Tributária – O primeiro painel do seminário tratou da Reforma Tributária e foi presidido pelo Ministro do STJ Gurgel de Faria, para quem a reforma traz esperança de destravar e racionalizar a tributação, especialmente sobre o consumo. A mediação ficou a cargo do tributarista Marcus Lívio, Professor associado de Direito Tributário da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, para quem a reforma é desafiadora. 

“Há expectativa de eliminação de 11% de carga tributária residual com a Reforma. Os estudos econômicos demonstram que o PIB vai crescer 4%, mas para isso teremos que enfrentar a regulamentação
e os desafios são grandes, porque não existe um regime regulatório e tributário harmonioso entre upstream e downstream e isso é um problema”, alertou o especialista. 

Dentre as preocupações sobre o impacto da reforma no setor de óleo e gás e nos setores marítimo e portuário, Marcus Lívio apontou a mudança de regimes regulatórios sem a preservação de benefícios ou direitos adquiridos. 

Mais processos – Outra preocupação esbarra na litigiosidade tributária. O Desembargador do Tribunal Regional Federal da 2o Região Marcus Abraham apontou que 40% dos 81 milhões de processos em tramitação são de matéria tributária. “Há diversas matérias controvertidas ainda em debate na área de óleo e gás como a questão do conceito de embarcação, a imunidade de ICMS nas operações estaduais, transfer price etc. Já temos um passivo tributário grande e isso tem um custo para toda a sociedade e, obviamente, para as empresas que atuam no setor”, declarou.

O magistrado citou ainda as mudanças no regime do Repetro, o imposto seletivo e a preocupação sobre como os novos tributos, sobretudo IBS, CBS e o imposto seletivo, vão se alinhar ao modelo atual. “O imposto seletivo tem finalidade extrafiscal para evitar ou reduzir danos à saúde e ao meio ambiente, e na área de óleo e gás, de extração de petróleo, pode ter a incidência na extração, na importação, na produção e na comercialização. Ou seja, quatro impostos seletivos incidindo em bases diferentes nesse setor”, criticou. 

Também participou do painel o auditor Fernando Mombelli, Gerente de Projeto da Secretaria Especial da Receita Federal, que citou diversos julgados e abordou a experiência na área de tributação e contencioso e também a complexidade da tributação com o julgamento de processos administrativos. 

Aspectos regulatórios e concorrenciais – A regulação na navegação de apoio marítimo e portuário foi tema do segundo painel. Com a presidência do Ministro Mauro Campbell Marques, Diretor da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), o debate foi mediado por Pedro Neiva, membro do Comitê de Portos da FGV, e contou com a participação de dois integrantes da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq): Flávia Takafashi (Diretora) e Augusto Vedan (Gerente de Afretamento da Navegação).

“Falar do mercado de óleo e gás é falar essencialmente da navegação de apoio marítimo que a Antaq tem uma atuação grande na outorga dessas empresas brasileiras de navegação, e também na gestão dos afretamentos das embarcações que as empresas utilizam para prestar o serviço desse tipo de navegação”, comentou Flávia Takafashi sobre algumas atuações da Agência. 

A Diretora afirmou que esse setor, assim como questões do direito marítimo e de geração de energia, vêm demandando expertise técnica da Agência no trato dos afretamentos e na harmonização dos conflitos. 

O desafio da Agência, segundo ela, é conseguir encontrar um meio termo entre proteger as embarcações brasileiras e permitir a atuação das estrangeiras, dentro das regras que são estabelecidas via lei e regulação da Antaq. “O Brasil tem uma tendência de receber cada vez mais essas embarcações. A Agência não faz política pública, apenas a implementa, mas a gente dá o substrato de conhecimento de mercado para que o Ministério possa fazer essa política pública mais adequada para o mercado”, explicou sobre a manutenção da “bandeira brasileira” de mercado.

O Ministro Mauro Campbell pontuou rapidamente sobre o avanço na Lei dos Portos que, segundo ele, “começou a abrir investimentos e permitir uma melhor concorrência”. Para o magistrado, a Antaq “vem dando passos muito razoáveis no sentido de permitir que a concorrência seja o mais livre possível e a intervenção estatal seja absolutamente regulada, com experts no assunto e dando privilégio e respeito à deferência essencial”. 

O desafio da transição energética – Presidido pelo Ministro do STJ Marco Buzzi, o terceiro painel discutiu os desafios da transição energética no Brasil e a exploração de petróleo na Margem Equatorial. O debate foi mediado pela advogada Livia Sancio, membro da Comissão de Direito Marítimo e Portuário do Conselho Federal da OAB.

O Diretor Executivo da Baker Hughes do Brasil, Daniel Szwarcwald, chamou atenção para a importância da indústria de óleo e gás na economia brasileira, responsável por gerar 1,6 milhão de empregos no país e R$ 2,6 trilhões em royalties para a União, os Estados e os municípios nos últimos 15 anos. 

Para ele, é fundamental investir na transição energética, mas sem “abandonar a indústria” de óleo e gás. “A indústria de óleo e gás ainda está crescendo bastante. No Brasil, se importava petróleo. Hoje, já somos exportadores. Exportamos 1,5 milhão de barris por dia. Temos uma produção que foi de 1,6 para cerca de 3,5 milhões de barris por dia e, com as reservas já descobertas, vamos chegar a 5 milhões de barris por dia até 2030”, mencionou. 

O especialista afirmou que o setor “vai gerar a abertura de mais de 300 mil novos postos de trabalho até 2030 com investimento de cerca de R$1 trilhão”. “De fato, é necessário continuar se preparando para o futuro, mas vai ser uma transição energética e não uma ruptura”, disse Szwarcwald.

O Secretário Estadual da Casa Civil do Rio de Janeiro, Nicola Miccione, também defendeu a transição energética, mas “sem prescindir da economia de óleo e gás”. Segundo Miccione, o Estado do Rio de Janeiro tem investido nos setores de energia limpa, como a indústria sucroenergética e de eólicas offshore: “A dependência de petróleo fez com que, de certo modo, o Rio de Janeiro dormisse em berço esplêndido e não aperfeiçoasse mecanismos tributários para outras fontes. Agora, estamos tentando buscar o tempo perdido nesse sentido e nos preparando efetivamente para fazer a transição energética”. O painel contou ainda com a participação do Assessor Internacional da Associação Brasileira das Empresas de Apoio Marítimo (Abeam), Mário Bastos Ferraz.

Especialização e celeridade – O contencioso judicial e a arbitragem no setor de energia também foram amplamente debatidos durante o último painel, presidido pelo Ministro do STJ Raul Araújo. O magistrado reforçou a importância da arbitragem para uma solução mais célere e especializada em conflitos contratuais de grande negócios, como acontece com os setores marítimo e portuário. 

Na sequência, o advogado Luis Felipe Salomão Filho chamou a atenção para a necessidade de especialização dos magistrados tanto na primeira, quanto na segunda instância. Defendeu, ainda, que esta é uma forma de o Poder Judiciário ajudar no julgamento de matérias específicas e de alto valor.

“O aumento da procura ao Judiciário com temas complexos dificulta a categorização dos processos. Por exemplo, um acidente marítimo, um contrato de óleo e gás. Uma disputa nesses setores envolve valores vultosos. Sem a especialização e com o volume que se coloca para cada magistrado julgar, fica impossível de se obter tempo que aquele processo necessita para sair com a melhor solução possível. Dessa forma, o melhor caminho em processos complexos é a especialização cada vez maior daqueles que vão trabalhar diretamente no litígio”, afirmou Salomão Filho.

Presidente do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem (CBMA), Mariana Freitas destacou a celeridade e a especialização como fundamentais na solução de disputas contratuais marítimas, portuárias e de óleo e gás. Dois fatores chamam a atenção nos procedimentos arbitrais, de acordo com ela: os valores envolvidos e a duração do caso. 

“O valor dessas arbitragens comerciais nos últimos cinco anos foi de R$ 6 bilhões, ou seja, uma média de R$ 80 milhões por caso. Outro dado interessante é o tempo médio de duração de um procedimento de arbitragem, cuja média foi de dois anos. A celeridade também é uma característica importante que a arbitragem consegue trazer para esse tipo de disputa”, disse. Segundo Mariana, o CBMA administrou 120 arbitragens nos últimos cinco anos, sendo que 50 estão em curso atualmente. 

O Desembargador do Tribunal de Justiça fluminense José Carlos Maldonado falou sobre a importância da criação das câmaras empresariais especializadas nos tribunais de segunda instância. Já o Juiz de Direito do TJ paulista Frederico Messias descreveu o trabalho que realiza à frente do Núcleo de Justiça 4.0 de Direito Marítimo, regulamentado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O grupo é formado por três juízes designados para julgar os processos de Direito Marítimo, Portuário e Aduaneiro do Estado de São Paulo.

Balanço final – O encerramento do seminário ficou a cargo do Diretor-Geral da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (Emerj), Desembargador do TJRJ Marco Aurélio Bezerra de Melo. O magistrado fez um balanço das discussões do seminário, com destaque para as mudanças previstas na Reforma Tributária, os desafios na transição energética e na produção de energia limpa e a importância da especialização nas primeiras instâncias do Poder Judiciário. 

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