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Pelo Acolhimento sem traumas_Entrevista com Claudia Vidgal

30 de novembro de 2011

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Mais de 30 mil crianças e adolescentes vivem atualmente em abrigos no Brasil, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça. Prestar atendimento de qualidade, que possa de fato minimizar o sofrimento de quem já sofreu por demais com o abandono ou descaso de suas famílias, é o objetivo do Instituto Fazendo História – criado em 2005, para fornecer apoio aos serviços de acolhimento. Claudia Vidigal, presidente da entidade, explica à Revista Justiça & Cidadania como esse trabalho é realizado.
O instituto tem como carro-chefe quatro principais projetos: “Fazendo minha história”, que visa a propiciar meios de expressão para que cada criança ou adolescente entre em contato e registre sua história de vida, utilizando a literatura infantil como mediadora desse processo; “Perspectivas”, que oferece formação a educadores e técnicos; “Palavra de bebê”, que tem como objetivo o fortalecimento da qualidade do acolhimento na primeira infância; e “Com tato”, que oferece atendimento psicológico gratuito a crianças e adolescentes abrigados.


Segundo a especialista, as condições do acolhimento ainda não são as ideais, mas o Brasil tem caminhado a passos largos no que diz respeito ao atendimento oferecido. “Estamos muito melhores do que há dez anos. Estamos evoluindo”, afirmou Claudia. Nesse sentido, ela destacou a aprovação da Lei 12.010, de 2009. “Uma questão importante é a responsabilidade do trabalho com as famílias, no sentido de a reintegração ser, claramente, dos serviços de acolhimento, a partir da nova lei. Ou seja: quando uma criança ou adolescente é acolhido, o serviço de acolhimento inicia, imediatamente, a construção de um plano individual de atendimento, para garantir a convivência familiar e comunitária”, disse.
Confira a entrevista:
Revista Justiça & Cidadania – Como, quando e por que o Instituto Fazendo História foi criado?
Claudia Vidigal – O Instituto foi fundado em 2005, para apoiar os serviços de acolhimento no desafio de lidar com as histórias de vida dentro dos serviços de acolhimento. A ideia foi criar estratégias para espaços de expressão das crianças, dos adolescentes e dos profissionais que trabalham nesses serviços de alta complexidade.
JC- Quais são as ações desenvolvidas pela entidade?
CV – Temos quatro programas principais e diversos projetos pontuais, todos relacionados aos serviços de acolhimento. Os programas são: “Fazendo minha história”, que visa a propiciar meios de expressão para que cada criança ou adolescente entre em contato e registre sua história de vida, utilizando a literatura infantil como mediadora desse processo. A ideia é que eles sejam cada vez mais os protagonistas de suas histórias. Depois de um ano de trabalho, o resultado  é um álbum com fotos, depoimentos, relatos e diversas produções que representem a história de vida de cada um. Destaca-se, também, o “Perspectivas”, que oferece formação a educadores e técnicos visando à profissionalização das instituições de acolhimento. Atua junto às equipes por meio de oficinas temáticas e supervisões institucionais.
Há também o programa “Palavra de bebê”, que tem como objetivo o fortalecimento da qualidade do acolhimento de bebês por meio de ateliês de sensibilização, com música, brincadeiras e massagem, assim como a formação de educadores. Trata-se de um olhar específico, em acolhimento, à primeira infância,  justamente por considerarmos este um período muito importante na formação da identidade de cada pessoa. Por último, destaco o programa “Com tato”, que oferece atendimento psicológico gratuito a crianças e adolescentes que moram em instituições de acolhimento. Os psicoterapeutas que atuam nesse programa são voluntários e contam com supervisões semanais de profissionais também voluntários.
No que diz respeito aos projetos pontuais, destaco o que visa a apoiar os adolescentes no momento do desabrigamento, o “nÓs”. Há, ainda, o projeto de formação em arte-educação e a publicações de livros temáticos sobre a acolhimento.
JC – Quem é atendido pelo Instituto? Quantas pessoas já foram beneficiadas?
CV – Educadores, 785 por ano, em média. Crianças e adolescentes, cerca de 1.000 por ano. Bebês, cerca de 50 por ano.
JC – Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, mais de 30 mil crianças estão em abrigos. Muitas estão nesses locais por falta de condições dos pais em mantê-las. Como a senhora vê essa questão dos abrigos no Brasil? Na sua avaliação, o que poderia ser feito para reduzir o tempo de abrigamento das crianças?
CV – A partir da Lei 12.010, de 2009, o Conselho Nacional de Justiça demonstrou grande interesse e proatividade em contribuir com a questão das crianças e adolescentes em acolhimento institucional. É importantíssimo o movimento realizado pelo CNJ no sentido de garantir que a lei seja aplicada, ao solicitar aos juízes informações precisas sobre a situação das crianças e adolescentes em acolhimento, na perspectiva de garantir que não fiquem esquecidos nas instituições. No ano passado, foram iniciadas audiências concentradas, que garantiram e estão garantindo o desabrigamento de muitas crianças e adolescentes que não precisariam dessa medida, e sim de outros programas de apoio e suporte.
Temos hoje, no Brasil, um excelente respaldo legal e, agora, um olhar atento para que a lei seja cumprida. Penso que estamos no caminho certo, sou bastante otimista quanto a esse tema. Estamos muito melhores do que há dez anos. Estamos evoluindo.
Outra questão importante é a responsabilidade do trabalho com as famílias, no sentido de a reintegração ser, claramente, dos serviços de acolhimento, a partir da nova lei. Ou seja: quando uma criança ou adolescente é acolhido, o serviço de acolhimento inicia, imediatamente, a construção de um plano individual de atendimento (PIA), para garantir a convivência familiar e comunitária. Na maior parte dos casos, esse plano prevê um maior conhecimento da família, encaminhamentos e suporte para que a mesma, caso seja possível, volte a ser responsável pelos filhos. Essa clareza de papéis, juntamente com uma política pública que coloca a família no centro das ações, traz muito mais chances de crianças e adolescentes voltarem para suas famílias de origem. Muitos casos de acolhimento prolongado têm também a ver com pais usuários de drogas e álcool. Neste sentido, precisamos do apoio da Secretaria da Saúde para que esses pais possam se tratar e receber seus filhos de volta.
As estratégias para o acolhimento menos prolongado me parecem essas; precisamos fortalecê-las. Permanece, ainda, a questão dos adolescentes já destituídos, disponíveis para adoção, e que raramente são adotados. Aí, temos que pensar em alternativas para que os que ficam de fato mais tempo no abrigo possam ter direito à convivência familiar. Programas de apadrinhamento afetivo são um bom caminho, e podem ser implantados em todo o Brasil. Crianças e adolescentes são apadrinhados por uma família que se dispõe a acompanhá-lo, a convidá-lo para finais de semana juntos, férias, festividades etc. Trata-se de uma alternativa importante a ser ampliada com cuidado e qualidade.
O estado de Mato Grosso tem uma ampla experiência nesse particular, uma vez que o Projeto Padrinho já existe há mais de dez anos, e é um bom modelo.
JC – Com relação às crianças já destituídas do poder familiar, também segundo dados do CNJ, quase cinco mil estariam disponíveis para adoção. O número de pretendentes à adoção, no entanto, é bem maior, chega quase a 27 mil. Em sua opinião a que se deve esta disparidade? O que falta para essas crianças serem inseridas em uma nova família?
CV – A grande maioria dos pretendentes à adoção busca bebês. Muitas vezes, apenas uma criança. Temos muitas crianças maiores e grupos de irmãos, que não devem ser separados. Parte da disparidade tem a ver com essa diferença entre o perfil de acolhidos e o perfil desejado pelos pretendentes. Isso pode, sim, ser mudado com campanhas e processos de sensibilização para as adoções necessárias (tardias, de grupos de irmãos ou de crianças com necessidades especiais). Isso vem sendo feito em todo o País, o que tem gerado excelentes resultados. Por exemplo, a cor da pele já foi um critério muito mais forte (a grande maioria dos casais só queria um bebê branco) e hoje, é bem menos frequente. Um avanço. O estado de Santa Catarina acaba de lançar uma forte campanha nesse sentido, e acredita-se que bons resultados sejam alcançados. Por fim, a demora também pode ter a ver com a morosidade dos processos. Mas, com o CNJ participando ativamente desse processo, os abrigos tendo como foco o desabrigamento e o trabalho em rede com as varas da Infância e Juventude, a tendência é que essa morosidade diminua.
JC – Que outro projeto do instituto a senhora poderia destacar?
CV – O projeto “nÓs”, destinado aos adolescentes que deixam o abrigo pela maioridade, é para nós um grande desafio técnico. Estamos mergulhados nessa estratégia de forma a ampliar o conhecimento e os caminhos para dar a esses jovens o direito à convivência familiar e comunitária.

JC – O atendimento é feito por voluntários? Existe algum projeto para a capacitação dos profissionais que atuam nesse setor?
CV – O “Com tato” e o “Palavra de bebê” são realizados por meio da mobilização de um voluntariado técnico da área da psicologia. O “Fazendo minha história” conta com um voluntariado não técnico, mas muito comprometido.