Edição 284
Orçamento e Justiça: a verdade além dos números
9 de abril de 2024
Frederico Mendes Júnior Presidente da AMB

Frequentes na imprensa nos últimos tempos, os levantamentos que enfocam os orçamentos destinados ao sistema de Justiça ostentam um equívoco em comum: a adição na conta do Poder Judiciário de despesas com o Ministério Público e a Defensoria Pública – operação indevida, que perverte os indicadores apresentados e deturpa as conclusões deles decorrentes. Somente essas considerações já seriam suficientes para desqualificar o discurso. Mas há outras.
Um ponto a entrelaçar tais estudos é a despreocupação com o problema que efetivamente aflige a população: a qualidade da prestação jurisdicional. Afinal, debates acusatórios sobre a remuneração dos magistrados brasileiros – de resto, inferior ao que recebem no setor privado profissionais do Direito de igual nível técnico – não ampliam o acesso dos cidadãos à Justiça, nem aceleram a tramitação dos processos.
Esses discursos parecem ter o propósito de incutir na opinião pública a impressão de que os recursos reservados ao Judiciário seriam excessivos – e, por contraste, seus resultados, insatisfatórios. Errôneas, ambas as ilações visam ao cerceamento da independência judicial, porquanto submetem os juízes, indistintamente, a uma pressão difusa pela redução de subsídios (em afronta ao inciso III do artigo 95 da Constituição).
Uma das características do Brasil é a forma federativa, prevista na Constituição, que atribui inúmeras competências às justiças estaduais e do Distrito Federal. Entretanto, a União concentra grande parte da atividade tributária – o que leva a divergências no tamanho das fatias orçamentárias que os entes dedicam ao sistema de Justiça.
A diferença é explicada, ainda, pela disparidade econômica e de desenvolvimento humano. Naturalmente, estados com maior incidência de crimes, por exemplo, comprometerão mais recursos com o sistema de Justiça, de modo proporcional, do que aqueles que registram menos lesões ou ameaças a direitos. Além disso, a capacidade arrecadatória de cada unidade da federação afeta a disponibilidade de receita.
Para distribuir justiça, magistrados demandam prerrogativas que lhes possibilitem decidir de forma imparcial, com segurança e imunes a pressões de qualquer natureza. O relatório do CNJ, Justiça em Números 2023, mostrou que a produtividade dos juízes cresce paulatinamente, no rastro da transformação digital. Em 2022 foram baixados 30,3 milhões de processos – montante 10,8% superior ao do ano anterior. Esse avanço só foi possível porque, todos os dias, nas 27 unidades da federação, mulheres e homens dispõem-se a empunhar a toga com obstinação, não obstante as situações de ameaça à vida ou à integridade física e os prejuízos à saúde derivados do estresse do trabalho e da alta responsabilidade da função.
Em um país com grande desigualdade social, o papel do Judiciário é essencial para a conservação da paz social e para uma sociedade mais justa e solidária. A urgência de investimentos sociais, no entanto, não pode se dar à custa do Poder Judiciário – o responsável por garantir os direitos da população em geral.
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