Orçamento e Justiça: a verdade além dos números

9 de abril de 2024

Frederico Mendes Júnior Presidente da AMB

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Frequentes na imprensa nos últimos tempos, os levantamentos que enfocam os orçamentos destinados ao sistema de Justiça ostentam um equívoco em comum: a adição na conta do Poder Judiciário de despesas com o Ministério Público e a Defensoria Pública – operação indevida, que perverte os indicadores apresentados e deturpa as conclusões deles decorrentes. Somente essas considerações já seriam suficientes para desqualificar o discurso. Mas há outras. 

Um ponto a entrelaçar tais estudos é a despreocupação com o problema que efetivamente aflige a população: a qualidade da prestação jurisdicional. Afinal, debates acusatórios sobre a remuneração dos magistrados brasileiros – de resto, inferior ao que recebem no setor privado profissionais do Direito de igual nível técnico – não ampliam o acesso dos cidadãos à Justiça, nem aceleram a tramitação dos processos.

Esses discursos parecem ter o propósito de incutir na opinião pública a impressão de que os recursos reservados ao Judiciário seriam excessivos – e, por contraste, seus resultados, insatisfatórios. Errôneas, ambas as ilações visam ao cerceamento da independência judicial, porquanto submetem os juízes, indistintamente, a uma pressão difusa pela redução de subsídios (em afronta ao inciso III do artigo 95 da Constituição).

Uma das características do Brasil é a forma federativa, prevista na Constituição, que atribui inúmeras competências às justiças estaduais e do Distrito Federal. Entretanto, a União concentra grande parte da atividade tributária – o que leva a divergências no tamanho das fatias orçamentárias que os entes dedicam ao sistema de Justiça.

A diferença é explicada, ainda, pela disparidade econômica e de desenvolvimento humano. Naturalmente, estados com maior incidência de crimes, por exemplo, comprometerão mais recursos com o sistema de Justiça, de modo proporcional, do que aqueles que registram menos lesões ou ameaças a direitos. Além disso, a capacidade arrecadatória de cada unidade da federação afeta a disponibilidade de receita. 

Para distribuir justiça, magistrados demandam prerrogativas que lhes possibilitem decidir de forma imparcial, com segurança e imunes a pressões de qualquer natureza. O relatório do CNJ, Justiça em Números 2023, mostrou que a produtividade dos juízes cresce paulatinamente, no rastro da transformação digital. Em 2022 foram baixados 30,3 milhões de processos – montante 10,8% superior ao do ano anterior. Esse avanço só foi possível porque, todos os dias, nas 27 unidades da federação, mulheres e homens dispõem-se a empunhar a toga com obstinação, não obstante as situações de ameaça à vida ou à integridade física e os prejuízos à saúde derivados do estresse do trabalho e da alta responsabilidade da função. 

Em um país com grande desigualdade social, o papel do Judiciário é essencial para a conservação da paz social e para uma sociedade mais justa e solidária. A urgência de investimentos sociais, no entanto, não pode se dar à custa do Poder Judiciário – o responsável por garantir os direitos da população em geral.

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