Edição 287
Oportunidades para o Setor Portuário: a importante revisão do arcabouço legal
29 de junho de 2024
Juliana Oliveira Domingues Procuradora Geral do Cade / Membro da Comissão de Juristas Ceportos

O Brasil possui uma vasta área litorânea, com uma extensão de 7.637 km de costa ou de 8.500 km considerando as baías. O setor portuário brasileiro é responsável por parcela significativa do comércio exterior. Contudo, os números globais apontam o ambiente brasileiro como pouco aberto ao comércio e ao investimento, comparado com a média dos países avaliados pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). De forma adicional, o estudo da OCDE, de 2022, evidenciou que o nosso mercado é mais fechado que o do Chile, o da Colômbia e o da Costa Rica, por exemplo. Em um comparativo entre vários países, o Brasil se mantém entre aqueles que possuem baixíssimos indicadores de desempenho no transporte marítimo.
Ou seja, os dados refletem a necessidade de enfrentamento da ineficiência do setor em nosso país. Não há conforto, diante do índice de competitividade global do Fórum Econômico Mundial: o Brasil foi classificado na posição 104 entre os 138 países avaliados, considerando o nível de eficiência de serviços. O cenário atual confirma a necessidade de enfrentamento dos problemas identificados.
Portanto, o Brasil vive um momento de grande oportunidade com a instalação, pela Câmara dos Deputados, da Comissão de Juristas (denominada “CePortos”) dedicada à revisão do arcabouço legal que regula a exploração direta e indireta pela União de portos e instalações portuárias. O grupo de juristas é formado por profissionais que garantem uma visão interdisciplinar, diversa e técnica.
Especialmente diante dos diagnósticos do já mencionado estudo da OCDE (2022), entre outros apresentados nos últimos anos, a ineficiência, a excessiva burocracia e a identificação de muitos gargalos acabam por não permitir que seja extraído do setor todo o seu potencial. Assim, do ponto de vista jurídico, é fundamental o trabalho da comissão em torno de melhorias, incluindo a promoção de medidas jurídicas e regulatórias voltadas ao favorecimento de um ambiente de modernização adequado e apto a fomentar todas as potencialidades do setor.
Cabe destacar que o setor portuário é extremamente relevante para o desenvolvimento econômico do Brasil. É primordial relembrar que temos instrumentos adotados nos últimos anos – como a Análise de Impacto Regulatório (AIR) e a Análise do Resultado Regulatório (ARR) – que também vocalizam a importância de melhorias e colocam ênfase para a busca de convergência regulatória. Em adição, estamos diante de um tema que igualmente envolve questões de segurança e de grande interesse público. Não sem razão, as audiências públicas realizadas – e amplamente divulgadas – deram voz e espaço a todos os interessados, em caráter igualitário e com muito respeito às diferentes visões trazidas.
Durante os debates, também se observou a preocupação com a promoção de um ambiente jurídico que favoreça a lisura dos processos de licitação. De acordo com o estudo da OCDE de 2022, os processos são pouco transparentes e criam dificuldades para a identificação de empresas que podem ser mais eficientes. O TCU, em 2020, também destacou dentre os principais problemas levantados na auditoria operacional a morosidade do processo licitatório, uma excessiva centralização e desincentivos à eficiência.
Portanto, rever a legislação é uma estratégia relevante para enfrentar diagnósticos negativos identificados por aqueles que atuam no mercado e pelos estudos recentes sobre o setor. Ter uma legislação compatível com as nossas necessidades garante espaços para melhorias e aumenta a atratividade do setor portuário, além de poder contribuir para a redução da litigiosidade administrativa e judiciária. Sem mudanças, não teremos condições para promover a necessária segurança jurídica. Todos esses vetores são fundamentais para a atração de investimentos.
Se enfrentar esses fatores é fundamental, também é de igual importância endereçar outros pontos, como a sobreposição e a ausência de convergência regulatória entre as autoridades. Todo momento de avaliação favorece “ajustes de rota” aptos a definir espaços que promovam simetrias, melhores práticas e políticas regulatórias adequadas para as atividades privadas.
Do ponto de vista regulatório concorrencial, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) sempre teve em seu radar o setor portuário, especialmente considerando os movimentos permanentes de verticalização. No afã de reduzir gargalos, uma tendência do mercado tem sido o movimento de fusões e de aquisições das instalações de terminais de contêineres. Isto ocorre no mundo inteiro, e o Cade está atento à possibilidade de fechamento de mercados a montante ou a jusante.
Ainda que a legislação concorrencial já tenha mecanismos de análise, uma legislação portuária adequada à realidade tende a facilitar o trabalho dos reguladores, uma vez que bons instrumentos jurídicos podem evitar que boa parte dos agentes portuários abusem de seu poder de mercado, em um porto específico, quando há monopólio na prestação de serviço.
Assim, a concorrência é um dos eixos relevantes neste processo de revisão legislativa. Temas específicos como a praticagem (a escala de rodízio única), os monopólios artificiais do mercado e a cobrança da Taxa de Serviço de Segregação e Entrega (SSE) seguem dentro do foco de atenção, diante de potenciais abusos de posição dominante.
Se o nosso país quer buscar mais concorrência, a assimetria regulatória e a regulação assimétrica entre os portos públicos e privados precisa ser endereçada de forma adequada, considerando os efeitos ao ambiente concorrencial. O diagnóstico da OCDE dialoga com o do Tribunal de Contas da União (TCU) que analisou a legislação do setor, em 2020, e identificou assimetrias legais e regulatórias que são impostas aos terminais portuários. Por exemplo: os portos públicos são muito mais burocráticos comparados aos TUPs (que são as instalações portuárias localizadas fora da área de porto, construídas e exploradas por entidade privada para movimentação e/ou armazenagem de cargas do transporte aquaviário, por meio de autorização prévia da Agência Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ).
Portanto, os diagnósticos recentes favorecem uma conclusão óbvia: precisamos de uma legislação que enfrente os problemas e resolva as necessidades do nosso país. Em adição, devemos promover espaços adequados para solucionar temas complexos do setor portuário, deixando para o Poder Judiciário somente aquilo que mereça ser judicialmente apreciado, considerando os caminhos desafiadores dos litígios judiciais.
Sem dúvida, os casos em curso demonstram que, para muitos temas, a judicialização não é o melhor caminho. Assim, será importante concluir o relatório para a revisão do arcabouço legal que regula a exploração direta e indireta pela União de portos e instalações portuárias a fim de motivar a redação de dispositivos adequados, mais transparentes, aptos a minimizar a insegurança jurídica e como mecanismos que promovam as necessárias melhorias na simplificação do marco legal vigente.
Após a realização de seis audiências públicas, neste ano, com diversos inscritos interessados nos temas e de ter recebido dezenas de contribuições enviadas para o e-mail oficial da Comissão, os membros da CePortos tem debatido, intensamente, todos os eixos que compõe a legislação portuária em vigor para apresentar propostas de alteração voltadas à necessária atualização. Espera-se, com isso, imprimir mais eficiência, concorrência e mitigar gargalos para mais desenvolvimento do setor e, consequentemente, do nosso país.
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