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OAB/RJ e Instituto Justiça & Cidadania promovem Seminário sobre a Lei de Recuperação e Falências

16 de setembro de 2015

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Captura de tela 2015-09-16 12.02.02Ao completarem-se dez anos da promulgação da Lei no 11.101, especialistas no tema reuniram-se para discutir os pontos favoráveis da norma legal e apontar modificações que podem ser feitas no texto para torná-lo ainda mais eficiente em tempos e cenários atuais. 

Aconteceu no último dia 14 de agosto o seminário “10 Anos da Lei de Recuperação e Falências”, na sede da Seccional Rio de Janeiro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), no centro da capital fluminense. O evento foi realizado pela Comissão Especial de Recuperação Judicial, Extrajudicial e Falência da OAB/RJ, em parceria com o Instituto Justiça & Cidadania. 

O seminário foi oficialmente aberto pelo presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Marcus Vinicius Furtado Coêlho, e pelo coordenador acadêmico do seminário, Márcio Guimarães, promotor de Justiça da 1a Promotoria de Massas Falidas da Capital. Iniciando o temário, o ministro Luis Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), lembrou que nenhum campo do Direito permite tal integração no campo judicial. “Todos que labutam na área têm uma meta comum: a salvaguarda da empresa. Por isso estão todos aqui, irmanados sobre os pontos da Lei de Recuperação e Falências a serem discutidos”, disse. Especificamente sobre a primeira década de vigência da Lei no 11.101 (de 9 de fevereiro de 2005), o ministro assinalou que a sua interpretação ainda se mostra em processo de construção. “Há dez anos, realizamos treinamentos, avançamos para incutir nos juízes as novas ideias e formar inúmeros cursos. Essa capacitação hoje ainda é importante. O juiz precisa possuir conhecimentos gerais sobre macroeconomia, liderança, mercado de capitais, administração de empresas e afins, ou seja, medidas importantes para o funcionamento correto da lei”, explicou. O ministro Salomão também enumerou alguns pontos positivos da Lei, como a extinção da concordata, a manutenção da dualidade de procedimentos – tanto para o empresário, quanto não empresário devedor –, além da redução da intervenção do Ministério Público. 

A programação do seminário continuou com a apresentação do painel “Evolução da Lei no campo prático e jurisprudencial”, com moderação de Cassio Cavalli, professor de Direito Empresarial na Fundação Getúlio Vargas Direito Rio. O primeiro componente da mesa diretiva a discursar foi Ivo Waisberg, professor de Direito Comercial da PUC-SP, um dos mais destacados advogados especializados em Lei de Recuperação e Falências do País. Segundo Waisberg, a norma é positiva, mas precisa de alterações em seus pontos principais. “A Lei chegou a um limite. O grau de complexidade das questões empresariais é muito grande. Todos os eventos deveriam se juntar para levar ao Congresso 15 ou 20 pontos que certamente mudariam para melhor a vida de credores e devedores.” 

Luiz Roberto Ayoub, juiz de Direito da 1a Vara Empresarial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, foi o segundo palestrante da mesa. Ele defendeu que a Jurisprudência deu tratamento igual aos desiguais e definiu a Lei de Recuperação e Falências como “jovem”, que “requer amadurecimento” e, sobre essa questão, o Direito tem feito o seu devido papel. Ayoub também criticou a “trava bancária” e os excessos cometidos no ingresso de petições de credores “em um processo que precisa ser célere”, o que, segundo ele, torna-se prejudicial para o próprio credor. 

O terceiro participante do painel, o desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), Manoel Pereira Calças, levantou questões relacionadas aos direitos dos trabalhadores. “Como eles irão participar das assembleias? Tenho as mesmas preocupações com o trabalhador que o juiz do Trabalho”. Ele fez críticas aos honorários do administrador judicial, que, em sua opinião, não podem ser quase equivalentes a “ganhar na loteria”, com salários que chegam a R$ 600 mil por mês. “O administrador judicial é um auxiliar do juiz. Se alguém quiser enriquecer nisso está no lugar errado. Ao menos na minha Câmara. Quem fixa os honorários é o juiz e ele não pode abrir mão desta competência”, disse. 

Captura de tela 2015-09-16 12.02.59Processo sem réu

Para abrir o segundo painel do seminário, intitulado “O devedor na recuperação judicial: o momento do requerimento da RJ (cliente, análise, situação econômica/financeira e perspectivas do plano) e o pedido de RJ (litisconsórcio ativo, coobrigados/codevedores e efeitos da decisão)”, a mediadora, Juliana Bumachar, presidente da Comissão de Recuperação Extrajudicial, Judicial e Falência da OAB-RJ e idealizadora do seminário, convidou o advogado Sergio Campinho, do escritório Campinho Advogados. Ele destacou na abertura: “Enquanto a concordata era, sim, um favor legal, a recuperação se viabiliza por meio de um ato processual complexo, sem réu. Existem abusos de ambos os lados [credores e devedores] e cabe ao Judiciário dirimir tais abusos com uma sentença homologatória do plano, verificando todos os contornos da legalidade do mesmo”. Campinho ainda lembrou que a recuperação judicial é um meio econômico de recuperação, não apenas financeiro. “O que se procura recuperar é a empresa e não o empresário. Os meios para isso são amplos, como a redução do valor aos créditos; a reorganização societária; a alienação de controle; o aumento do capital social; a formação de nova sociedade pelos credores, enfim, uma multiplicidade”, ressaltou o advogado. 

Encerrando a programação da manhã, a mesa também contou com a participação do desembargador Manoel Justino, doutor e mestre em Direito Comercial e especialista em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela USP, e de Paulo Penalva Santos, advogado do escritório Rosman Penalva Souza e Franco Advogados. Deixando claro que existe uma série de aspectos a serem modificados na Lei no 11.101, Justino opinou que a base da recuperação judicial está no deságio. Por sua vez, Penalva Santos ressaltou, em relação à recuperação judicial, a necessidade de se estudar caso a caso, esgotando toda e qualquer possibilidade de acordo amigável. Sobre a importância do crédito, o advogado lembrou o caso da montadora de automóveis norte-americana General Motors, que, em 2009, recebeu US$ 30 bilhões do governo Obama. “Foi algo essencial. Justifica a alteração da norma legal, para que esta proteção fique muito clara”. Penalva também acredita que a Lei contenha uma série de imperfeições e até inconstitucionalidades, declarando que “é preciso flexibilizar urgentemente esse parecer”.

Captura de tela 2015-09-16 12.06.47Pequenas empresas

No período da tarde, o seminário foi reaberto com a palestra “O Crédito Trabalhista e a Insolvência Empresarial”, com o Ministro Alexandre Agra Belmonte, do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Em seguida, foi apresentado o terceiro painel, com o título “O Credor na Recuperação Judicial: a Alasse das Micro Empresas e Empresas de Pequeno Porte – a Cessão Fiduciária de Créditos e a Trava Bancária”. O advogado Flávio Galdino, do escritório Galdino Coelho Mendes Advogados, abriu a mesa e criticou a complexidade da aplicação da Lei no 11.101 para as micro e pequenas empresas. “A logística da lei para a pequena empresa devedora não funciona. O procedimento ordinário é inapto a atender as peculiaridades da causa”. Para Galdino, onerar o pequeno credor com a complexidade do processo não seria uma boa opção. “Os pequenos casos têm tido enorme dificuldade de serem processados”, lembrou. Em seguida, ele fez o que chamou de “sugestão de ordem prática”. Segundo o advogado, o pequeno credor é justamente o que pode aguentar menos tempo sem receber o crédito e absorver esse eventual impacto. Sendo assim, defendeu que a cessão seja interessante para a pequena empresa, pois “para favorecer a circulação econômica é fundamental que se favoreça o recebimento do crédito”. 

O advogado Renato Mange, do escritório Renato Mange Advogados Associados, foi o palestrante seguinte da mesa. Sobre cessão fiduciária de títulos de crédito e recebíveis, citou o exemplo do varejo, que cede os recebíveis do cartão de crédito. “Quais são esses recebíveis? Quem vai comprar na loja na semana seguinte? Não há uma definição sobre isso. A cessão pode ser futura, mas ela precisa estar bem definida e não incerta”, disse. “E já que a cessão tem sido feita, o que se tem dito é que: se a empresa cedeu todos os seu recebíveis e entrou com a recuperação, não há nada o que receber e, sendo assim, ela irá cair, pois não poderá pagar os seus funcionários, luz, água etc., e não irá se recuperar.” 

Na sequência, tomou a palavra o advogado Daltro Borges, do escritório Ferro Castro Neves, Daltro e Gomide Advogados. Ele ressaltou a impossibilidade de uma microempresa ou de uma empresa de pequeno porte cumprir todas as obrigações que a Lei no 11.101 lhes reserva. “Seja pelo artigo 51, 53 ou mesmo em atender as exigências que o 22 estabelece, em que se deve responder as informações solicitadas, tanto pelo membro do comitê, quanto pelo administrador judicial”. E comentou ainda sobre a grande preocupação em relação à estrutura da Lei com a transparência no que tange todo o processo. Ainda na opinião de Daltro Borges, a partir da Lei Complementar no 147, dever-se-ia usar o que já era feito em outros tempos, referindo-se à concordata: “um acordo com os credores”. E completou. “Vamos pagar em 36 meses, mas com desconto de 30%, exatamente o que a nova lei permite que seja feito desde a mudança do inciso 2o”. 

O painel seguinte, “O plano de Recuperação Judicial: Controle de Legalidade, a Homologação e a Apresentação de Certidão Negativa de Débito” foi aberto por Sheila Neder Cerezetti, advogada e professora da USP, que elogiou o trabalho de jurisprudencial que vem sendo feito, em especial pelo TJSP. A advogada foi convidada a falar sobre a utilização do plano único na recuperação judicial. “O que me leva a pensar diretamente na ideia de uma recuperação que envolva diversas sociedades em geral e sociedades agrupadas. E dada a nossa realidade, sociedades agrupadas em grupos de fato”. Sheila lembrou ainda que o questionamento em relação às leis não é um problema apenas brasileiro. “Costumamos reclamar de nossas leis, mas o vácuo legal é comum a diversos países. Em todo o mundo se debate hoje qual a melhor forma de se lidar com a crise, que atinge não só uma sociedade, mas um grupo de sociedades”, explicou. 

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Na sequência, o moderador da mesa, Bruno Galvão de Rezende, advogado e administrador judicial de Falências, anunciou a participação do advogado e professor da USP Francisco Satiro. Ele comentou sobre o controle de legalidade e dos abusos relativos ao plano de recuperação judicial. “O plano representa contrato entre devedor e credor, o que parece algo razoavelmente inconteste. Mas se ele é simplesmente isso, por que então o devedor não busca diretamente os seus credores para que haja um acordo? Ou seja, para que serve o instituto da recuperação judicial? Por uma razão muito simples. Porque sem ela, ainda que seja positiva a ideia de que credores e devedores decidam alterar suas circunstâncias em busca de um acordo, este efetivamente não irá acontecer. Não haverá acordo sem a estrutura da recuperação judicial”. A mesa teve ainda a presença do também advogado e professor da USP Paulo Salles de Toledo.

O quinto e último painel do evento, “O Patrimônio do Devedor: a Gestão de Bens na Recuperação Judicial e o Alcance Patrimonial da Falência”, contou com a participação do coordenador do seminário, Márcio Guimarães, e Fabio Ulhoa Coelho, advogado e professor da PUC-SP, que abriu o painel. “É preciso corrigir o desvio teórico sério na natureza jurídica da recuperação judicial. A recuperação não é um concurso de credores. É o oposto disso. A falência é uma das hipóteses, mas o meio é o oposto do concurso de credores. Se não falarmos de concurso, não podemos falar de uma ‘massa de credores’. Não existe juízo universal da recuperação nem credores extraconcursais. Essa forma equivocada de ver o processo judicial está contaminando o nosso dia a dia. O devedor, melhor que ninguém, sabe como sair da crise”, comentou Coelho. Para Marcio Guimarães, a falência é um “mal necessário”, importante para que a empresa seja recuperada, mas ressaltou que “a falência é da sociedade e não da empresa”. 

O encerramento do evento, que teve apoio do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem, da Associação Comercial do Rio de Janeiro, da Fundação Getúlio Vargas e do Instituto Brasileiro de Estudos de Recuperação de Empresas, ficou por conta do Ministro João Otávio de Noronha, do Superior Tribunal de Justiça (STJ).