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O superavitário regime de previdência dos magistrados federais

10 de setembro de 2017

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Com a motivação de um regime fiscal mais sólido e austero, está em tramitação a PEC 287/2016, que propõe mudanças profundas no regime de aposentadoria. O fundamento sociológico é o envelhecimento populacional, a cha­mada razão de dependência de idosos, que é a divisão da população com idade acima de 60 anos pela parcela em idade de trabalhar. Essa razão era de 9,8 idosos para 100 indivíduos em 2005 e passou para 14,3 em 2015; segundo projeções, deverá ser de cerca de 30 em 2037 e de 50 em 2060. Isso se explica pelo aumento na expectativa de vida dos brasileiros somada à menor taxa de natalidade. Menos gente entra no mercado de trabalho a cada ano, ao passo que se vive cada vez mais. Tem-se, assim, o aumento progressivo dos gastos públicos com previdência (este o fundamento fiscal e político da PEC 287/2016) já no ano de 2017, considerando-se sua repre­sen­tatividade no PIB (10%) e o impacto na receita líquida total do governo (58,6%). Um dos argumentos falaciosamente repetidos defende que as apo­senta­do­rias e pensões pagas aos magistrados (juí­zes federais, do trabalho e militares) e seus depen­dentes no Re­gi­me Próprio de Previdência Social (o RPPS) são privilegiadas e influem fortemente nesse déficit. Diz-se que, neste ano, o rombo deve chegar a R$ 190 bilhões, dos quais R$ 85,2 bilhões são referentes ao RPPS. A análise adequada demonstra o oposto desse discurso superficial.

Números podem dizer muito ou pouco sobre a realidade, inclusive, podem se prestar a inverdades. Os regimes previdenciários podem ser estruturados sob sistemas de repartição (o Estado intervém, administrando e transferindo renda de ativos para inativos), predominante no Brasil, ou de capitalização (onde o próprio trabalhador é responsável pelo acúmulo de renda ao longo do ciclo laboral). Tendo como base o subsídio (arts. 4o e 5o da Lei 10.887/2004), juízes contribuem com 11% enquanto a União arca com 22%. De acordo com dados obtidos junto ao Conselho da Justiça Federal, em 2012 havia 1784 juízes federais, dos quais 186 aposentados. Em 2016, estes números ficaram, respectivamente, em 2108 e 221. A razão de dependência de idosos, no entanto, permaneceu a mesma (10,4), bem abaixo do número publicizado da população em geral (14,3). Essa va­ria­ção média foi praticamente idêntica de 2013 a 2015. No ano de 2012, a despesa executada com magis­tra­dos ativos foi de R$ 430.692.666,18 contra R$ 64.978.316,35 dos inativos e pensionistas. Em 2016, esses números chegaram a R$ 615.448.645,82 e R$ 98.832.201,68. Em 2012, a arrecadação para o regime de previdência foi de R$ 142.128.580,00 e de R$ 203.098.053,00 em 2016, ou seja, superávits de R$ 77.147.264,00 e de R$ 104.265.852,00.  Esses dados se repetem quanto aos juízes do trabalho e militares da União e provavelmente quanto aos juízes estaduais. Muito claro que o regime de previdência, no que concerne aos magistrados federais, é superavitário. Não só isso: há uma linha crescente nesse superávit – de 30% nos últimos cinco anos.

E as razões para isso são muito bem definidas.  O ingresso na carreira ocorre com pessoas muito jovens (média de 33 anos, conforme Censo do Poder Judiciário divulgado pelo CNJ) e a aposentadoria só se dá, como regra, na compulsória (antes aos 70 anos, agora aos 75).  Ao serem empossados jovens, quase todos com anteriores ocupações submetidas ao RPPS ou ao RGPS, e saírem tarde, contribuem, em média, acima de 37 anos de trabalho. Considerando-se a expectativa média de vida brasileira (75,5 anos em 2015, conforme o IBGE), são poucos os anos em que os inativos e pensionistas efetivamente são sustentados pelo RPPS e pelos ativos (considerando sempre a razão de dependência de ido­sos). Na verdade, os juízes, após ingressarem, usual­mente trabalham toda a vida e geram um superávit crescente para o RPPS. É preciso registrar esse dado numérico e desmistificar as falácias que têm sido repe­tidas quanto aos magistrados. Some-se a isso o dado de que a Justiça Federal arrecada (R$ 24 bilhões, com­putadas recolhimento com custas, taxas e receitas oriundas das execuções fiscais) em contraponto a seu custo total de funcionamento (R$ 9,9 bilhões, incluindo servidores, estrutura e custeio), conforme Justiça em Números 2016 (CNJ) e temos, só no ano de 2016, uma receita orçamentária direta total gerada pelos juízes federais de R$ 14,2 bilhões. Não é pouco dinheiro. Não é correto contabilizar aos magistrados federais qual­quer déficit orçamentário. É justificado um regime dife­ren­ciado de previdência para quem gera uma arrecadação superavitária. Parceiros devem ser bem tratados ao invés de serem marginalizados.