O símbolo da justiça do trabalho no Brasil

31 de julho de 2011

Compartilhe:

Coube-me a tarefa de homenagear, nos 70 anos da Justiça do Trabalho no Brasil, o Ministro Arnaldo Lopes Süssekind.

Dizem que é impossível dissociar um homem de suas circunstâncias. Pois Arnaldo Lopes Süssekind nega essa máxima. Cada um dos aspectos de sua vida corresponderia, por si só, a um artigo.

Nascido no Rio de Janeiro em 09 de julho de 1917, da união de Frederico Süssekind com Sylvia Lopes Süssekind, tem dois irmãos, Flávio e Vitor Carlos. Casou-se em 29 de maio de 1940 com Marília, com quem teve dois filhos, Arnaldo e Marisa, que lhe deram cinco netos: Renata, Cláudia, os gêmeos Bernardo e Tomaz e o caçula Conrado. E agora tem o bisneto Tom.

Como Arnaldo Lopes Süssekind pensava em ser engenheiro, foi com lágrimas de satisfação que o desembargador e botafoguense Frederico Süssekind recebeu a notícia de que ele faria o curso de Direito. Presumo que a felicidade não tenha sido completa, porque o jovem Arnaldo persistiu em torcer pelo Fluminense, hábito que o acompanha até hoje. Mas foi pelo Fluminense que o atleta Arnaldo Lopes Süssekind ganhou várias medalhas como velocista.

Pois bem. Além de engenheiro e velocista, o jovem Arnaldo também escapou de ser cantor de rádio.

Amigo de Ivon Curi, quando ia nos shows do Hotel Gloria ou do Hotel Palace, em Caxambu, sempre era chamado ao palco para cantar algumas músicas. No Rio, costumava reunir-se com alguns amigos, entre os quais Oduvaldo Cozzi, na Praça General Osório, onde cantarolavam, acompanhados pelo violão de Nivaldo. E Cozzi o inscreveu no concurso então promovido pela Rádio Nacional com a Fox Filmes para o lançamento da película “Invisível Trovador”. Entre centenas de candidatos, Arnaldo venceu, com o pseudônimo de Patativa, interpretando, em português, a versão “Que linda és tu”, da música “It’s well of you”. A cerimônia de premiação ocorreu no Cine Odeon, já com a identidade revelada e lhe rendeu um contrato de 3 meses.

Diante da perspectiva do jovem Arnaldo seguir na promissora carreira de cantor, seu pai ponderou que ele poderia se perder na vida boêmia que caracterizava o ambiente do rádio na época. E lhe ofereceu dobrar o salário que lhe foi prometido. O jovem Arnaldo aceitou o conselho de não renovar o contrato, mas ponderou que o faria somente após cumprí-lo integralmente. Argumentou que o contrato caracterizava um pacta sunt servanda, deixando o pai sem argumentos.

Foi uma decisão acertada. Ali teve efetivo início a gestação do jurista que atuou intelectual e decisivamente na construção do Direito do Trabalho no Brasil.

O jovem Arnaldo ingressou na Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil em 1935, onde contou com um time invejável de professores: entre outros, Hermes Lima, Filadelfo de Azevedo, Pedro Calmon, Nelson Hungria, Carvalho Junior, Luís Carpenter, Hélio Gomes, Haroldo Valadão, Alcebíades Delamare, Irineu Machado e Joaquim Pimenta, com quem estudou Direito do Trabalho.

Antes mesmo de iniciar, na faculdade, os estudos de Direito do Trabalho, já atuava, por nomeação datada de 21 de janeiro de 1938, na Procuradoria do Conselho Nacional do Trabalho, redigindo, como auxiliar de escrita do Conselho Nacional do Trabalho, projetos de pareceres. Ali tomou o primeiro contato com as questões trabalhistas.

Formou-se bacharel em Direito em 1939. Deu prosseguimento à vida profissional no Conselho Nacional do Trabalho como assistente jurídico, responsável pelos pareceres exarados nas avocatórias que subiam do CNT para o Ministro do Trabalho.

Em janeiro de 1941 foi indicado para assumir a Procuradoria Regional do Trabalho em São Paulo. Garoto de Ipanema que era, pois morava com os pais em uma confortável casa na rua Farme de Amoedo, muito sem graça perguntou ao Ministro do Trabalho se não poderia desempenhar o cargo aqui no Rio. Não podia. Transferiu-se para São Paulo.

Ainda em 1941, quando era procurador regional em São Paulo, conheceu o advogado e político Alexandre Marcondes Filho. Quando Alexandre Marcondes foi, em 2 de janeiro de 1942, nomeado Ministro do Trabalho e Previdência Social, convidou Süssekind para ser seu assessor principal no setor das relações de trabalho.

No novo cargo, veio, com apenas 24 anos de idade, a integrar a comissão encarregada de elaborar o anteprojeto da CLT. Com exceção da legislação sindical e da que deu origem à Justiça do Trabalho, transplantadas sem qualquer modificação para a CLT, no mais ela teve inspiração material nas teses do I Congresso de Direito Social, na Encíclica Rerum Novarum e nas convenções da OIT. Nesse Congresso, Süssekind apresentou a tese “A Fraude à Lei na Justiça do Trabalho”. Uma de suas conclusões resultou no importante artigo 9º, da CLT, uma das normas basilares para a concretização do princípio da proteção do empregado.

Esclarece Süssekind que exceto no tocante ao monopólio da representação da categoria pelo sindicato e questões decorrentes, não corresponde à realidade a alegação de que a CLT é uma cópia da Carta Del Lavoro. Os demais dispositivos repetiam princípios e normas historicamente consagrados, baseados no princípio da proteção do empregado, característicos do Estado Social, destinado a intervir na ordem econômica e social para compensar, por meio da desigualdade jurídica, a desigualdade fática.

Passados 68 anos, a CLT até hoje norteia, com as alterações ocorridas ao longo do tempo, as relações individuais e coletivas de trabalho no Brasil.

Por indicação de Getúlio Vargas, como relator da comissão permanente de direito social, Arnaldo participou de todas as assembleias gerais da OIT, entre 1951 e 1954 de Juscelino Kubitschek, entre 1957 e 1959.

Em 1961, Süssekind foi nomeado Procurador-Geral da Justiça do Trabalho. No exercício desse cargo divergiu do então Presidente João Goulart e exonerou-se, apesar da resistência do então Ministro do Trabalho Franco Montoro. Esse episódio o credenciou para assumir o cargo de Ministro do Trabalho e Previdência Social, para o qual foi nomeado em 1964.

Arnaldo Süssekind foi um dos melhores Ministros do Trabalho que o Brasil conheceu. Acabou com as comissões do imposto sindical e técnica de orientação sindical, buscando pôr fim às intervenções do Ministério nos sindicatos. Criou o Departamento Nacional de Mão-de-Obra e o Departamento Nacional do Salário, este com a incumbência de fiscalizar as leis do trabalho, a higiene e a segurança nos locais de trabalho, o trabalho de mulheres e de menores, a organização e a assistência sindical. Em sua gestão, pela primeira vez uma mulher assumiu a diretoria geral do departamento.

À frente do Ministério do Trabalho, nenhum projeto de lei importante teve encaminhamento sem a audiência dos sindicatos de empresários e de trabalhadores. Empenhou-se na aprovação da lei sobre o reconhecimento do direito de greve, que encontrava-se há anos paralisada no Senado Federal.

Como Ministro do Trabalho, em 64 e 65, participou como chefe de delegação das Assembleia Gerais da Organização Internacional do Trabalho, deixando de ir às conferências a partir da nomeação como magistrado, em 1965. Por sua atuação nas conferências da Organização, foi nomeado para a Comissão de Peritos de Aplicação de Convenções. No exercício da função, deixou de representar o governo brasileiro, porque ela exigia autonomia, eis que funcionava como juiz, analisando as arguições que o Departamento de Normas Internacionais do Trabalho levantava em face dos relatórios anuais apresentados pelos governos, por exemplo, apreciando denúncias de violações de direitos sindicais.

Em 1965, foi nomeado Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, onde teve destacada atuação. Estreou divergindo da maioria, ao sustentar que a falta de reconhecimento da firma do embargante, não impugnado pela embargada, não deveria impedir o conhecimento do recurso. Disse, na ocasião, que consoante a orientação de Calamandrei, entre o formalismo da lei e a justiça, deve o juiz optar pela justiça. Saiu-se vencedor e o recurso foi conhecido.

Em 1975, em atendimento ao convite do Presidente Geisel, em relação ao qual já havia recusado a indicação para ocupar o cargo de Ministro do Trabalho, aceitou representar o Brasil no Conselho de Administração da OIT. Fê-lo penalizado, porque o Conselho tinha natureza política e a Comissão de Peritos era estritamente jurídica. Mas a substituição terminou revelando-se providencial, pois foi nessa qualidade, graças ao seu empenho e habilidade, que conseguiu trans­formar o Brasil em membro permanente do Conselho, no qual permanece até hoje. Os cargos permanentes ou não eletivos são ocupados pelos países que comprovam certa performance, mediante dados de caráter sócio-político. Na época, o Brasil ficara em 11º lugar. Com a saída do governo norte-americano do Conselho, em virtude de uma disputa entre árabes e judeus, Arnaldo fez discurso dizendo que o Brasil lamentava a ausência dos Estados Unidos, sugeria o seu breve retorno, mas que a circunstância implicava que o Brasil fosse declarado membro permanente. Alemanha, Inglaterra, Canadá e Japão uniram-se, sustentando que o não-preenchimento da vaga equivaleria a um convite implícito à volta dos Estados Unidos. Ele então, com veemência, replicou que o convite poderia ser implícito, mas seria uma agressão explícita à Constituição da OIT. Com a ajuda da França, da Itália, da África e da América Latina, prevaleceu a tese de que a atitude dos Estados Unidos fora política e que o Conselho estaria enveredando pelo mesmo caminho caso se recusasse a aceitar uma decisão essencialmente jurídica. Com isto, o Brasil tornou-se membro permanente do Conselho de Administração da OIT. Depois, os Estados Unidos voltaram, mas o Brasil permaneceu diante das novas estatísticas econômicas.

Esclareça-se que esse Conselho é o órgão dirigente da instituição, que elege o diretor executivo. Cinco anos depois, Arnaldo renunciou ao seu mandato, porque, para defender o governo brasileiro nas intervenções feitas em sindicatos metalúrgicos do Estado de São Paulo, teria de usar argumentos contrários aos de seus votos na Comissão de Peritos. Essa atitude teve tal repercussão no seio da OIT, que poucos meses depois Süssekind foi convidado a retornar à Comissão de Peritos.

O Ministro Süssekind é titular da cadeira nº 8 da Academia Brasileira de Letras Jurídicas, membro fundador e Presidente honorário da Academia Nacional de Direito do Trabalho, da qual é titular da cadeira nº 1, titular da cadeira nº 2 da Academia Brasileira de Previdência e Assistência Social, membro titular da Academia Iberoamericana de Derecho del Trabajo y de la Seguridad Social e de mais 18 associações culturais nacionais e estrangeiras.

É ainda Presidente do Conselho Editorial da Livraria Editora Renovar e do Conselho Editorial da Revista de Direito Administrativo, Irmão e Conselheiro de Mesa da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro, Patrono dos Advogados Trabalhistas e portador de 40 condecorações, nacionais e estrangeiras.

Participou de 183 congressos ou seminários nacionais, como conferencista ou autor de teses, 9 conferências interamericanos e 72 conferências ou reuniões internacionais.

Em 1942, o jovem Arnaldo publicava o seu primeiro livro, sobre a Justiça do Trabalho. É hoje autor e co-autor de 20 livros jurídicos, totalizando 29 volumes (alguns com mais de 20 edições publicadas), 41 opúsculos, tendo participado de 26 obras coletivas. “Instituições de Direito do Trabalho”, hoje com mais de 20 edições, é obra de consulta obrigatória nas universidades, concursos jurídicos e vida forense trabalhista.

O ministro Arnaldo Lopes Süssekind é constantemente chamado para abrilhantar eventos e tem o seu nome associado desde turmas de universidades até fóruns. A sua figura está indissoluvelmente ligada à CLT e à Justiça do Trabalho no Brasil, razão pela qual tem sido reverenciado em todas as homenagens comemorativas dos 70 anos da Justiça do Trabalho.

Estes são, em linhas gerais, apenas alguns aspectos da vida do Ministro Arnaldo Süssekind, prestes a completar 94 anos de idade. Um homem que sempre lutou, no Brasil e no exterior, onde é igualmente reverenciado, pela regulação das relações de trabalho como elemento de paz, inclusão social e desenvolvimento econômico. Atualmente defende a reforma da organização sindical, para assegurar a liberdade sindical plena; uma outra forma de tributação, incidente sobre os lucros empresariais e não sobre o salário; a limitação ao trabalho extraordinário, para a redução dos acidentes e enfermidades e abertura de novas oportunidades de trabalho; a flexibilização da CLT, para o atendimento a peculiaridades regionais, empresariais ou profissionais e adequação ao advento das novas tecnologias. Um ser humano empreendedor, generoso, vibrante, idealista, combativo, justo e extremamente ético. Um homem que trabalhou intensamente pelo Brasil, dono de um extenso currículo e de uma vida rica em realizações, tão bela quanto a vista que se descortina de seu apartamento na avenida Atlântica, em Copacabana, onde vive cercado do carinho e atenção da sua Olga e de sua invejável biblioteca. Numa mesinha de centro, reluzem mais de 40 condecorações, nacionais e estrangeiras.

Certa feita, disse à jornalista Virginia Santos Oliveira que:

“Se me dessem a oportunidade de escolher um super poder, gostaria de trocar de lugar com o tempo. Por um dia ou por algumas horas que fosse, gostaria de poder inverter os papéis e ficar só de longe, me divertindo com a correria dele”.

Concluo dizendo que se me dessem a oportunidade de escolher um super poder, escolheria viver com a longevidade, a intensidade, a humildade e o brilho de Arnaldo Lopes Süssekind.