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O protesto da sentença e a desjudicialização da execução

8 de julho de 2019

Juiz de Direito do TJRJ / Advogado Professor de Direito Processual Civil

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Introdução

O protesto extrajudicial alcançou status legislativo de verdadeiro veículo oficial de recuperação de crédito no Brasil, prevenindo litígios sob o ideário jurídico internacional da desjudicialização e da criação de meios alternativos à satisfação de direitos, consoante se constata da leitura da Lei Federal nº 9.492/1997 (como também já ocorre com a possibilidade de realização de divórcio, separação e inventário a cargo dos tabeliães de notas, por força da Lei Federal nº 11.441/2007). Na esteira desse entendimento, inclusive, recentemente, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou o Provimento nº 72/2018, que “dispõe sobre medidas de incentivo à quitação ou à renegociação de dívidas protestadas nos tabelionatos de protesto do Brasil”.

Com efeito, no Pedido de Providências nº 200910000041784, o CNJ confirmou não só a legalidade do protesto das sentenças judiciais como sua grande utilidade em nível nacional, como bem destacou a relatora, Conselheira Morgana Richa, verbis:

“Outrossim, forçoso registrar que o Judiciário e a sociedade suplicam hoje por alternativas que registrem a possibilidade de redução da judicialização das demandas, por meios não convencionais. Impedir o protesto de sentença transitada em julgado é de todo desarrazoado quando se verifica a estrutura atual do Poder e o crescente número de questões judicializadas. É preciso evoluir para encontrar novas saídas à redução da conflituosidade perante os órgãos judiciários…”

Aliás, esse tem sido o entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o protesto de sentenças judiciais. O Banco Central do Brasil, inclusive, já externou importante posicionamento institucional (na qualidade de regulador do mercado financeiro) no âmbito da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.135 (ADI nº 5.135), na condição de amicus curiae, a respeito da necessária atuação do protesto extrajudicial na recuperação dos créditos e resolução extrajudicial dos conflitos de crédito.

O protesto de decisões judiciais no novo CPC

O art. 517 do novo Código de Processo Civil (CPC) expressamente prevê o protesto extrajudicial de decisão judicial transitada em julgado. Nesse passo, vale ser destacada a lição de André Gomes Netto e André Villaverde de Araújo:

“O primeiro aspecto que deve ser analisado na referida norma é a opção do legislador em permitir o protesto de decisão (gênero). Tal opção permite a interpretação de que podem ser objeto de protesto: sentenças, decisões interlocutórias e acórdãos. A norma exige apenas o trânsito em julgado, não fazendo nenhuma diferenciação entre a coisa julgada material ou formal. Nesse passo, entende-se pela possibilidade de protesto de sentenças, acórdãos e decisões interlocutórias, desde que esgotados os prazos para recursos, ou seja, abrangido pelo efeito da coisa julgada. O novo CPC estabelece a diferenciação entre sentença e decisão interlocutória pelo critério de exclusão. É decisão interlocutória aquela que não for sentença. Assim, é necessário estabelecer o conceito de sentença para se chegar ao conceito de decisão interlocutória.

Nos termos do art. 203, do novo CPC: ‘(…) sentença é o pronunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento nos artigos 485 e 487, põe fim à fase cognitiva do procedimento comum, bem como extingue a execução’. Sentença é definida, portanto, como o provimento jurisdicional pelo qual o juiz, decidindo ou não o mérito, encerra uma face processual (cognitiva ou executiva), os critérios são cumulativos.

De outro lado, nos termos do § 2º do art. 203 do novo CPC: ‘Decisão interlocutória é todo pronunciamento judicial de natureza decisória que não se enquadre no § 1º’. Assim, uma decisão que tenha por fundamento o art. 485, do novo CPC (decisão sem resolução de mérito) e o art. 487 do novo CPC (decisão com resolução de mérito), mas que não coloque fim a uma fase cognitiva ou executiva será considerada uma decisão interlocutória, permitindo-se, portanto, a existência de decisão interlocutória abrangida pela coisa julgada material.

Outro limite estabelecido para o protesto de decisão judicial é a natureza da obrigação, permitindo-se apenas o protesto de decisão que condenar ao pagamento de quantia certa ou de conversão de pagamento em quantia certa da decisão que condenar em obrigação de fazer, não fazer ou entrega de coisa. Tal interpretação decorre da segunda parte do “caput” do art. 517, que exige o decurso do prazo previsto no art. 523, prazo este aplicável somente às decisões que condenarem o demandado ao pagamento de quantia certa ou decisão decorrente da conversão de condenação de fazer, não fazer, de entrega de coisa em obrigação de pagar quantia certa.”

A par dessa realidade, todo processo em que houver título executivo judicial definitivo este poderá ser protestado, independentemente da competência do Juízo de origem.

O protesto das decisões judiciais disciplinado no art. 517 do CPC deve ser priorizado antes da inclusão direta do nome do executado em cadastros de inadimplentes previstos no § 3º, art. 782 do mesmo diploma legal, por ser mais benéfico para o devedor

O protesto extrajudicial, sob a fiscalização direta do Poder Judiciário, é, assim, alternativa legal e segura com o consequente resguardo dos direitos dos devedores, face ao enfrentamento forense diuturno do problema da inclusão do nome de consumidores inadimplentes nos bancos de dados dos serviços de proteção ao crédito e congêneres, por vezes, sem a devida comunicação pessoal prévia e com aviso de recebimento. Nessas circunstâncias, o protesto dá segurança jurídica ao sistema, pois a sua intimação sempre será, em regra, pessoal, e reduz, consequentemente, o nível de discussões judiciais a respeito de se a efetiva ciência do devedor foi ou não configurada.

Atualmente, a “falta de notificação do devedor na inscrição de seu nome em órgãos de proteção ao crédito” ocupa a segunda posição no ranking das 20 causas que mais geram indenizações por dano moral em todo o Poder Judiciário brasileiro.

Somente quando esgotado o tríduo legal sem que o devedor tenha oferecido pagamento, o protesto será lavrado e registrado, tendo, aí sim, como consequência, o fornecimento de sua informação mediante certidão às entidades representativas da indústria e do comércio ou àquelas vinculadas à proteção do crédito, consoante o que dispõem os artigos 20 e 29 da Lei Federal nº 9.492/1997.

Nesse sentido a egrégia Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Rio de Janeiro, nos autos do Processo nº 2009-073886, já bem definiu os contornos jurídicos do protesto extrajudicial e sua garantia tanto para credores quanto para devedores, a partir de parecer, com caráter normativo e ainda em vigor, da lavra do então Juiz Auxiliar, Desembargador Cláudio Brandão de Oliveira, verbis:

“Primeiramente, devem ser destacados os contornos modernos que envolvem o protesto extrajudicial de títulos e outros documentos de dívida, como meio de se alcançar segurança jurídica no trato das relações econômicas entre particulares e naquelas abarcadas pelo Direito Público.

Em uma economia de mercado globalizado, como a que vivemos no Brasil, mostra-se fundamental a manutenção de um sistema jurídico que possibilite a efetividade dos direitos creditícios, inclusive dos entes públicos, através de mecanismos módicos, céleres e imparciais, a exemplo do que já se alcançou com a moderna Lei Federal nº 9.492/1997 dedicada ao protesto de títulos e outros documentos de dívida. Assim, o processo judicial não deve e não pode ser a única forma de composição dos conflitos de interesses no seio da sociedade.

No protesto extrajudicial quem é credor, ente público ou privado, de um título ou documento de dívida que contenha obrigação vencida e não paga tem a faculdade de agir para alcançar a prova plena do inadimplemento, independentemente da possibilidade ou não de executar a sua dívida.

O protesto de títulos e outros documentos de dívida são procedimentos chancelados com a fé-pública, que se traduz em segurança para o devedor, inspirados pelos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório, além de contar com a imediata fiscalização do Poder Judiciário. No que pertine ao devedor, constitui-se em medida muito menos gravosa do que o fornecimento promovido pelo credor diretamente às entidades vinculadas à proteção do crédito e àquelas representativas da indústria e comércio, quando da constatação da mora, uma vez que o mesmo devedor tem a chance de pagar sua dívida em cartório antes do lançamento de seu nome em tais cadastros restritivos de crédito, como corolário da lavratura e registro do protesto. Daí, a grave determinação do legislador inserta no art. 29, § 2º da Lei Federal nº 9.492/1997”.

A Relatora do Pedido de Providências n° 200910000045376, acolhido pelo Plenário do CNJ, Conselheira Morgana Richa, destacou, com bastante propriedade, que:

“Outrossim, constatado o interesse público do protesto e o fato de que o instrumento é condição menos gravosa ao devedor, posição esta corroborada pelos doutrinadores favoráveis à medida. O protesto possibilita ao devedor a quitação ou o parcelamento da dívida, as custas são certamente inferiores às judiciais, bem assim não há penhora de bens tal como ocorre nas execuções (..).”

No mesmo sentido, é o posicionamento do egrégio Supremo Tribunal Federal (STF), valendo destacar o voto do eminente Ministro Luis Roberto Barroso, relator da ADI nº 5.135, que convalidou a constitucionalidade do Protesto das Certidões da Dívida Ativa, de cuja ementa transcreve-se o seguinte trecho:

“3.2. (…) A medida é adequada, pois confere maior publicidade ao descumprimento das obrigações tributárias e serve como importante mecanismo extrajudicial de cobrança, que estimula a adimplência, incrementa a arrecadação e promove a justiça fiscal. A medida é necessária, pois permite alcançar os fins pretendidos de modo menos gravoso para o contribuinte (já que não envolve penhora, custas, honorários, etc.) e mais eficiente para a arrecadação tributária em relação ao executivo fiscal (que apresenta alto custo, reduzido índice de recuperação dos créditos públicos e contribui para o congestionamento do Poder Judiciário). A medida é proporcional em sentido estrito, uma vez que os eventuais custos do protesto de CDA (limitações creditícias) são compensados largamente pelos seus benefícios, a saber: (i) a maior eficiência e economicidade na recuperação dos créditos tributários, (ii) a garantia da livre concorrência, evitando-se que agentes possam extrair vantagens competitivas indevidas da sonegação de tributos, e (iii) o alívio da sobrecarga de processos do Judiciário, em prol da razoável duração do processo.”

O protesto extrajudicial das decisões judiciais deve ser desonerado para o credor

Os emolumentos cobrados pelos serviços notariais e de registro são tributos estaduais, na categoria de taxa, vinculados à prestação específica de serviço público de utilidade pública e com destinação especial, no caso das serventias privatizadas revertidos ao notário ou registrador.

Na esteira desse entendimento já se pronunciou o colendo STF desde a análise da Medida Cautelar em ADI nº 1.378/ES, publicada no Diário da Justiça em 30/05/1997. Contudo, o prazo de pagamento de tributos pode ser fixado em lei ou em ato infralegal, ou seja, pode ser feito (i) por lei, ou (ii) por ato do Chefe do Executivo, ou (iii) por ato do Poder Judiciário.  Ademais, a alteração de prazo para pagamento de tributos não se submete à anterioridade.

A medida ora proposta já é norma geral estabelecida, há muitos anos, no art. 325 do Código Civil e está coadunada com o art. 37, parágrafo 1º da Lei nº 9.492/1997, que assim dispõe:

“§ 1º Poderá ser exigido depósito prévio dos emolumentos e demais despesas devidas, caso em que, igual importância deverá ser reembolsada ao apresentante por ocasião da prestação de contas, quando ressarcidas pelo devedor no Tabelionato.”

Nesse sentido foi o pronunciamento administrativo do egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) ao editar o Ato Executivo Conjunto TJ e CGJ nº 07/2014, que permitiu que qualquer pessoa física ou jurídica, credora em uma decisão judicial transitada em julgado, pudesse ser dispensada do depósito prévio de emolumentos e dos demais acréscimos legais incidentes sobre o ato de protesto, cujos valores devidos serão exigidos dos interessados, de acordo com a tabela de emolumentos e das despesas reembolsáveis vigentes na data.

As vantagens do protesto: eficácia no recebimento de valores devidos e eliminação da fase judicial de “cumprimento da sentença”

Os benefícios a serem atingidos com a utilização do protesto como instrumento automático e imediatamente anterior à prática de atos judiciais executivos são evidentes. De um lado, evita-se a instauração da fase de cumprimento de sentença (antigo “processo” de execução) que, além de ocupar e movimentar a máquina do Judiciário com a prática de inúmeros atos de expediente, ordinatórios e decisórios, tem por característica histórica e marcante sua absoluta ineficiência e a consequente frustração do direito do credor reconhecido no provimento jurisdicional. Em outras palavras, no caso de execução frustrada ou infrutífera (bastante comum), não são apenas os atos praticados na fase de cumprimento de sentença que se revelam inúteis, mas também todos aqueles anteriores, praticados na fase cognitiva onde se buscou o reconhecimento do direito do autor.

Por outro lado, a apresentação da sentença a protesto fará com que o devedor seja intimado para efetuar o pagamento da dívida constante da sentença em três dias úteis, conforme preconizado na Lei nº 9.492/1997 e, caso não o faça, será lavrado o protesto e, reitere-se, aí, sim, seu nome será registrado em cadastros restritivos de crédito.

Levando-se em conta que o protesto também poderá ser tirado em casos de processos de execução em curso, uma nova e fundamental utilidade a ferramenta passa a ter: a eliminação de processos paralisados nas serventias judiciais, sem qualquer previsão de movimentação, fazendo com que estes processos possam ser extintos, baixadas as estatísticas de “processos em curso” e aumentada significativamente a eficiência do Tribunal no atingimento das metas fixadas pelo CNJ.

Conclusão

Por todo o exposto, é admito concluir que todos os caminhos levam à adoção do protesto de decisão judicial transitada em julgado, agora previsto expressamente no novo Código de Processo Civil, como instrumento útil, adequado e necessário para o Judiciário do Século XXI, cuja implementação e divulgação devem ser buscadas de forma prioritária pela Justiça Federal, do Trabalho e dos Estados e do Distrito Federal. Como se trata de medida que não é de todo nova, o que ainda está constituindo entrave à ampla utilização do protesto de decisão judicial e a consequente desjudicialização da fase executiva são questões de ordem extralegal: a) falta de instrumento de informática facilitador da extração da certidão de crédito e seu envio para o cartório de protesto. b) Divulgação entre os advogados e provocação por parte dos magistrados quanto à utilidade do protesto da sentença.

Notas_________________________________________________________

1 Vide o Conflito de Competência nº 118.819/MG (2011⁄0208876-0), 2ª Seção do STJ, relator Ministro Ricardo Villas Boas Cueva, julgado em 26/09/2012 e publicado no DJe em 28/09/2012.

2 Excerto: “80. (…) o protesto figura com proeminência no rol dos mecanismos de resolução extrajudicial dos conflitos de crédito. Caso não fosse autorizado ao credor protestar seu título, seguindo o atual regime jurídico do protesto notarial, certamente o Poder Judiciário estaria ainda mais sobrecarregado, com estoques imensos de ações de cobrança e execuções de títulos judiciais e extrajudiciais. 81. (…) o protesto é dotado da medida exata de coercibilidade, advinda da prova idônea e da publicidade inerente aos atos notariais, e de premonição frente ao devedor, de modo a contribuir eficazmente para a composição do débito. É nítido o seu caráter conciliatório. Os fatos corroboram essa assertiva”. (grifo do autor).

3 André Gomes Netto e André Villaverde de Araújo. Direito Imobiliário, Notarial e Registral: Perspectivas contemporâneas. Organizadores: Guilherme Calmon Nogueira da Gama, Carla Fernandes de Oliveira, 1ª ed. Rio de Janeiro: Lumen juris, 2017, p. 6 e 7.

4 www.nacaojuridica.com.br/2018/02/danos-morais-confira-as-20-causas-que.html?m=1 Acesso em 01/08/2018.

5 Publicado no DJERJ no Caderno I – Administrativo, págs. 16 e 17, em 13/04/2009, acolhido pelo Plenário do CNJ, nos autos do Pedido de Providências n° 200910000045376.

6 STF, Pleno, RE 140.669, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 18/5/2001/ STF, 1ª Turma, RE 253.295, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 19/11/1999.

7 STF, Súmula vinculante nº 50.

8 “Art. 325. Presumem-se a cargo do devedor as despesas com o pagamento e a quitação; se ocorrer aumento por fato do credor, suportará este a despesa acrescida”.