O papel da mulher no Poder Judiciário e no cenário brasileiro

17 de março de 2015

Ministra do Superior Tribunal de Justiça - Professora Universitária - Foi Presidente do Conselho Penitenciário do Distrito Federal.

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Laurita VazMais uma vez fui convidada pelos Diretores dessa prestigiada Revista para escrever breve nota acerca da importância da mulher no Judiciário Brasileiro, convite esse que sempre me deixa honrada.

Encaro a tarefa cônscia da enorme responsabilidade que é a de transmitir para as novas gerações um pouco da intrépida trajetória das mulheres no mercado de trabalho.

Hoje os jovens veem mulheres em postos de comando de setores públicos e privados sem muita estranheza e até com certo grau de naturalidade. Contudo, os mais velhos – e não tão velhos – certamente sabem que nem sempre foi assim, porque vivenciaram essa verdadeira revolução social.

Saltando a fase da revolução industrial do século XVIII e indo direto para a história mundial recente, notadamente durante a Segunda Grande Guerra, vimos mulheres deixarem seus lares e afazeres domésticos para integrarem-se à força de trabalho, invadindo ambientes predominantemente masculinos. De lá para cá, cada vez mais, a mulher foi modificando usos e costumes em diversas searas profissionais. A imagem de fragilidade e dependência foi se amoldando à nova realidade, forjada com muito sacrifício, determinação e empenho, vencendo preconceitos e derrubando tabus.

A mulher, nas últimas décadas, abriu espaços e vem ocupando postos de relevo no Poder Judiciário, justamente o mais conservador entre os Poderes da República. A saudosa ministra Cnéa Cimini Moreira de Oliveira, a quem rendemos homenagens, foi a primeira mulher a ocupar o cargo em um Tribunal Superior (TST) em dezembro de 1990. Em junho de 1999, a eminente ministra Eliana Calmon, magistrada de carreira da Justiça Federal, foi a primeira a ocupar um assento no Superior Tribunal de Justiça (STJ), dez anos depois de inaugurado. Depois dela, outras vieram. Atualmente, somos apenas seis dentre 33 ministros. Em dezembro de 2000, toma posse a primeira mulher a integrar a mais alta Corte do P aís: a ministra Ellen Gracie Northfleet, que ainda exerceu a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) por dois anos, antes de encerrar sua ilustre trajetória no Judiciário brasileiro em 2011.

No cenário jurídico internacional, merece especial destaque a brilhante carreira de Sylvia Helena de Figueiredo Steiner, magistrada brasileira que integrou o Tribunal Penal Internacional em março de 2003, com mandato de nove anos.

Diferentemente do que ocorre nas Cortes Superiores, a proporção de mulheres na Justiça de primeiro grau reflete melhor o espaço que tem sido conquistado por candidatas que, cada vez mais, são aprovadas nos concursos públicos para ingresso na magistratura e também no Ministério Público, dividindo em números quase paritários os cargos de juízes e de promotores de justiça.

Todavia, quando se trata das instâncias superiores e de cargos providos por indicação, o que se tem é diminuta participação feminina. Esses dados não traduzem falta de competência ou merecimento por parte das mulheres, mas, sim, a existência de dificuldades para transitar em espaços políticos historicamente ocupados por homens.

Quando se chega ao ápice da carreira jurídica, a disputa não depende mais de um concurso público de provas e títulos, mas de abertura política e de reconhecimento dos próprios pares, na maioria homens, que, muitas vezes, dificultam o acesso das mulheres.

Para as novas gerações, hoje, não é concebível sequer cogitar da exclusão da mulher do cenário social e político da nação. Contudo, é bom lembrar que o simples ato de votar é um direito fundamental que só foi conquistado, e com grande resistência, em 1934, quando tudo que a sociedade esperava da mulher brasileira era a total dedicação às tarefas domésticas e a criação da prole.

O desate das amarras que a prendiam, submissa, junto aos deveres do lar passou, de forma crescente nos últimos anos, pela elevação do grau de escolaridade. Sem embargo, ainda se espera da mulher, de forma ostensiva ou disfarçada, a mesma dedicação aos afazeres domésticos de outrora.

As mulheres, nesse contexto, têm de se desdobrar para cumprir dupla jornada: uma no exigente mercado de trabalho, onde sempre precisam renovar a prova de sua capacidade, e outra em casa. Alguns homens vivem certa “crise de identidade”: não detêm mais a exclusividade do papel de provedor e, ainda, se veem chamados a colaborar em atividades domésticas que antes não eram da sua incumbência.

Essa reacomodação de papéis, creio, ainda vai perdurar por mais algumas décadas. Enquanto isso, nota-se certo desconforto entre homens e mulheres, que não sabem, com certeza, se estão cumprindo bem o seu papel nos grupos sociais aos quais pertencem, o que, frequentemente, gera uma série de angústias e frustrações.

A despeito das barreiras existentes e do longo caminho que ainda há a ser desbravado, temos o que comemorar. É inegável o progresso das mulheres na sociedade brasileira, galgando importantes cargos nos altos escalões do governo federal e dos estados, e na iniciativa privada.

No Congresso Nacional, ainda é tímida a participação das mulheres, que não chegam a 15% do número de parlamentares: são 12 senadoras e 45 deputadas federais na atual legislatura.

Na cúpula do Poder Judiciário, um dos mais apegados à tradição e ao conservadorismo, as mulheres vêm rompendo antigas barreiras: há duas magistradas, entre 11, no STF; no STJ, somos seis em 33; no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), duas em sete; no TST, cinco em 27; e no Superior Tribunal Militar (STM), uma, pela primeira vez, em 15: a ministra Maria Elizabeth Rocha, que ocupa hoje a presidência.

Há ainda bravas mulheres nas forças armadas e forças auxiliares, no comando de aeronaves comerciais, na direção de grandes empresas e também na construção civil, mercado antes exclusivo dos homens.

Conquistas importantes para a mulher brasileira foram concretizadas também no ordenamento jurídico, valendo ressaltar a Constituição Federal de 1988, que enuncia a igualdade de tratamento, sem distinção de sexo; o Código Civil Brasileiro de 2002, que reafirma o princípio da igualdade nas relações conjugais em vários de seus dispositivos, adotando a nova concepção de família dada pela Constituição Federal, fundada nos princípios igualitários e democráticos, em que se preconiza a direção conjunta da sociedade conjugal e administração dos bens comuns, além da igualdade no exercício do poder familiar; a Lei nº 11.340/2006, conhecida como “Lei Maria da Penha”, é mais importante marco no combate à violência doméstica e familiar contra a mulher.

Tudo isso advém de longo processo sociológico que, pela própria natureza, não mostra resultados do dia para a noite, mas que precisa ser lembrado e combatido de forma contínua, para que as conquistas reflitam nesta e nas futuras gerações.

Esse progresso, infelizmente, ainda não é a realidade de muitas mulheres, mormente quando se olha para as classes sociais menos favorecidas, as quais ainda são vítimas de maus-tratos, violências, opressão e toda sorte de discriminações. Para essas o tempo parece correr bem mais devagar.

Por isso, ao mesmo tempo em que fico feliz pelos avanços alcançados, entristeço-me por aquelas que ainda não vivem a plenitude da liberdade e igualdade de oportunidades. Essas mulheres desprotegidas, com baixo grau de instrução, sem trabalho digno e sem horizontes necessitam da ajuda das autoridades constituídas, da ajuda da comunidade, da nossa ajuda para, juntos, abrirmos trilhas, buscarmos veredas e encontrarmos soluções.

No dia 8 de março de 1857, operárias de uma fábrica de tecidos, na cidade norte-americana de Nova Iorque, fizeram grande mobilização para reinvindicar melhores condições de trabalho e equiparação de salários com os homens. A manifestação foi reprimida com violência extrema. As mulheres foram trancadas dentro da fábrica, que foi incendiada.

Aproximadamente 130 tecelãs morreram carbonizadas. Em 1910, durante uma conferência na Dinamarca, decidiu-se que, por isso, o 8 de março passaria a ser o Dia Internacional da Mulher, em homenagem àquelas corajosas mulheres que deram suas vidas em defesa de seus direitos. Em 1975, um decreto da ONU oficializou a data comemorativa.

Nesta data, em que se comemoram a grandeza e a importância da mulher, espera-se que essas incansáveis lutadoras, que são o esteio do lar, a estrutura da família, possam viver plenamente sua cidadania e ser mais felizes.

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