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“O ministério público ainda mais atuante”

31 de julho de 2009

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Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na posse do Procurador-Geral da República, Roberto Monteiro Gurgel

“É com muito orgulho que participo hoje da posse do Dr. Roberto Monteiro Gurgel como Procurador-Geral da República. Sua carreira de serviços ao Estado e seus profundos conhecimentos jurídicos fazem dele a pessoa ideal para dar seguimento à brilhante atuação que o Ministério Público da União vem tendo nos últimos anos. Estou certo de que a exemplo dos procuradores-gerais anteriores, Cláudio Fonteles e Antonio Fernando Souza, a atuação de Roberto Gurgel irá contribuir para que o Ministério Público seja ainda mais atuante na defesa dos direitos de todos os cidadãos brasileiros.
Como os senhores e senhoras bem sabem, esta é a quarta vez que indico para este cargo o membro da carreira que foi o mais votado entre os seus pares. Com isso, busco principalmente reforçar a independência e a solidez do órgão.
Vivemos afinal um momento auspicioso em nossa história, marcado pela solidez das instituições democráticas. Esse é um verdadeiro tesouro para uma nação como a nossa, que já enfrentou longos regimes autoritários, mas que hoje só aceita viver sob uma democracia cada vez mais profunda.
Nesse sentido, é fundamental que se afirme, cada vez mais, a independência da Procuradoria-Geral da República, instituição fundamental para a defesa do Estado Democrático de Direito.
A relação entre o Poder Executivo e o Ministério Público foi sempre equilibrada e respeitosa e tenho certeza de que continuará sendo. É preciso que o órgão continue tendo, como tem hoje, a liberdade para combater todas as ameaças aos direitos dos brasileiros, e que mantenha e aprofunde a cooperação com os outros Poderes, inclusive com o Executivo. É o caso das operações em conjunto com a Polícia Federal que tanto têm contribuído para combater crimes que vão da corrupção à área ambiental, entre outros.
Outro desafio do novo Procurador-Geral, que também assume hoje o Conselho Nacional do Ministério Público, é contribuir para o aprimoramento da Justiça brasileira. O Conselho faz parte do grande esforço coletivo e democrático que une os três Poderes da República na reforma do Judiciário. Trata-se de uma iniciativa com resultados comprovados, que renovou e fortaleceu a confiança da sociedade brasileira no sistema judiciário. A verdade é que ao longo desses quase 21 anos de promulgação da nossa Constituição, a sociedade brasileira passou a ter mais consciência dos seus direitos. E é por isso mesmo que a reforma do Judiciário busca garantir, acima de tudo, uma justiça cidadã, próxima à população e de acesso universal facilitado.
Quero, portanto, desejar muito sucesso para o Dr. Roberto Gurgel nessa sua nova missão tão repleta de desafios. Tenho a mais absoluta convicção de que, durante o seu mandato, o Ministério Público servirá ainda melhor à única autoridade a quem deve responder: a população brasileira.
Meu caro Roberto Gurgel, já cumpri minha formalidade aqui de ler o meu discurso, mas como este é o último que eu vou fazer como Presidente na posse de um Procurador, me permita, não em tom de despedida, porque quando você for substituído ou for mantido, será outra pessoa que irá indicá-lo, dizer algumas coisas aos procuradores e sobretudo a você, como Procurador-Geral.
Primeiro, o critério da escolha do primeiro nome da lista. Não pense, meu caro Antonio, meu caro Gurgel, Cláudio Fonteles não sei se está aqui. Primeiro, vocês foram indicados sem que eu conhecesse vocês. E o Gurgel eu fiz questão de só conhecê-lo depois de indicá-lo, depois de aprovado pelo Senado. Porque não faltam pessoas no Brasil que acham: “Presidente, o senhor não precisa indicar alguém da lista. O senhor não precisa indicar o primeiro. O senhor é dono da indicação. Faça o seu jogo, Presidente. O senhor tem que indicar alguém que seja da sua extrema confiança, Presidente. Portanto, o senhor pode indicar qualquer pessoa, não precisa ser um deles”.
E por quê que eu indico o primeiro da lista, sem conhecer as pessoas? Primeiro por garantia minha. Se amanhã alguém disser que o Procurador-Geral não é bom, eu digo: a culpa é da categoria.
Quem o conhece bem é a categoria, não sou eu. Então, no fundo, no fundo, Gurgel, não é apenas bondade e ação democrática, não. É a garantia institucional da pessoa que eu indiquei. Como é que eu posso indicar algum amigo meu? Não quero fazer um jogo de compadrinho. O Ministério Público não foi criado para atender aos interesses do Presidente. Então como é que eu vou indicar um amigo meu? Porque se eu indicasse um amigo meu, já começaria o seu mandato sob suspeita. E eu não quero que nenhuma instituição trabalhe sob suspeita. O mesmo comportamento que eu tenho no Ministério Público, eu tive na Suprema Corte. Talvez eu seja o Presidente que mais tenha indicado Ministro da Suprema Corte. Nenhum deles foi ou é amigo pessoal meu. Alguns eu indiquei sem conhecer.
Agora, qual é o comportamento do Presidente da República? Primeiro, se cercar de informações de vários setores da sociedade pra avalizar as pessoas que estão indicando. Não pense que eu não consultei muita gente para que Vossa Excelência fosse indicada, não. Não pense. Consultei, ouvi muita gente falar do Wagner, muita gente falar da Doutora Ela, muita gente falar de você. Ou seja, um critério de aferição que, este sim, eu tenho autoridade de aferir. Quem é que, segundo a característica de um conjunto de pessoas, seus amigos e não amigos, me deram para que eu pudesse decidir sobre o Doutor Gurgel para ser Procurador-Geral da República. E eu deito com a consciência tranquila. Não conheço o Doutor Wagner, não conheço a Doutora Ela, que disputaram as três vezes.
Não conheço, portanto não tenho nada contra. Mas eu sou obrigado a escolher pelo que eu tenho a favor. E o que eu tenho a favor, primeiro, é o número de votos que Vossa Excelência teve junto ao Ministério Público. E, segundo, as informações. As pessoas gostam mais de você do que você pensa. Tem muita gente no anonimato aí que lhe conhece bem e que conhece a sua história e que conhece o seu comportamento e que conhece a sua seriedade. E posso lhe dizer uma coisa: conversei com grandes personalidades do Poder Judiciário desse país a seu respeito e nenhum nunca disse: “Ele vai ser leal a você, Presidente.” O que as pessoas diziam é que você seria muito sério na condução do Ministério Público. Portanto, quero lhe dizer de coração que a sua escolha tem um leque maior de apoio do que os votos que você teve na disputa interna.
A segunda coisa que é importante falar é que, vira e mexe, a gente tem que explicar para a imprensa brasileira porque tem aumentado o número de denúncias de corrupção nesse país. Porque corrupção, ela aparece exatamente quando você combate. Porque você tem algumas facilidades. Você pode engavetar processo, você pode aceitar a pressão do Poder Legislativo, você pode aceitar a pressão do Poder Executivo, você pode aceitar a pressão da imprensa, que, às vezes, quer condenar antes do processo ser feito corretamente. Então tem vários campos de pressão que você pode ceder. Mas a única coisa que dará tranquilidade a alguém que tem o poder do Procurador-Geral da República e dos membros da Procuradoria é eles terem como o único fator de pressão, como o único balizador da sua consciência, as garantias constitucionais para fazer as investigações que tem que fazer.
Porque, caso contrário, nós estaremos absolvendo culpados e condenando inocentes. E não pode ter nada pior do que um procurador, um político, qualquer ser humano, procurar fazer da sua atividade profissional, que pesa muito sobre a liberdade das pessoas, um show de pirotecnia antes de ter um processo final apurado, indiciado e julgado. É isso que permite que a gente deite todo santo dia na cama, encoste a cabeça no travesseiro, e possa dizer: “Hoje eu cumpri por mais um dia a minha função com a lisura que o poder da instituição exige que eu tenha cumprido”. E eu não tenho dúvida, Dr. Gurgel, de que, nesse um ano e meio de convivência que vamos ter, você pode ter a certeza — vou repetir aqui o que eu disse ao Claudio Fonteles, o que eu disse ao Antonio Fernando, e vou dizer a você — jamais farei um pedido pessoal à Vossa Excelência. Jamais colocarei um alfinete para atrapalhar qualquer investigação nesse país.
A única coisa que eu peço é que uma instituição que tem o poder do Ministério Público brasileiro, garantido pela Constituição, tem o direito e a obrigação de agir com a máxima seriedade, não pensando apenas na biografia de quem está fazendo a investigação, mas pensando, da mesma forma, na biografia de quem está sendo investigado. Porque nós não temos o direito de cometer erros, condenar. Porque no Brasil as pessoas são condenadas antes. No Brasil, dependendo da carga de manchete na imprensa, a pessoa já está condenada. Depois não adianta ser absolvido que não valeu nada aquilo. A pessoa já está condenada. Então, é importante que a gente tenha essa responsabilidade, que faça as coisas com a maior lisura. Posso lhe dizer aqui, na frente dos procuradores, que da parte desse governo você só irá encontrar mais flexibilidade na abertura das portas para que o Ministério Público possa cumprir com a sua função magnânima que os constituintes de 88 deram ao Ministério Público. Por favor, não jogue fora, porque um dia vai aparecer alguém que acha que vocês são demais, que vai mandar mudança pro Congresso Nacional.
Por favor, não jogue isso fora. Porque, daqui a pouco, aparecerá dentro do Congresso Nacional, alguém que se sinta perseguido por vocês e proponha mudança. E nós sabemos que a mudança nunca será pra mais liberdade. Será pra mais castramento.
Por isso, meu caro, você toma posse hoje, é tudo festa. Mas, a partir de amanhã, é dia de luta e que Deus te ajude. Boa sorte ao Dr. Gurgel e boa sorte a vocês.