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O IAB e a reforma política: uma leitura compreensiva dos resultados do seminário

17 de agosto de 2015

Membro do Conselho Editorial / Professor Titular Emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UniRio)

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aurelio_wanderO Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) promoveu, recentemente, seminário sobre a reforma política, presidido por Técio Lins e Silva, com a participação de renomados advogados e cientistas políticos que avaliaram a democracia representativa no Brasil nos seus mais diferentes aspectos, inclusive a sua capacidade para transformar em políticas de governo as demandas da sociedade. Preliminarmente, todavia, a observação mais contundente deveu-se à constatação de que as práticas de governo, se não exatamente correspondem às expectativas da sociedade, têm comprometido o Estado brasileiro, demonstrando que, para evitar a sua corrosão natural, tornou-se imprescindível a redefinição dos mecanismos eleitorais de representação parlamentar e, não apenas, a reavaliação da relação entre os dois âmbitos essenciais do poder político Executivo: a Chefia do Estado e a Chefia de Governo.

O Senador Bernardo Cabral, com a sua experiência de Relator da Assembleia Constituinte de 1987/88, com base em cautelosa leitura, destacou que o voto popular, no sistema representativo, deve ser absolutamente respeitado em qualquer dos sistemas que a ordem estabeleça, demonstrando que o sistema majoritário viabiliza o processo eleitoral do Presidente da República e de Senadores. Por outro lado, os sistemas de voto próprios das eleições legislativas, no caso brasileiro, muito especialmente o proporcional, não podem permitir que o eleitor vote em seu candidato e eleja, por força da formação dos quocientes partidários, outro candidato com o qual não tenha qualquer identidade. Em percuciente leitura, preocupado, preliminarmente com a natureza concentrada do presidencialismo brasileiro, que permeia o Poder Legislativo, demonstrou, recuperando a memória constituinte, que o instituto da “medida provisória”, eficiente instrumento parlamentarista de governo, como se pretendeu na redação final do Projeto de Constituição, com o fortalecimento da resistência ao parlamentarismo, foi transformado em intempestivo instrumento presidencialista intervencionista de definição emergencial de políticas de governo, ultrapassando seus próprios limites constitucionais, sucessivamente.

A Desembargadora do Tribunal Regional Eleitoral Ana Basílio, que mediou este evento, manifestando-se sobre a matéria, abriu o espaço de exposição para o Ministro Ex-Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Nelson Jobim, que, ao desenvolver a sua análise ao modelo de Marx Weber, falou da tipologia prática do processo de formação do quociente eleitoral dos partidos. Na sua especial percepção, demonstrou a capacidade de o próprio sistema proporcional corroer a sua própria pureza, senão no contexto de sua lógica no somatório dos interesses partidários, para, matematicamente, viabilizar a sua finalidade de conquistar o maior número possível de vagas, de certa forma revertendo a legitimidade e o equilíbrio das prescrições legais. Essa postura, com certeza (tem) influi(do) sobre os modelos de financiamento público de campanha, favorecendo sempre o partido majoritário, justificando, por outro lado, o papel remanescente do financiamento privado, pessoal ou empresarial.

A Constituição, a alma mater da democracia representativa brasileira, promulgada no imediato ano que antecedeu o Muro de Berlin, mesmo no contexto de seus grandes avanços sobre os direitos de cidadania, não reformatou o federalismo brasileiro, mantendo a sua estrutura centralizadora alimentada pelo sistema proporcional, que, todavia, poucos anos depois de sua promulgação, em plebiscito, não conseguiu viabilizar a última tentativa de harmonizar a relação Executivo e Legislativo por meio do presidencialismo-parlamentarista, como em tantas nações desenvolvidas da Europa e nem mesmo um presidencialismo congressual como nos Estados Unidos da América (EUA). Esta resistência federalista-presidencialista evitou que, na reta final da promulgação constitucional, não se inviabilizasse a mudança do sistema eleitoral, salvo na supressão dos excessos impostos pelo presidencialismo autocrático nos anos que sucederem a 1964/68, permanecendo assim a eleição majoritária para presidentes e senadores e as eleições proporcionais, como ocorrera em 1946, repetindo 1932, para os cargos legislativos, federais, estaduais e municipais.

É bem verdade que, na história brasileira, as grandes mudanças políticas evoluíram dos movimentos políticos militares intervencionistas, como ocorreu com a promulgação da República em 1889/1891, que, na sua vocação municipalista, introduziu o voto distrital, que, novamente como resultado da ação revolucionária de 1930 foi revogado por força da promulgação presidencial revolucionária do Código Eleitoral de 1932, que introduziu o voto proporcional (combinado com o voto profissional) para as eleições parlamentares em todos os níveis legislativos, enfraquecendo o poder local municipal e os seus oligarcas. Mas esse foi o dilema de 1932 (gênese do voto proporcional), que presidiu a Constituinte de 1933, ao procurar viabilizar, como já estava no Código Eleitoral, uma forma mista entre o voto proporcional e o voto corporativo (por categoria e profissional) para a eleição de deputados, sendo que o primeiro abria-se para os eleitores, inclusive incorporando o direito de voto das mulheres e o segundo para a eleição de dirigentes profissionais (sindicais).

Este modelo resultou em efetivo fracasso que conduziu à estrutura autoritária de 1937/45, desmontada em 1945/46 e reconstruída na forma do Código Eleitoral de 1950, que manteve o modelo do voto proporcional para os legislativos e definiu o voto majoritário como instrumento eleitoral presidencialista. Este mesmo fenômeno de herança intervencionista, vazado pelo voto corporativo, novamente se manifesta com a promulgação do Código Eleitoral de 1965, autocrático no reconhecimento da eleição indireta para Presidente e, novamente proporcional como instrumento eleitoral legislativo, suscetíveis aos mais diferentes tipos de “casuísmos”. Isto, senão absolutamente, significa que a história do recente federalismo presidencialista brasileiro, que sucedeu a 1930, indica provável e razoável relação de sustentação parlamentar, do modelo presidencialista concentrado, por duas simples razões: o sistema proporcional, viabiliza resultados majoritários nos estados e no Congresso, por um lado, e, por outro, intercepta a dimensão real do município na União.

Foi Francisco Dorneles, Vice-Governador do estado do Rio de Janeiro, político de grande experiência na administração pública e no legislativo, que efetivamente colocou como tema de sua exposição as agruras eleitorais em confronto com as novas e necessárias aberturas do sistema representativo eleitoral brasileiro, sem que evoluísse em profundas críticas a sua funcionalidade. Discorreu, no entanto, conceitualmente sobre os efeitos do voto majoritário, o voto proporcional e o voto distrital, não deixando de indicar os vícios do voto proporcional e suas trágicas influências sobre os quocientes eleitorais, ao permitir que, mal utilizado, viabilize os candidatos de grande força na mídia ou mesmo nos esportes ou nas religiões arrastem multidões, fortalecendo o quorum partidário, mas priorizando, muitas vezes, candidatos desqualificados eleitoralmente. Não poderia deixar de observar que foi o economista e cientista político Sergio Abranches que dimensionalizou, em outra mesa, a dimensão internacional dos institutos, mostrando inclusive muitos dos efeitos quantitativos do voto proporcional e as suas especiais condições de sobrevivência, mesmo em países emergentes.

Ocorre que essa leitura articulada do Vice-Governador Dorneles, aplicada por Sergio Abranches, embora criasse as condições suficientes para que o Ex-Deputado Aldo Arantes, na sua exposição, também da Comissão de Reforma Eleitoral do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), pautasse seu pronunciamento na defesa das forças populares, que, independentemente, de fortalecer as estruturas partidárias, e não o candidato isoladamente, tem amplo alcance representativo na formação das maiorias legislativas da União e do estado, quase sempre resguardando as sintonias necessárias entre estado federado e União, sendo que não foi este mesmo efeito observado sobre os municípios, o que em tese subtrai do voto proporcional como se verifica, a sua força municipalista, deixando que se reconheça o voto proporcional, como o voto que parlamentarmente sustenta o modelo majoritário concentrado.

De qualquer forma, muito insistiu o expositor em mesa coordenada por Carlos Roberto Schlesinger, do qual participou o próprio autor deste artigo, que o país precisa, paralelamente às questões da representatividade, discutir as grandes questões das Reformas de Base, não apenas recondicionar a economia, como também reverter as grandes concentrações de mercado, as fontes de renda e distribuição de riqueza. Nesse sentido, não é necessário, novamente, observar a força modificativa das estruturas, mas deve-se concentrar nos espaços municipais, em que o voto distrital mais serve para garantir as mudanças de demandas diretas da população. O Brasil é um país de municípios à medida que os estados e a União são abstrações políticas e jurídicas.

Finalmente, esses painéis como um todo evoluíram em grandes discussões sobre a reordenação eleitoral brasileira, o que permite fazer as seguintes observações conclusivas:

No fundo, foi efetivamente discutido o problema brasileiro atual da separação (desconexão) entre a Sociedade e o Estado, em primeiro lugar porque as normas eleitorais, em geral, estão descoladas da sociedade, prejudicando decisivamente, os mecanismos eleitorais de representatividade política, e, em segundo lugar, os poderes entre si se desarticularam. Por isto, não exatamente os rumos e propósitos do Poder Executivo (Presidencialista) são os rumos e propósitos do Congresso Nacional e não dos municípios ou áreas urbanas concentradas, que teriam forte representação legislativa, fosse o voto distrital.

O Congresso Nacional está tomado por um acentuado volume de frações que traduzem a realidade de cada partido e não dos partidos como um todo. Os partidos estão mergulhados em uma profunda crise de identidade ideológica, onde frações de esquerda (e centro esquerda) se movimentam à direita e frações de direita (e centro direita) se movimentam à esquerda, atuando na exclusiva ação “casuísta”, sem que tenham um projeto de regime político para o Brasil e nem mesmo de forma de governo.

Por outro lado, o governo do Poder Executivo presidencialista se debate entre os seus propósitos eleitorais (de 2014) e as exigências de profundas modificações da vida econômica brasileira, que não representam a sua plataforma eleitoral (de 2014). Muito ao contrário, ficou inviável o continuísmo da política econômica social-assistencialista, prejudicada pelos seus próprios excessos, pois, para evoluir, precisa evoluir do apoio do Congresso fracionado e na linha de retomada dos contrafortes do Estado social-liberal (ou neoliberal).

No fundo, o país mergulhado em profunda crise política necessita de nova avaliação, de mais conveniente “forma de governo”, o que se demonstra no momento em que se incentiva o fortalecimento do papel do Vice-Presidente da República como Coordenador, de articulação governamental junto ao Congresso, com vistas à execução de políticas de resposicionmento do Estado. Afinal, estamos evoluindo para um presidencialismo parlamentarista ou para uma redefinição presidencialista.

Os indicativos clássicos de discussão demonstram que nossa Democracia evolui, senão para a forma impura de governo, que se denomina “demagogia” ou para a forma impura proposta por Maquiavel, que se intitula “oclocracia”. No primeiro caso, governa-se desobedecendo às leis e permitindo o caos social. No segundo caso, as instituições ficam ao sabor do irracionalismo das multidões, com o domínio das massas sobre o poder, ou dos interesses dos governantes, levando à instabilidade do Estado pelos desvios e excessos governativos. Os pressupostos de governo deixam de responder os propósitos de Estado.