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O crescimento do Brasil depende de um sistema de patentes confiável

4 de dezembro de 2020

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Ataques ao dispositivo da Lei da Propriedade Industrial causam insegurança jurídica, ameaçam empreendedores e prejudicam a atração de investimentos privados

A edição de 2020 do Índice Global de Inovação, indicador econômico divulgado pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), trouxe o Brasil em 62º lugar entre 131 países. A posição é inferior ao potencial da nona maior economia do mundo (CNI).

Um dos elementos que o País deve aprimorar para subir neste ranking é o seu sistema de patentes. Ele precisa ser ágil no processamento de pedidos e confiável do ponto de vista jurídico, de modo a dar segurança aos empreendedores e estimular investimentos em novos produtos e serviços.

Com mais patentes, novos produtos e serviços inovadores podem chegar ao mercado nacional. Também podemos ter mais contratos de licença de transferência de tecnologia, que permitem o desenvolvimento de novas cadeias produtivas no Brasil e mais investimentos.

Justamente quando o País mais precisa de inovação para alavancar a infraestrutura de 5G, o combate à pandemia de covid-19, a retomada do crescimento econômico e o combate à desigualdade, o já combalido sistema de patentes nacional é alvo de ataques oportunistas. O objetivo é aumentar, no curto prazo, os lucros com vendas de cópias importadas dos mais diversos produtos e serviços, especialmente medicamentos, às expensas da sustentabilidade de um ambiente propício para inovação e desenvolvimento no Brasil. A implementação do 5G, que envolve um projeto complementar de universalização do acesso à rede móvel no Brasil, não prosperará no País se houver dúvidas quanto à proteção patentária.

O atual ataque tem como foco invalidar o parágrafo único do art. 40 da Lei n º 9.279/1996 (Lei da Propriedade Industrial – LPI), que garante um prazo mínimo de dez anos de vigência a uma patente, caso o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) demore mais de dez anos para concedê-la.

Aqueles que atacam o dispositivo afirmam que ele incentiva titulares de pedidos a atrasarem seus pleitos perante o INPI com o objetivo de maximizar retornos.

Nada mais afastado da realidade, conforme atestam os números da OMPI/ONU e do próprio INPI. Em 2013, a cada dez pedidos internacionais de patente, apenas um era depositado no Brasil (fase nacional). Em 2018, a média caiu para um pedido depositado no INPI a cada 20 pedidos internacionais, aproximadamente.

Se focarmos nas invenções de telecomunicações, maiores clientes do sistema de patente brasileiro, entre 2013 e 2018, os cinco maiores depositantes de pedidos de patente perante o INPI trouxeram para o Brasil apenas 11,02% do total de pedidos que depositaram internacionalmente. Não há forma mais objetiva de demonstrar que:  i) não existem muitos pedidos de patente depositados perante o INPI para atrasar o trabalho da autarquia; e ii) há evidente necessidade de celeridade e segurança jurídica para atração de empreendedores.

Infelizmente, o INPI levou, em média, 13 anos e dois meses para iniciar o exame dos pedidos de patente dos mesmos cinco maiores titulares, no mesmo intervalo estudado de cinco anos. Treze anos!  Os titulares dos pedidos precisam aguardar o início do exame, sem que possam tomar qualquer medida, e pagar anuidades apenas para manter o pedido na fila, a partir do terceiro ano do depósito.

Hoje, 42.08% das patentes em vigor no Brasil têm prazo de validade de 10 anos contados a partir da concessão. Violar o direito adquirido e anular 24.421 patentes será devastador para as telecomunicações – pois esse número representa 91,19% de suas patentes no País. O mesmo vale para as áreas farmacêutica e de biotecnologia, em que, respectivamente, 69,55% e 72,22% das patentes em vigor seriam anuladas.

O ataque ao direito adquirido e às patentes concedidas com base no parágrafo único do art. 40 terá um efeito igualmente devastador para os titulares brasileiros — empresas privadas e instituições que investiram em P&D e perseveraram por um longo período de incertezas no INPI. O gráfico e a tabela comprovam que titulares brasileiros podem perder mais de quatro mil patentes:

O ataque está sendo empreendido em duas frentes. No Supremo Tribunal Federal, pela Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5529, que desafia o art. 40, parágrafo único da LPI. No Tribunal de Contas da União (TCU), o questionamento é feito pelo Acórdão 1199/2020, referente à auditoria do programa do INPI de combate ao seu backlog. Em ambos, há um equívoco em não considerar que o parágrafo único garante um prazo mínimo para o inventor exercer o principal direito conferido por uma patente, nos casos de mora do INPI acima de dez anos: o de impedir que terceiros explorem indevidamente a invenção.

No TCU, as metodologias utilizadas para a análise do impacto no Sistema Único de Saúde (SUS) são questionáveis do ponto de vista econômico, por terem considerado apenas uma perspectiva de impacto, em detrimento de centenas de outras — e isso foi o principal fundamento para defender a revogação do dispositivo. O teor do acórdão indica ainda potencial extrapolação de competência constitucional da auditoria do TCU.Há falhas estruturais na seleção das patentes analisadas. Em parte delas, nem sequer havia impedimento para a entrada de concorrentes. Assumiu-se que, sem as patentes, haveria ampla concorrência a reduzir o preço. Contudo, não foi considerado que, nas compras do Ministério da Saúde em 2019 e 2020, 65% do valor total contratado foi desembolsado via dispensa de licitação. Muitas delas via Parceria de Desenvolvimento Produtivo (PDPs).

Segundo a Controladoria-Geral da União (CGU), conforme dados de 2018, as PDPs celebradas entre o Ministério da Saúde e a Fiocruz geraram prejuízo de R$ 120,9 milhões. O custo total do programa das PDPs foi de R$ 18,7 bilhões para os cofres públicos. As PDPs chegaram até à operação Lava-Jato, no escândalo da Labogen e EMS, em 2014-15. A Polícia Federal e a CGU vêm realizando dezenas de operações para desmantelar esquemas criminosos, seja no contexto da pandemia seja fora dela. Não foi considerado pelo TCU o custo da corrupção no mercado público de compras e repasses financeiros do SUS.

Se a preocupação é reduzir gastos com compras do SUS, há meios menos danosos ao sistema brasileiro de patentes. Por exemplo, modificando o modelo de dispensa de licitação e de pregão atual, que restringe a concorrência ao inviabilizar a participação direta de empresas internacionais, encarecendo os preços. A modernização desses modelos tem o potencial de reduzir o preço unitário pago pelo SUS — acabando com a mera intermediação de produtos indianos e chineses importados, até via ZFM — e contribuir para ganhos de eficiência e redução de fraudes e corrupção.

Por fim, o ataque é impertinente não só por contrariar os interesses brasileiros mas também porque o INPI já vem agilizando seus processos para que as patentes concedidas com a duração do parágrafo único do art. 40 voltem a ser a esmagadora minoria. Os dados do INPI mais uma vez demostram o impacto negativo de políticas nocivas aos interesses nacionais e a diferença que faz a gestão eficiente, ética e comprometida da autarquia. Os dados mais recentes, de 2019 e 2020, são um significativo alento, impossível de ser ignorado.

A ameaça precisa ser contida, para não sabotar o desenvolvimento de áreas inovadoras no País, em um momento de crise sanitária e econômica que demanda inovação e investimentos.

É importante que não haja retrocessos no sistema de patentes brasileiro. Sem patentes, não há inovação nem investimentos em alto valor agregado. Sem isso, o Brasil não crescerá.

Notas______________________

1 Art. 40. A patente de invenção vigorará pelo prazo de 20 (vinte) anos e a de modelo de utilidade pelo prazo 15 (quinze) anos contados da data de depósito. Parágrafo único. O prazo de vigência não será inferior a 10 (dez) anos para a patente de invenção e a 7 (sete) anos para a patente de modelo de utilidade, a contar da data de concessão, ressalvada a hipótese de o INPI estar impedido de proceder ao exame de mérito do pedido, por pendência judicial comprovada ou por motivo de força maior.

2 Dados oficiais extraídos do portal da transparência: http://www.portaltransparencia.gov.br/licitacoes

3 Valor atualizado até 2020, IPCA.

4 A título de exemplo: https://www.gov.br/cgu/pt-br/assuntos/noticias/2020/09/covid-19-cgu-e-pf-apuram-irregularidades-com-recursos-da-saude-no-para