Edição 276
O controle de legalidade e a viabilidade econômica nos planos de recuperação de empresas
2 de agosto de 2023
Da Redação
Um debate franco entre membros do Poder Judiciário sobre os limites entre o controle de legalidade e a viabilidade econômica nos planos de recuperação de empresas, que reuniu ministros, desembargadores e juízes de primeira instância. Foi assim a 124a edição do programa Conversa com o Judiciário, realizado pela Revista JC no final de julho, com a participação de magistrados do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), incluindo titulares de câmaras e varas especializadas em recuperação judicial e falências.
Participaram como palestrantes: o Corregedor Nacional de Justiça, Ministro do STJ Luis Felipe Salomão, autor de votos e obras paradigmáticas sobre a recuperação judicial; o decano do STJ, Ministro João Otávio de Noronha, que agrega à carreira como magistrado sólida formação anterior no mercado financeiro; e as juízas da 3a Vara de Falências e Recuperação Judicial do TJSP Maria Rita Pinho Dias e Clarissa Tauk.
Conforme está consolidado na jurisprudência das turmas da Segunda Seção do STJ, o Poder Judiciário deve restringir sua análise dos planos de recuperação judicial à legalidade das cláusulas, cabendo aos credores avaliar a viabilidade econômica dos planos apresentados pela empresa em recuperação. Não cabe ao Poder Judiciário, portanto, opinar sobre questões como, por exemplo, o percentual de deságio proposto pelo credor, prazos de carência ou número de parcelas negociadas para o pagamento da dívida. São os credores que precisam avaliar se o plano apresentado pela companhia é capaz de despertar o interesse de mercado a ponto de possibilitar a continuidade do exercício da sua atividade empresarial.
Soberania dos credores – Primeira a falar, a Juíza Clarissa Tauk comentou o princípio da soberania dos credores, importado do Direito dos Estados Unidos, que só deve ser aplicado a partir da sua compatibilidade com o sistema brasileiro.
“O princípio da soberania dos credores precisa ser bem compreendido a fim de não gerar decisões contrárias ao próprio espírito da Lei de Recuperação Judicial, que visa sempre e em última análise tutelar o interesse coletivo. É justamente sob essa perspectiva que se permite ao Poder Judiciário analisar a legalidade do plano de recuperação judicial. É limitada a autonomia de vontade dos credores, nesse princípio que incorporamos do Direito dos EUA, para que o Poder Judiciário possa fazer prevalecer o interesse da coletividade”, explicou Tauk.
Direitos indisponíveis – Na sequência, a Titular da 3a Vara, Juíza Maria Rita Pinho Dias, pontuou que a recuperação judicial envolve tanto direitos disponíveis quanto outros interesses que precisam ser tutelados para que a negociação possa ser considerada válida: “Há normas cogentes claramente previstas na Lei de Falências e Recuperação Judicial (Lei no 11.101/2005) que não podem ser alvo de questionamentos, porque são de caráter público, como o art. 54, que trata dos direitos do trabalhador, que é um credor vulnerável e que tem mais dificuldade de se organizar institucionalmente para participar de uma assembleia. Sabendo dessa vulnerabilidade, o legislador trouxe regras protetivas para dispor sobre o conteúdo do plano no tocante a esses credores”.
O Ministro Luis Felipe Salomão complementou o painel com a perspectiva dos recursos especiais que chegam ao STJ, com a apresentação de vários precedentes ligados à matéria. “Como trata da linha tênue que separa o conteúdo econômico do plano dos aspectos de sua legalidade, esse é um tema candente. É uma questão complexa, definida pelos precedentes, que vão dizer o que é legalidade e o que é viabilidade econômica do plano”, explicou o ministro. Ele acrescentou que o juiz pode interferir em cláusulas negociais para repudiar fraude ou abuso de direito, do contrário deve abster-se de adentrar questões gerenciais da empresa para não atrapalhar o fluxo normal do mercado.
Segurança jurídica – O Ministro João Otávio de Noronha abordou a questão a partir da segurança jurídica de todos os envolvidos na recuperação judicial: “Fico triste quando vejo pessoas dizendo que o importante é recuperar a empresa, não importa o problema do credor. Isso não é verdade. O importante é recuperar a empresa, mas respeitando o patrimônio do credor tanto quanto possível. Outra coisa fundamental é saber que recuperamos a empresa, não o empresário. (…) A empresa tem uma função social, temos que preservar a instituição empresarial, precisamos recuperá-la para que mantenha os empregos, pague os tributos e para que o País avance e se desenvolva, mas não é a qualquer custo, não é com o sacrifício desnecessário de credores e com a proteção de empresários”.
Por fim, o Ministro Noronha defendeu a realização de debates como esse proposto pela Revista JC, com o nivelamento de informações entre magistrados de todas as instâncias e graus de jurisdição, para ampliar a segurança jurídica: “Há quase 50 anos iniciei-me no sistema financeiro para depois me tornar juiz. De lá para cá a segurança nesse campo piorou, lamentavelmente. Essa conversa franca entre ministros, desembargadores e juízes de primeiro grau precisa acontecer constantemente. É o caminho da segurança, da clareza, da compreensão e do respeito mútuo”.
Presenças ilustres – O debate contou ainda com a participação, na audiência, do Ministro do STJ Paulo Dias de Moura Ribeiro, da Presidente do Tribunal Regional Federal da 3a Região, Desembargadora Federal Marisa Ferreira dos Santos, do Presidente do TJSP, Desembargador Ricardo Mair Anafe, do seu Vice-Presidente, Desembargador Guilherme Strenger, e do Corregedor-Geral de Justiça de São Paulo, Desembargador Fernando Torres, além de vários outros desembargadores e juízes do TJSP.