O contador de histórias_Entrevista com Antônio Carlos Malheiros

31 de outubro de 2009

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Entrevista: Antônio Carlos Malheiros, Desembargador da 3ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP)
O Desembargador da 3ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), Antônio Carlos Malheiros, é um contador de história. E por puro prazer. Ele é integrante da Associação Viva e Deixe Viver, uma Sociedade Civil de Interesse Público, criada em 1997, com o objetivo de promover entretenimento, cultura e informação a crianças enfermas, em tratamento em diversos hospitais do País. A leitura divertida é a principal arma dos voluntários para alegrar um pouco a vida dos pequenos. “Podemos contar a história fazendo desenhos, dobradura de papel, palhaçada ou brincando com fantoches e marionetes. Tem que ser interessante. A criança já está tão amolada no hospital, não resolve apenas ir lá e ler com uma voz chata uma história que ela já conhece”, afirma o Magistrado, que se voltou para o voluntariado ainda na adolescência, quando teve de realizar um trabalho da escola em uma comunidade paulistana. Malheiros conta que a experiência fez com que aprendesse “a ser gente”, principalmente em sua atuação como juiz. Apesar da correria diária, ele dedica duas horas por semana ao trabalho social. É um compromisso que leva a sério. “Brincadeiras, é o que vamos fazer com as crianças. O compromisso é muito sério. Se começar a faltar, o contador é excluído do grupo”, diz.

Revista Justiça & Cidadania – Como surgiu seu interesse pelo voluntariado?
Antônio Carlos Malheiros – Comecei o trabalho voluntário aos 13 anos de idade, ainda no colégio, quando recebi a tarefa de fazer um levantamento em uma comunidade. Comovi-me tanto com a situação de miserabilidade que, a partir dali, voltei-me para as pessoas menos favorecidas. Durante a faculdade, trabalhei com a alfabetização de adultos em uma comunidade carente, assim também como trabalhei com crianças e adolescentes. Durante 15 anos, desenvolvi um longo trabalho nas ruas de São Paulo e, ao final dos anos 70, tornei-me voluntário em hospitais. Trabalhei, primeiro, com adultos. Nesta época, chegou a AIDS, comecei então a atuar junto aos doentes mais abandonados, infectados com o HIV. Em 1997, o Valdir Cimino, criador da “Viva e Deixe Viver”, convidou-me para trabalhar com crianças. De lá para cá, além de integrar outros projetos e comissões de Direitos Humanos, participo ativamente da Associação como contador de histórias para as crianças hospitalizadas no Hospital Emílio Ribas (especializado em infectologia). Éramos poucos na época. Hoje são mais de 70 hospitais e somamos mais de mil voluntários em todo o País.

JC – O que lhe marcou nessa experiência desenvolvida ainda na adolescência?
ACM – Essa experiência me ajudou a ser gente no meu trabalho e no contato com meus amigos, conhecidos, alunos e jurisdicionados. O trabalho social traz para mim uma mensagem de igualdade, liberdade e solidariedade, além do grande desejo de trazer felicidade para as pessoas também nas minhas decisões judiciais.

JC – Como era o trabalho com os adultos?
ACM – Era um trabalho de companhia, animação, de conversa e consolo. Eu pertencia à Pastoral da Saúde. Era um trabalho, portanto, que tinha uma índole religiosa. O “Viva e Deixe Viver”, no sentido mais estrito, não tem religião alguma.

JC – E como é trabalhar com crianças?
ACM – Já trabalhava com adultos com AIDS, então passei a lidar com as crianças portadoras dessa doença. Hoje, com os tratamentos adequados, elas vivem saudáveis. Muitas das crianças com as quais trabalho não estão internadas no hospital, vão lá para tomar as drogas e se fortalecerem. As pessoas aprenderam a viver com a AIDS, que ainda é extremamente grave.

JC – Como é contar histórias?
ACM – Quando começamos, não havia nenhum treinamento. Hoje, há um de oito meses para que o voluntário esteja completamente preparado para ser um contador de histórias diferenciado. Trata-se de uma forma de contar histórias de maneira diferente. Podemos inventá-las ou apenas lê-las, mas interpretando-as com riquezas. Podemos contar a história fazendo desenhos, dobradura de papel, palhaçada ou brincando com fantoches e marionetes. Tem que ser interessante. A criança já está tão amolada no hospital, não basta apenas ir lá e ler com uma voz chata uma história que ela já conhece. Precisamos realmente trazer felicidade para aquela criança. Não tenho a menor dúvida de que a alegria, o sorriso e a gargalhada são excelentes remédios para qualquer tipo de doença. Muitas vezes, as crianças melhoram e saem rapidamente dos hospitais porque tiveram algum momento de alegria. As pessoas se recuperam melhor quando se sentem alegres.

JC – Com que periodicidade o senhor presta esse trabalho?
ACM – Cada voluntário destina duas horas por semana para essa atividade. Eu destino as tardes de sexta-feira. Pode ficar um pouco mais de duas horas, mas essa é a média. Há uma seriedade no cumprimento desta meta. Brincadeiras é o que vamos fazer com as crianças. O compromisso é muito sério. Se começar a faltar, o contador é excluído do grupo.

JC – Porque o senhor considera esse trabalho tão recompensador?
ACM – É uma satisfação imensa verificar que as crianças estão sorrindo. Crianças, muitas vezes, extremamente carentes, que estão entristecidas com uma doença que lhes causa deformidades e que pode levá-las à morte. Qualquer que seja a doença, assusta até adultos, imagina as crianças. Nossa maior recompensa é ver que a criança está feliz naquele momento. E elas acabam nos ensinando muito: a sermos mais simples e alegres, a termos bom humor e, principalmente, esperança.

JC – O trabalho de juiz é exaustivo. É difícil arrumar tempo para o voluntariado?
ACM – Estamos numa fase de cumprir metas, por determinação do Conselho Nacional de Justiça. E temos mesmo que fazer isso, pois estamos afogados em processos, então temos que trabalhar muito. E, em relação a isso, juiz, como qualquer outro profissional, tem seus próprios defeitos, mas também uma grande qualidade: trabalha muito. Além dos processos, desenvolvo atividades administrativas dentro do TJSP. Sou o Coordenador da Infância e Juventude de todo o Estado de São Paulo pelo Tribunal de Justiça. Sou também o Presidente da Comissão de Negociação Salarial relativa aos funcionários, Conselheiro e Professor na Escola da Magistratura. Enfim, tenho muitas atividades. No entanto, sabendo se organizar, dá para dispensar um pouco do nosso horário para uma atividade voluntária.