O Conselho Nacional de Justiça

12 de janeiro de 2012

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(Artigo originalmente publicado na edição 123, 01/2011)

Até passado recente, o Poder Judiciário brasileiro não exercia qualquer tipo de controle sobre seus tribunais, que se sentiam com completa liberdade para gerirem suas atividades, salvo a partir de 1988, quando o controle financeiro das unidades do Judiciário pelo Tribunal de Contas da União.

A OAB, o Instituto dos Advogados Brasileiros e a maior parte da comunidade jurídica – convencidos de que todo o poder sem controle tende ao abuso e ao autoritarismo – vinham se batendo há mais de dois decênios pela instituição de um controle externo do Poder Judiciário. Era evidente que o autocontrole exercido pelos órgãos corregedores, a que se apegavam em sua defesa os magistrados contrários à iniciativa, jamais influíra na morosidade da Justiça, nos desmandos e nas distorções administrativas, e nos desvios de verbas no Judiciário. A fiscalização e o controle exerciam-se, e ainda assim de maneira precária, exclusivamente em relação aos órgãos de primeira instância.

A magistratura, em sua grande maioria, e até mesmo parte, o segmento mais conservador da comunidade jurídica, se opunha ferrenhamente à ideia, nem sempre de boa-fé, de tais propostas. Havia até quem acusasse os defensores desse controle externo de pretenderem reduzir predicados da magistratura ou de interferir na livre convicção de suas decisões na sua autoridade jurisdicional. Hoje, muitos desses adversários do controle externo integram, com entusiasmo, o Conselho Nacional de Justiça, e nele alguns ocupam até cargos diretivos. Compreende-se até que seu presidente seja também o Presidente do Supremo Tribunal Federal, porque isso reveste o órgão de maior autoridade e confere maior harmonia entre das duas instituições. Ressalve-se que algumas poucas associações de juízes defendiam a implantação do controle da magistratura.

Afinal, criado o CNJ pela EC 45/2004, que instituiu os controles administrativo e  financeiro do Judiciário, cessaram de imediato as críticas e toda a resistência à sua criação. Convenhamos que se operou um convencimento, uma mudança de entendimento muito rápida, de indisfarçável conotação pragmática.

Não há dúvida de que o Conselho Nacional de Justiça, exercendo função fiscalizadora e corregedora de vícios e distorções administrativas e financeiras da Justiça, e de cumprimento dos deveres funcionais, veio a disciplinar a magistratura, melhorar o desempenho e dar mais credibilidade ao Judiciário, assim como sanear muitas de suas crônicas mazelas, adotando medidas concretas para reduzir a morosidade da Justiça (sua mais antiga e mais danosa deficiência) – função que, na estrutura judiciária italiana, compete ao Conselho Superior da Magistratura. Liberou alguns milhares de presos que continuavam indevidamente encarcerados, instaurou processos disciplinares contra magistrados que não estavam cumprindo seus deveres funcionais e burlavam a vedação de prática nepotista (e não raro incorriam em prática de improbidade administrativa), unificou e uniformizou procedimentos forenses, e levantou estatísticas sobre a movimentação e a produção dos órgãos do Judiciário. Criou uma ponte, que poderá estender-se ainda mais, de aproximação com a sociedade.

Mas, por ser o CNJ em sua grande maioria integrado por magistrados, que também ocupam seus postos diretivos, mantém, por isso mesmo, como é natural, resíduos corporativos que impedem que sejam cumpridos, em sua plenitude, os objetivos para os quais foi criado.

A real eficácia desse importante órgão só será alcançada – e é isso que dele esperam os operadores jurídicos e a sociedade – quando ele vier a se transformar  em uma instituição com poder de exercer um efetivo controle externo do Judiciário. Para tanto, e com vistas à sua democratização, é indispensável que tenha ele uma composição paritária, formada, na mesma proporção, de representantes de magistrados, parlamentares, advogados, promotores de Justiça, professores e universidades. Assim integrado, teria ele a representação da sociedade civil.

Não se nega a contribuição que o CNJ vem dando para melhorar a atuação da Justiça, mas a verdade é que, devido à sua composição, formada preponderantemente por magistrados, ele atua, no fundo, como um órgão de controle predominantemente interno, insuficiente, portanto, para solucionar os graves problemas com que continua a debater-se o Judiciário, notadamente no tocante às suas integridade, morosidade e credibilidade.

O tempo de mandato dos integrantes do CNJ, a nosso ver, deveria ser alongando para quatro anos, vedada a recondução, com o que ficariam livres do interesses e da pressão no tocante à sua recondução ao cargo, como acontece hoje. Atuariam, assim, em tese, com maior independência pessoal e funcional, a salvo de influências estranhas.

Tudo está a indicar que, com o tempo e a pressão dos operadores jurídicos e da sociedade civil, o Conselho Nacional de Justiça corrigirá suas falhas e desempenhará importante e decisivo papel no aprimoramento do Poder Judiciário brasileiro.