As questões de saúde ganharam proporções ainda maiores depois da pandemia do covid-19 e desafiam não apenas os profissionais atuantes na área, como demandam cada vez mais da Justiça, acionada para dirimir os mais diversos conflitos. Para tratar do tema, a Escola da Magistratura do Rio de Janeiro (Emerj) promoveu o seminário “Acesso à Justiça: Sistema de saúde e a problematização das tutelas de urgência”.
Organizado pelo Fórum Permanente dos Juízos Cíveis, pelo Fórum Permanente de Saúde Pública e pelo Fórum Permanente de Acesso à Justiça do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), o evento contou com a participação de magistrados da corte – dentre eles o Desembargador Carlos Santos de Oliveira e a Juíza Raquel Gouveia da Cunha – e especialistas e Direito e saúde. Em pauta, temas como a tutela de urgência em saúde e aspectos processuais nos sistemas de saúde pública e suplementar.
Pedidos e documentação – “Nenhum juiz concede qualquer tutela de urgência se não tiver um documento médico que respalde sua decisão. Quando se fala em tutela de urgência, efetivamente, é esse documento médico que vai nortear a decisão”, explicou o Juiz Álvaro Henrique Teixeira de Almeida.
De acordo com o magistrado, a primeira coisa a ser lembrada em termos de tutela de urgência e em busca de sua efetividade é ter uma documentação médica substanciosa: “Se esse documento for falho ou deficiente, com certeza haverá recursos tantos que poderão colocar em dúvida ou fragilizar a efetividade da própria tutela”, disse.
Advogado e professor de Direito Processual Civil, Alexandre Flexa deu sugestões para a advocacia melhorar a forma como se comunica com a magistratura e evitar o indeferimento da tutela. A primeira dica é pedir para alguém, que não conhece a história do processo, ler o trecho “dos fatos” da peça.
A segunda observação foi para que os advogados se atentem em descrever os requisitos para a concessão de uma tutela de urgência antecipada. Ou seja, é preciso demonstrar a probabilidade da existência do direito, o risco de dano irreparável ou de difícil reparação, e, ainda, a reversibilidade da medida. “Para requerer a tutela antecipada, é preciso demonstrar qual é o grau de urgência. Para cada grau de urgência, existe um pedido específico e é preciso colocar isso na peça”, ensinou Flexa.
No balcão da Defensoria – A Defensora Pública Thaísa Guerreiro atuou durante anos no plantão da madrugada e compartilhou algumas experiências, com foco na melhoraria da prestação jurisdicional, para o paciente que precisa dos serviços de saúde. Ela contou que depois de perceber a existência de um número relevante de ações individuais parecidas, decidiu montar um questionário para analisar e entender os motivos de tais processos. Ao todo, de 2013 a 2015, a defensora mapeou cerca de 150 a 160 ações por mês. A principal demanda à época era de pacientes que queriam a transferência para um leito de terapia intensiva.
Um dos gargalos identificados estava no fato dos plantões não intimarem os municípios, porque esses não tinham centrais reguladoras. Apenas a central de regulação estadual era intimada, o que dificultava a transferência do paciente, caso fosse necessária. Uma das medidas tomadas para aumentar a efetividade foi pedir para que o Judiciário passasse a intimar o município no dia seguinte ao da decisão.
A defensora conta que conversou muito com os magistrados e com os representantes das centrais de regulação do município e do estado, diálogo a partir do qual nasceu um grupo de WhatsApp que reúne também os médicos e permite a troca de informações para, muitas vezes, viabilizar as transferências de leitos no plantão com maior agilidade. Outra medida foi a elaboração de um manual para os profissionais de saúde, no qual é destacada a importância da interseção de pedidos médicos e da expedição de relatórios céleres. Relatórios mensais sobre os desdobramentos das ações judiciais individuais também passaram a ser produzidos e fornecidos aos magistrados com o objetivo de subsidiar o entendimento das demandas.
Mudanças e adequações – A análise de processos em matéria de saúde não é apenas complexa como também plural, haja vista a infinidade de doenças e de tratamentos possíveis, sejam medicamentosos ou não. Essas e outras questões foram abordadas pelo Juiz Rubens Sá Viana Junior que falou sobre o papel do magistrado e a efetividade das decisões em matéria de saúde. Ele afirmou que diante de omissão em matéria de saúde “é quase imperativa a atuação do Poder Judiciário”, conforme determina a própria Constituição Federal.
Nesse sentido, a Juíza Renata de Lima Machado comemorou o fato do Direito receber novas leituras e buscar se adequar às mudanças. “O Direito e o Judiciário precisam ter novas respostas às demandas complexas que nos chegam. (…) É importante sempre trazer isso e fazer com que exista o avanço na visão com que se olha antigos temas”, defendeu.
Como exemplo, a magistrada citou a tese firmada pelo Supremo Tribunal Federal no Tema 698. Neste caso, a corte definiu parâmetros para nortear decisões judiciais a respeito de políticas públicas, como a necessidade da atuação judicial se pautar por critérios de razoabilidade e eficiência, e respeitar a discricionariedade do administrador público.