Novo CPC dará mais agilidade à Justiça

31 de março de 2010

Presidente do STF / Membro do Conselho Editorial

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É grande a expectativa em torno do trabalho desenvolvido pela Comissão de Juristas instituída pelo Senado Federal para elaborar o anteprojeto de reforma do Código de Processo Civil (CPC). A norma, em vigor desde 1973, foi modificada pelo menos umas 60 vezes e é considerada pelos operadores do Direito uma colcha de retalhos e uma das principais causas da morosidade do processo judicial. O Ministro Luiz Fux, do Superior Tribunal de Justiça, é o presidente do grupo incumbido de alterar a legislação. Ele explicou à Revista Justiça & Cidadania que as mudanças a serem apresentadas pela Comissão no final de abril, quando acabará o prazo para a entrega do último texto, serão substanciais. “O processo civil brasileiro terá uma nova cara”, avisa.
De acordo com o Ministro, o anteprojeto elaborado prevê a redução considerável de recursos cabíveis, principalmente no curso do processo. “Alteração expressiva é o término desses incidentes que vão se criando no curso do processo e que dão margem a muitos recursos, como por exemplo o incidente de impugnação do valor da causa, a exceção de incompetência, o incidente de falsidade documental, a impugnação de assistência judiciária. Tudo isso agora será arguido como preliminar. O juiz, ao final, é que solucionará essas questões. Por isso, haverá um só recurso no término da causa, e nele poder-se-á abordar tudo o que não tenha ficado satisfatório durante o processo”, afirmou o Ministro, explicando que a exceção ficará para as medidas de urgência.
Uma novidade também destacada por Fux é o incidente de coletivização, que permitirá a suspensão dos processos de massa até que o julgamento de um que os represente e sua decisão se tornem paradigmas. “Isso evitará centenas de ações e recursos que chegam hoje ao Judiciário. O importante não é termos instrumentos para enfrentar 250 mil ações, mas que não tenhamos 250 mil ações. De um lado, resolveríamos todos os processos pendentes, de outro evitaríamos que essas ações sejam propostas, porque as decisões vinculariam os juízos, logo no primeiro instante da tramitação processual, a assumir a posição favorável ou desfavorável, conforme adotado no incidente de coletivização”, afirmou.
De acordo com o Ministro, essas mudanças visam maior celeridade do processo. Ele explica, no entanto, que esse princípio, norteador do trabalho da Comissão, não prejudicará a segurança jurídica. “A segurança jurídica não significa que o processo seja absolutamente infindável. Pelo contrário, ela é representada a partir do momento em que uma decisão judicial se torna imutável e indiscutível. Essa decisão judicial terá tanto mais legitimidade na medida em que for aplicada uniformemente aos casos iguais. Então, com base nesse ideário, procuramos tornar o processo mais simples e, por isso, mais célere”.
O Ministro tem realizado uma série de audiências públicas pelo País, para recolher sugestões e críticas da sociedade civil e de especialistas sobre as propostas apresentadas. “Temos verificado, com uma surpresa agradável, o fato de que as audiências públicas têm convergido para aquelas soluções adotadas pela Comissão. Em alguns casos há soluções que não são possíveis de serem adotadas, pois demandariam emendas constitucionais ou leis complementares”, afirmou o Ministro, que nesta entrevista destaca os principais pontos do texto elaborado pela Comissão.

Revista Justiça & Cidadania – O Código de Processo Civil de 1973 primava pela segurança jurídica. O projeto atual, que visa a reformá-lo, prioriza a celeridade. Como é possível agilizar procedimentos judiciais garantindo a eficácia e a segurança jurídica paralelamente?
Luiz Fux – Não é impossível conciliarmos esses dois valores. Na medida em que optamos por desformalizar o processo para torná-lo mais rápido, ao criar procedimentos mais simplificados, demos maior reforço à jurisprudência dos tribunais superiores, que é exatamente o que garante a segurança jurídica. A segurança jurídica não significa que o processo seja absolutamente infindável. Pelo contrário, ela é representada a partir do momento em que uma decisão judicial se torna imutável e indiscutível. Essa decisão terá tanto mais legitimidade na medida em que for aplicada uniformemente aos casos iguais. Então, com base nesse ideário, procuramos tornar o processo mais simples e, por isso, mais célere. Isso, no entanto, sem violar qualquer cláusula pétrea constitucional relacionada à garantia do devido processo legal e da ampla defesa. Sem prejuízo (a ambos os princípios), demos ao resultado final do processo força capaz de ser aplicado aos casos idênticos, fazendo valer o princípio da igualdade a todos perante a Justiça.

JC – Muitos têm criticado essa força normativa que se pretende dar à jurisprudência. Como o senhor avalia isso?
LF – Na realidade, a força da jurisprudência é fundamental porque é o caminho por onde percorrem as cortes mais evoluídas. Porquanto, em um primeiro momento, pode dar a impressão de que seja uma posição cômoda, quando, na verdade, a força da jurisprudência está exatamente na possibilidade de ser extensiva aos casos idênticos ao mesmo tempo em que torna a decisão judicial previsível. E isso diminui muito o denominado Risco Brasil. A jurisprudência é fundada nessa ideia de se uniformizar a interpretação de um Direito que tem que ser entendido da mesma maneira em todo o território nacional. Se o direito é federal, a interpretação tem que ser uniforme, e isso se obtém através da força da jurisprudência. Por outro lado, essa força, quando vincula juízes e tribunais locais, evita que haja a delonga da resposta judicial ao cidadão. Ele não será instado a buscar uma solução nos tribunais superiores se os próprios juízos locais puderem lhe dar o que daria a jurisprudência do Tribunal Superior.

JC – As audiências públicas que estão sendo realizadas nas mais diversas capitais do País para debater o anteprojeto do novo CPC estão servindo de termômetro da aceitação da sociedade civil e dos operadores do Direito sobre as propostas da Comissão. Que mudanças consideráveis foram ou serão efetuadas no projeto após essa consulta popular?
LF – Em primeiro lugar, temos verificado, com uma surpresa agradável, o fato de que as audiências públicas têm convergido para aquelas soluções adotadas pela Comissão. Em alguns casos, há soluções que não são possíveis de serem adotadas, pois demandariam emendas constitucionais ou leis complementares. Na verdade, são sugestões que escapam à matéria elaborada no bojo do Código de Processo Civil. Por exemplo, há algumas figuras que queríamos excluir, como a intervenção de terceiros. No entanto, tem-se ponderado que, em vez de excluir, deveria haver uma redefinição de alguns institutos, que vamos efetivamente abolir. Temos também constatado, com certa reiteração, o fato de que não devemos deixar de estimular a criação de juizados de conciliação, embora não devamos incluir no Código de Processo Civil duas categorias de juízes, os que conciliam e os que julgam. Isso tem sido aludido com certa constância.

JC – Na audiência pública do Rio, observamos a manifestação de leiloeiros e oficiais de Justiça que reclamaram de certo esvaziamento de suas funções. O anteprojeto de reforma do CPC realmente diminui as atribuições desses profissionais?
LF – Na verdade, não entendo que essa seja uma repercussão do novo Código. Entendo que é uma repercussão da criação do processo eletrônico em si. A criação do processo eletrônico vai tornar a utilização de mão de obra humana desnecessária em algumas etapas. No entanto, isso não obsta esses profissionais de se reunirem em entidades capazes de proporcionar, àqueles que necessitam dos serviços judiciários, trabalhos próprios e adaptáveis ao processo eletrônico. A informatização troca o homem pela máquina. A culpa não é do Código nem das leis. A culpa é da evolução da ciência como um todo.

JC – Que pontos o senhor destacaria do anteprojeto como sendo os mais importantes?
LF – Destacaria como relevantes as seguintes alterações básicas: a criação do incidente de coletivização, por meio do qual algumas causas pilotos, previamente escolhidas, servirão de paradigmas para solucionar milhares de outras ações. Isso evitará centenas de ações e recursos que chegam hoje ao Judiciário. O importante não é termos instrumentos para enfrentar 250 mil ações, mas que não tenhamos 250 mil ações. De um lado, resolveríamos todos os processos pendentes; de outro, evitaríamos que essas ações sejam propostas, porque as decisões vinculariam os juízos, logo no primeiro instante da tramitação processual, a assumir a posição favorável ou desfavorável, conforme adotado no incidente de coletivização. A segunda alteração expressiva é o término desses incidentes que vão se criando no curso do processo e que dão margem a muitos recursos, como por exemplo o incidente de impugnação do valor da causa, a exceção de incompetência, o incidente de falsidade documental, a impugnação de assistência judiciária. Tudo isso agora será arguido como preliminar. O juiz, ao final, é que solucionará essas questões. É bem possível que a parte possa sair vencida numa questão formal dessas, mas sairá vencedora em relação à causa final. Por isso, haverá um só recurso no final da causa, no qual poderá abordar tudo o que não tenha ficado satisfatório durante o processo. Salvo, evidentemente aquelas hipóteses de tutela de urgência, que serão recorríveis imediatamente.

JC – Um dos pontos mais discutidos entre as alterações propostas é a criação de apenas um recurso ao final da sentença. Esse recurso seria a apelação. E os embargos declaratórios?
LF – A nova sistemática proposta limita o uso do agravo de instrumento e exclui o cabimento dos embargos infringentes; mas, em contrapartida, estabelece que os fundamentos do voto vencido fazem parte do recurso que é levado aos tribunais superiores. Só evitamos essa etapa dos embargos infringentes porque podem suscitar muitos recursos e causar muita demora à prestação da justiça. Os embargos de declaração seguirão a regra geral do recurso. Ou seja, vamos exigir preparo e sempre haverá uma sucumbência recursal. A cada derrota da parte no recurso, ela terá que pagar as despesas correspondentes. Pagará também multas já previstas na lei e todas as despesas daqueles recursos e consectários da derrota judicial. Então, a parte vai pensar duas vezes antes de recorrer. A cada derrota haverá uma consequência patrimonial.

JC – Muitos juristas consideram que a multa prevista no artigo 475-J do vigente CPC, de 10% sobre o montante da condenação, não penaliza nem amedronta os executados, tendo em vista que alguns tribunais do País já arbitravam multas em percentuais superiores e com retorno mais satisfatório antes da “reforma da Execução”. Isso será mantido ou revisto no anteprojeto?
LF – Essa regra será mantida. Também será esclarecido que essa multa incide independentemente da intimação da parte. A multa é devida desde o trânsito em julgado da decisão, pois se trata do cumprimento da obrigação. A parte, anteriormente, já sabia que resistira a uma pretensão e, posteriormente, se recusa a cumprir a obrigação estabelecida na sentença. Então, o novo Código vai manter essa multa. Também haverá nova sucumbência, no início do cumprimento da sentença e no início da sucumbência, se houver alguma resistência no seu cumprimento. Vamos eliminar a impugnação ao cumprimento da sentença. A parte poderá, por simples petição, fazer uma oposição qualquer que queira fazer, e se essa decisão for novamente impugnada, ela pagará multa e honorários.

JC – No Direito das Obrigações, há previsão para multa diária em todas as espécies obrigacionais: obrigação de dar coisa certa, obrigação de fazer, obrigação de não fazer. Por que esse instituto não pode inspirar a alteração do artigo 475-J, ampliando a multa de 10% sobre o montante e cumulando com a figura da multa diária? Se a intenção é penalizar e estimular o cumprimento da obrigação voluntariamente, essa medida não seria mais eficiente?
LF – Haverá cumulação pelo descumprimento com multa diária. A diferença é que, quando essa multa diária alcançar o valor da obrigação principal, o que for remanescente pertencerá ao Estado.

JC – Qual, então, é o objetivo dessas multas?
LF – O objetivo é vencer a obstinação do devedor em não cumprir a obrigação. Na realidade o que se pretende é que o devedor não resista injustificadamente ao cumprimento da obrigação.

JC – Qual foi a metodologia empregada na divisão dos trabalhos da Comissão?
LF – Em primeiro lugar, estabelecemos as proposições. Não votamos artigos de leis, porque esse seria um trabalho infindável. Estabelecemos que proporíamos teses em relação a todos os temas. Não houve, em um primeiro momento, uma divisão específica de trabalho. As proposições são todas da Comissão. Posteriormente, para efeitos de divisão de trabalho interno, criamos subcomissões referentes às partes Geral, de Conhecimento, de Execução e Recursos e dos Procedimentos Especiais.

JC – O anteprojeto está sendo analisado pelo STF?
LF – No Direito brasileiro não há um controle prévio de constitucionalidade das leis como há na França. No Direito brasileiro, o controle de constitucionalidade é realizado após a lei já estar em vigor. O que fizemos, por uma questão de nos resguardamos, foi procurar ouvir a opinião científica do Supremo Tribunal Federal. A colaboração do STF é científica. Não tem prazo. Até porque não se poderia conceder prazo ao STF. Ele não atua no controle prévio da constitucionalidade. Foi mais uma consideração por se tratar da mais elevada corte do País.

JC – O Código de Processo Civil em vigor, com 37 anos e mais de 60 alterações, vem sendo definido como “colcha de retalhos”. Das últimas modificações sofridas, quais deverão ser aproveitadas pela Comissão?
LF – Na realidade, a Comissão teve uma dupla percepção. A primeira delas foi de que não se elabora uma nova lei de forma abrupta e também a de que não se elabora uma nova lei com aquele mimetismo de ficar repetindo o que já está na norma em vigor. Então, fizemos formalmente uma modificação com a criação de uma parte geral aplicável a todos os procedimentos, à semelhança do que ocorre com os códigos europeus. Também criamos um livro próprio para os recursos, unificando determinados institutos, dando sistematização às inúmeras alterações realizadas durante as duas últimas décadas, em que o Código veio sendo reformado pontualmente, com certa constância. Também vamos fazer uma modificação de ideologia. Criaremos um instituto extremamente novo com o incidente de coletivização, com a eliminação de incidentes. Estamos mudando totalmente o paradigma da recorribilidade constante no Direito brasileiro. No entanto, muita coisa da lei anterior vai permanecer, de sorte a conviver com essa nova ideologia. É um novo Código, mas que, na realidade, é novo na sua ideologia, com uma série de mudanças recentes e muito bem elaboradas em relação às reformas recentes.

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Principais Alterações
•    Nos casos em que houver pessoa beneficiária da Justiça gratuita envolvida no processo, ocorrerá a inversão do ônus da prova, devendo o Estado arcar com as despesas.
•    Adequação do Código de Processo Civil com a lei que trata do processo eletrônico, para tornar a comunicação dos atos processuais compatível com as modernas tecnologias de comunicação e informação.
•    Ampliação dos poderes dos magistrados, dando a eles a possibilidade de adequar o procedimento às peculiaridades do caso concreto. Em contrapartida, fortalecer a proteção ao princípio do contraditório. As partes sempre deverão se manifestar, inclusive em relação às matérias sobre as quais o juiz puder se exprimir sem que haja prévia provocação destas.
•    Audiência de conciliação obrigatória como passo inicial de qualquer lide.
•    Comparecimento espontâneo da testemunha. A exceção será sua intimação por carta com aviso de recebimento.
•    Extinção do instituto da remessa necessária, ou seja, não será mais obrigatório o envio para a 2ª instância de processos em que as decisões tenham sido proferidas em desfavor ao ente público.
•    Unificação dos prazos para a interposição de recursos em 15 dias, de forma a simplificar e uniformizar o sistema e também a majoração dos honorários advocatícios a cada recurso não provido, para desestimular a utilização desse instrumento como forma de atrasar o andamento do processo.
•    Estímulo à utilização da Lei nº 11.672 de 2006, que impede o ajuizamento de recursos repetitivos, o que evitará a chegada de diversas demandas que tratem de matéria já pacificada.
•    Diminuição da quantidade de recursos, inclusive restringindo as hipóteses de utilização desses, com a abolição dos embargos infringentes e do agravo como regra, adotando-se no primeiro grau de jurisdição uma única oportunidade de impugnação, quando da sentença final.
•    A criação do incidente de coletivização que resultará na escolha de um processo piloto para ser julgado, entre muitos que versem sobre um mesmo assunto, enquanto os demais ficariam suspensos aguardando julgamento.
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