Edição

Miserável hipocrisia

19 de abril de 2013

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“Panis et circenses”
do Coliseu romano

Enquanto na Constituição Federal são garantidos aos cidadãos os direitos sociais, saúde, educação, moradia, assistência à família, aos idosos, crianças e adolescentes, defesa do meio ambiente, infelizmente, o que se constata na realidade é que esses direitos constituem uma fantasia e uma cruel hipocrisia, a enganar e engabelar os necessitados que pervagam por esse Brasil afora, desassistidos, miseráveis e a morrer de doenças, sede e fome.

No nordeste, o quadro de miséria, que ocorre com a seca, visto nos jornais e televisão, dói na alma e no coração: são crianças raquíticas e velhos decrépitos que se transformaram em mulambos humanos e que, além da própria desgraça, perderam tudo que possuíam e veem acabrunhados o que restou dos campos e quintais da pequena propriedade devastados com as criações mortas, esqueléticas e ressecadas.

emos que reconhecer os esforços e providências sociais que vêm sendo promovidos em todo o País pela presidenta Dilma, através dos planos de assistência com a entrega de pequenas bolsas financeiras, que minoram um pouco a miséria desses milhões de infelizes brasileiros, abandonados e relegados à triste desgraça em que vivem.

Entretanto, essas migalhas que o governo federal vêm concedendo é pouco, é irrelevante, diante das necessidades da parcela miserável da Nação que recebem esse benefício, que se contrapõe absurdamente aos gastos bilionários e mirabolantes que vêm sendo feitos em obras faraônicas, irresponsáveis, dispensáveis e até criminosas além de altamente desumanas.

O que comumente se constata nos hospitais e postos de saúde é a visão da cruel desumanidade com doentes deitados em macas, espalhados e amontoados nos corredores, deitados no chão, desprezados e inclusive sem atendimento, o que demonstra a irresponsabilidade, o pouco caso e a absoluta falta de atenção aos desgraçados que necessitam de auxílio médico e hospitalar.

O triste relato acima é o retrato da insensibilidade dos governos e inclusive também da sociedade, que aceita acomodada, omissa, indiferente ao que acontece à vista de qualquer e todos, que conhecem e sabem do sofrimento por que passam os infelizes e desgraçados doentes e suas carentes famílias, que desprezadas não têm a quem recorrer.

É incompreensível, inadmissível e inaceitável a chocante insensibilidade de todos quantos têm conhecimento da situação cruel e desesperadora da população carente, principalmente no nordeste, que ultrapassa mais de vinte milhões de réprobos, nossos irmãos, que vivem desafortunados por esses grotões doentes, com fome e sede, além daqueles que pervagam pelo imenso Brasil, desorientados e entregues à sua miserável desgraça.

Os absurdos vinte e cinco bilhões de reais, ou mais, que estão sendo gastos nababescamente com magni­ficência, incrível suntuosidade e espantosa ostentação, dispendidos em razão e pelo fato da escolha da realização dos jogos futebolistas e olímpicos no Brasil, cuja comemoração na ocasião, em Paris, foi feita com grande estilo e exuberante festividade e alegria pelos governantes (Lula, Cabral, Paes e próceres esportivos) demostra a irresponsabilidade governamental, deixando de assistir às populações pobres, aflitas, desgraçadas e desesperadas com a falta de assistência médica e hospitalar, que vivem em triste e cruel situação da miséria, apesar de gozarem do exercício de todos os direitos individuais e sociais que a Constituição garante.

Enquanto essa incúria e desprezo público acontecem com esse povo desprotegido e ao abandono da própria sorte, a Nação se obriga, pelos compromissos inconsequentes e irresponsavelmente assumidos, a arcar com os vultosos gastos desses inoportunos e despropositados entretenimentos sociais. No último editorial, edição de março, trouxe à lembrança a figura do filósofo francês Stéphane Hessel, falecido no dia 26 de fevereiro último, meu contemporâneo, ativo, lúcido e indignado com as almas adormecidas que estão empobrecendo a aventura humana sobre a Terra, e que há três anos lançou o manifesto Indignai-vos!, que serviu de inspiração para o movimento Indignados que se espalhou pela Europa em crise. Foi um chamamento à responsabilidade, um repúdio aos que questionam a proteção aos desvalidos. É uma aula de história e de coragem dos que resistiram ao nazismo e salvaram o mundo de um futuro de trevas.
Repensando nas lutas que Hessel engendrou, motivando os grandes protestos, relembramos com saudade a participação do grande movimento realizado com a passeata em 1968, no Rio de Janeiro, dos cem mil protestando contra a ditadura, do movimento das diretas em 1980, que levou o povo às praças em todo o Brasil exigindo eleições, e em 1992, quando a juventude veio às ruas, com a cara pintada, inflamando a população contra o ex-presidente Collor, que terminou por ser escorraçado do governo.

Que a manifestação de Stéphane Hessel, contra os contrastes aberrantes que motivaram a indignação e resistência na Europa, produza resultados no Brasil.