Medidas emergenciais não vieram para ficar

10 de maio de 2020

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Ministro do TST Alexandre Agra Belmonte ressalta que MPs para enfrentar situação excepcional têm duração limitada

No mês do trabalho, o foco está nos desafios enfrentados por trabalhadores, empresários e setor público diante da pandemia do novo coronavírus, que promete levar o mundo à maior recessão econômica desde 1929. Nessa entrevista feita por videoconferência, o Ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Alexandre Agra Belmonte comenta as medidas provisórias editadas pelo Governo Federal para conter os efeitos da covid-19 no mercado de trabalho. O magistrado fala ainda sobre o crescimento do desemprego e do “trabalho semidependente” desde antes da chegada do novo coronavírus. Confira.

Revista Justiça & Cidadania – Recentemente, o senhor falou sobre o “trabalho semidependente, que ganha força e reclama proteção”. Quais são as principais ameaças aos trabalhadores sem vínculos formais?
Alexandre Agra Belmonte – A preocupação maior da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) é com o trabalho subordinado, aquele em que o empregado cumpre ordens e abre mão de grande parcela da autonomia, mas o mundo do trabalho mudou muito. Antigamente, pensávamos no autônomo como sendo o profissional liberal. Hoje, esses autônomos têm uma colocação diferente na sociedade, são os biscateiros, entregadores de plataformas digitais, motoristas de aplicativos e outros. Você tem uma parcela da sociedade muito grande que não tem qualquer tipo de proteção social. Digo profissionais semidependentes porque, embora não sejam necessariamente empregados cumprindo ordens, eles observam determinadas diretrizes gerais invariáveis. São aqueles trabalhadores colaboradores, em uma dinâmica social já existente. A partir do momento que não têm qualquer tipo de proteção social, também não há, por conta disso, controle do serviço que eles prestam. Com isso, em relação a tributos, não se sabe se há recolhimento.

Quando você chama um pedreiro para fazer um serviço qualquer na sua casa, ou coisa parecida, será que você realmente extrai nota? Recolhe a Previdência dele? Isso acontece? Precisamos pensar em algum tipo de proteção social em relação a esses trabalhadores, a fim de que eles também recolham tributos para o Estado, porque bem ou mal, no fim das contas eles vão usar a Assistência Social, sobrecarregando os demais. É preciso incluir esses profissionais, da mesma forma que precisamos incluir os trabalhadores informais. A pandemia demonstrou que temos 50% de trabalhadores informais no mercado, sem que eles gerem qualquer tipo de tributo. Eles formam, na verdade, um PIB paralelo. Precisamos ter preocupação em relação a isso, não apenas pela questão da proteção social, da dignidade, mas também porque isso vai acabar gerando receita para o Estado e desonerando um pouco os contribuintes formais.

RJC – Haverá precarização das relações de trabalho em consequência das medidas de restrição?
AAB – Sim, isso vai acabar ocorrendo. Precarização não pela diminuição de direitos concedidos por lei, mas em relação ao mercado. A partir do momento que há aumento do desemprego, as pessoas excluídas do mercado têm que sobreviver de alguma forma, vão fazer biscates, teremos um aumento ainda maior da informalidade. Se 50% dos trabalhadores estão na informalidade, isso significa que a legislação trabalhista não alcança metade dos trabalhadores, estamos hoje com uma média de 46%. Ainda por cima temos uma taxa de desemprego muito alta, antes da pandemia eram 11,5 milhões de trabalhadores, agora são 13,5 milhões, e a tendência é que, diante da pandemia, esse número realmente aumente. Muitas empresas vão fechar suas portas por falta de clientes. Outras empresas vão diminuir o contingente de trabalhadores. Tudo isso vai causar desemprego.

RJC – Qual é sua avaliação sobre as medidas provisórias tomadas pelo Governo para enfrentar os efeitos da pandemia no mercado de trabalho?
AAB – Foram três medidas provisórias, de números 927, 936 e 944/2020. A MP nº 927 estabeleceu, entre os institutos trabalhistas existentes na legislação, a sua flexibilização para enfrentamento do período de paralisação de atividade empresarial: adoção pela empresa de teletrabalho em substituição ao labor presencial, antecipação de férias, trabalho em tempo parcial, o aproveitamento e antecipação de feriados e o direcionamento do trabalhador para qualificação, além de diferimento do prazo para recolhimento do FGTS. A MP nº 936 permitiu a redução da jornada com redução salarial e suspensão temporária do contrato mediante acordos individuais ou coletivos, com complementação ou substituição dos salários por meio de um benefício governamental emergencial, com a contrapartida da garantia de emprego. Ou seja, com divisão do prejuízo entre as empresas, os trabalhadores e a sociedade, esta representada pelo Governo. A MP nº 944, por seu turno, concedeu crédito subsidiado para as empresas.

Os trabalhadores têm manifestado natural preocupação com a possibilidade das alternativas constantes das MPs se tornarem definitivas, precarizando seus direitos. Em princípio, não há motivos para preocupação. As MPs foram editadas para enfrentar uma situação excepcional e emergencial, com duração limitada. É até possível que essa duração possa ser estendida até a recuperação da normalidade de funcionamento das empresas, bem como a flexibilização dos institutos trabalhistas de que o Governo lançou mão poderão se tornar lei para utilização futura diante de situações imprevistas como a atual, que espera-se que não mais ocorram, mas terão sempre prazo para terminar.

RJC – A Justiça do Trabalho está pronta para o aumento da demanda?
AAB – Não apenas a Justiça do Trabalho, mas também a CLT. Todas as soluções que foram utilizadas nas MPs já existiam na lei trabalhista. A diferença é a flexibilização, durante esse período, em relação a essas normas. Suspensão temporária do contrato existe, vai até cinco meses, mas no caso previsto na MP nº 936 é em período inferior. A redução da jornada com redução de salário também existe na CLT, o que aconteceu foi a flexibilização de 50% a 70%. Férias estão previstas na lei, o que houve foi poder concedê-las cumulativamente como forma de manutenção do emprego. Da mesma forma, a Justiça do Trabalho tem se superado, ano a ano, com uma legislação muito antiga, apesar das adaptações e da reforma trabalhista de 2017. É uma legislação que foi concebida em um período muito diferente do período que nós vivemos hoje, mas a Justiça do Trabalho tem sido responsável, com galhardia, por fazer essas superações. (…) Vão ocorrer questões controversas em relação à MP nº 927 e à MP nº 936? Sim. Vão ocorrer problemas relacionados às dispensas que os empregadores vão fazer? Vão acontecer. A Justiça do Trabalho certamente vai ter muito trabalho, mas ela vai pacificar todos esses conflitos como sempre o fez.

RJC – Existem projetos de lei na Câmara que permitem até a mediação trabalhista em cartório. O que o senhor acha disso?
AAB – Não vejo qualquer tipo de problema. Você não pode fazer inventários, divórcios e separações em cartório? Só não pode quando se trata de interesses de incapazes, filhos menores, se houver testamento ou coisas desse tipo. Não posso imaginar que o trabalhador seja incapaz. Esses projetos estabelecem que o trabalhador vai ser representado por um advogado. A partir do momento em que existe um advogado, nada impede que esses acordos, ao invés de feitos pela Justiça, possam ser feitos em cartórios. Como também não vejo nada demais que acordos extrajudiciais feitos entre empregado e empregador sejam homologados na Justiça do Trabalho. (…) Mas o juiz tem mais o que fazer, não pode ficar a vida inteira homologando acordo de quem quer sair da empresa e acertando coisas desse tipo. Vai ser feito em cartório. Se por acaso houver algum problema futuro de vício da vontade, erro, dolo, coação ou seja lá o que for, a porta da Justiça do Trabalho estará aberta para todo trabalhador que quiser fazer esse questionamento. Não vejo nada demais.