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Inovações da Justiça no combate à criminalidade

5 de abril de 2004

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O contínuo crescimento do fenômeno da criminalidade em nosso país vem causando grande preocupação a todos os agentes do Estado que de algum modo atuam no sistema de repressão penal, sobretudo pela ineficiência que o próprio Poder Público vem demonstrando em combater tal problema e atenuar o enorme grau de angústia vivido por toda a sociedade que assiste perplexa à escalada do crime em detrimento da lei e da paz social.

Trata-se, por óbvio, de questão extremamente complexa cuja solução não será alcançada por nenhum setor de forma isolada, nem tampouco pela implementação de planos elaborados às pressas para dar satisfação à opinião pública diante de episódios extremos que, infelizmente, tornam-se cada vez mais comuns.

É preciso traçar estratégias duradouras, desvinculadas de interesses eleitorais e disputas políticas, que atuem não só na repressão, mas também na prevenção ao crime, e que congreguem, de forma coordenada e eficiente, todos os setores do Estado relacionados ao combate à criminalidade.

No que se refere ao papel do Poder Judiciário neste contexto, deve se ter em mente a distinção entre a observância das garantias processuais e a implementação de políticas públicas  de atuação geral, inerentes a cada Poder estatal. Vale dizer, em outras palavras, que inobstante a observância obrigatória de princípios constitucionais no desempenho da atividade jurisdicional-repressora (imparcialidade, inércia, presunção de inocência), o Judiciário pode e deve estabelecer políticas gerais de atuação que visem aprimorar a prestação jurisdicional no âmbito penal, como instrumento ativo e eficiente de combate à criminalidade, abandonando a tradicional postura de passividade e inércia que, em última análise, caracterizam injustificável omissão da Justiça como Função essencial do Estado.

Seguindo esta linha de pensamento, buscamos adotar à frente da Corregedoria-Geral da Justiça Federal da 2ª Região (Rio de Janeiro e Espírito Santo) algumas medidas e projetos que têm por escopo tornar a atividade judicial mais ágil, efetiva e eficiente no que tange à prestação da jurisdição penal e à repressão criminal, atuando no campo restrito do aprimoramento dos procedimentos e da organização estrutural dos órgãos judiciais, que independem de demoradas alterações legislativas ou de políticas governamentais que impliquem em novas despesas orçamentárias.

O primeiro exemplo desta política refere-se à custódia e gestão de bens apreendidos em procedimentos criminais.

Conforme demonstram os mais recentes estudos sobre o fenômeno da criminalidade, as atividades criminosas vêm gerando para seus agentes volumes cada vez maiores de recursos financeiros que acabam alimentando e incrementado tais atividades, ao passo que, de outro lado, o Poder Público encontra grandes dificuldades orçamentárias para alocar os recursos necessários à sua repressão, especialmente em países submetidos a regras de rígida austeridade fiscal como o Brasil.

Neste contexto, afigura-se como injustificável a forma pela qual historicamente vem sendo administrado e utilizado o vasto conjunto de bens (imóveis, numerário, armamentos, veículos, equipamentos de informática etc.) apreendidos pelas autoridades da polícia judiciária junto às organizações e agentes criminosos. Em verdade, atualmente no Brasil não há qualquer controle sistemático sobre estes bens que, via de regra, ficam sujeitos à deterioração ou à utilização indevida.

Diante deste quadro, implementou-se no Rio de Janeiro um projeto inédito consistente na criação de cadastro unificado de bens apreendidos em procedimentos criminais que permitirá, além do cadastramento destes bens em sistema informatizado, a pronta identificação e acompanhamento de informações essenciais como, por exemplo, o respectivo reponsável pela custódia (depositário) e a destinação final (ou ausência desta) do bem apreendido.

Para ilustrar o grau de importância deste projeto, apenas junto à 5ª Vara Federal Criminal/RJ (onde o mesmo foi implementado em caráter piloto), foram cadastrados inicialmente bens cuja totalização ultrapassa 4 milhões de reais. Levando-se em conta que apenas 10% do acervo total de processos foi analisado até o momento, e que somente na cidade do Rio de Janeiro existem 8 Varas Federais com competência criminal, conclui-se sem maiores dificuldades que o montante de bens apreendidos, apenas junto à Justiça Federal da Capital/RJ, totaliza quantia estimada em centenas de milhões de reais.

Se for realizada uma estimativa nacional, aí incluída também a Justiça Estadual, não nos parece exagero afirmar que a quantidade de recursos que permanecem apreendidos sob a custódia judiciária ultrapassa, em muito, os recursos alocados nos orçamentos (federal e estaduais) destinados à aquisição de bens e equipamentos utilizados na repressão criminal.

Ainda que a utilização destes bens pelo serviço público sofra algumas limitações de ordem jurídico-processual, é inquestionável a necessidade de mantê-los sob efetiva fiscalização e adequada custódia do Estado para que se possibilite a aplicação, na prática, do conceito já consagrado a nível constitucional (art. 243 da CF) e legal (Lei nº 10.409/2003) de que os bens apreendidos junto à criminalidade devem ser utilizados, em proveito da sociedade, no combate à própria criminalidade.

Outra linha de ação efetivada pela Justiça Federal na 2ª Região diz respeito à adoção dos mais modernos instrumentos tecnológicos, sobretudo da área de informática, para o desempenho mais eficiente e célere dos procedimentos processuais penais. A implementação do sistema de gravação audiovisual, em meio digital, das audiências e depoimentos prestados em juízo é um bom exemplo desta postura.

Utilizando-se de equipamentos de custo relativamente baixo (e cujo preço de aquisição é rapidamente compensado pela economia gerada de papel, carga para impressoras e outros equipamentos), este sistema foi instalado em caráter piloto junto à 2ª Vara Federal Criminal/RJ tendo alcançado excelentes resultados, dentre os quais se destacam a redução do tempo médio das audiências em até dois terços; o descongestionamento das pautas de audiências, permitindo uma tramitação mais célere dos processos; e a maior fidelidade dos depoimentos trazidos ao processo, que permanecem gravados em cd-rom, levando ao extremo o princípio da verdade real no processo penal.

Por fim, uma terceira inovação adotada pelo TRF da 2a Região (seguindo a política traçada pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Conselho da Justiça Federal) consiste na instalação de Varas Criminais especializadas com competência para processar e julgar crimes de lavagem de dinheiro e contra o Sistema Financeiro Nacional em ambas as Seções Judiciárias que compõem a 2a Região (Rio de Janeiro e Espírito Santo).

Tratando-se de crimes de natureza extremamente complexa e de alto grau de sofisticação, a especialização permite maior eficiência na repressão a tal modalidade delitiva que, em última análise, serve como suporte para as mais variadas atividades criminosas, inclusive aquelas de maior lesão à coletividade, dentre as quais se destacam o tráfico ilícito de drogas, a corrupção no setor público e a venda ilegal de armamentos, cujo combate deve ser priorizado.

Estes são, portanto, alguns projetos e experiências que vêm sendo desenvolvidos na Justiça Federal da 2ª Região seguindo a política de tornar a Justiça ativa e eficiente no combate à criminalidade, assumindo, na parte que lhe toca, a responsabilidade pela solução deste grave flagelo que aflige cada vez mais nossa sociedade.