O impacto do marketing de venda na região limítrofe entre Barra da Tijuca e Jacarepaguá

26 de novembro de 2013

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JansenEnquanto membro da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-RJ, Seccional da Barra da Tijuca, fui convidado para ser relator do presente trabalho, que tem como escopo analisar se há ou não prática abusiva no mercado imobiliário da Barra da Tijuca, notadamente em relação ao marketing de determinados empreendimentos na região da Avenida Abelardo Bueno e adjacências.

A controvérsia instala-se na indefinição do bairro em que são erguidas as construções naquela região, pois, a princípio, o que se vê é que a maioria das promoções realizadas pelas construtoras, na forma de “marketing”, anuncia a venda desses empreendimentos como Barra da Tijuca em terrenos que são designados pela Prefeitura do Rio de Janeiro com endereço em outro bairro, por exemplo Jacarepaguá, Curicica.

Para uma análise mais acurada sobre o tema, foi necessária a adoção de diligencias que pudessem ampliar nossa visão em relação a questão, abordando aspectos administrativos, fiscais e consumeristas.

Para tanto, buscamos junto à Prefeitura do Rio de Janeiro explicações a fim de entendermos o que se passa naquela região. Efetivamente, o que colhemos é que de fato há vários empreendimentos na periferia da Avenida Abelardo Bueno e adjacências que têm a incidência do Imposto Territorial Urbano do Bairro de Jacarepaguá. Indagamos à Prefeitura a razão dessa discrepância, haja vista os anúncios publicados pelas construtoras, vendendo esses mesmos empreendimentos como se fossem na Barra da Tijuca. Recebemos uma resposta decisiva do Município, esclarecendo que tais empreendimentos estão compreendidos em Jacarepaguá, razão pela qual o IPTU é cobrado considerando essa região. A par disso, visualizamos um mapa da região da Barra da Tijuca demonstrando o alcance e as delimitações do bairro. Tomamos conhecimento de que o critério estabelecido pelo Município se esmera nas testadas dos terrenos existentes naquela região, explicando que aqueles com testada para Avenida Abelardo Bueno tem endereço na Barra da Tijuca sendo os demais em Jacarepaguá, como se pode aferir pela ilustração abaixo.

Frisamos que Condomínio RIO 2, por exemplo, possui prédios (cuja testada dá para Avenida Abelardo Bueno) localizados, pela Prefeitura, na Barra da Tijuca e outros prédios (cuja testada não dá para Avenida Abelardo Bueno) deste mesmo condomínio, localizados em Jacarepaguá, recebendo, inclusive, IPTU correspondente ao Bairro.

De posse dessas informações, nos preocupamos em ouvir algumas das principais construtoras que comercializam naquela região, notadamente a Carvalho Hosken S.A, RJZ Cyrela. Pelo relato das referidas representantes jurídicas, ouvimos a confirmação de que o marketing de tais empreendimentos está voltado para o bairro da Barra da Tijuca e que apesar de admitirem que a localização efetiva dos terrenos refere-se a Jacarepaguá, não veem prejuízo ao consumidor em razão da propaganda direcionar o imóvel para o Bairro da Tijuca.

Diante dessas explicações, tanto por parte da Prefeitura, quanto pelas construtoras, passamos a abordar os aspectos jurídicos sobre o tema, ainda que de forma concisa.

Quando examinamos a Lei 8.078 de 11.9.1990, nos deparamos logo em seu artigo 4o com a preocupação do legislador em proteger a dignidade do consumidor, cuidar da sua segurança nas relações comerciais e garantir “os seus interesses econômicos, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo”, pois é direito básico do consumidor “a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem; a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços”.

Neste diapasão, forçamo-nos a analisar se a prática do mercado imobiliário em anunciar as vendas de seus empreendimentos na região da Avenida Abelardo Bueno e adjacências está em desacordo com o que prescreve o supracitado diploma legal. Claramente, buscamos esclarecer se ao anunciar um terreno existente em Jacarepaguá como localizado na Barra da Tijuca o consumidor sofre lesão ao seu direito de informação; se tal prática fere a sua dignidade e se a referida publicidade tem o cunho de enganar o consumidor.

Mas, antes disso, antes mesmo de concluir tal enten­dimento, pretendemos demonstrar que se tal prática não lesa o direito do consumidor de forma direta, fere de forma indireta, senão vejamos.

Um dos argumentos apresentados pelas construtoras a favor da publicidade dos empreendimentos como Barra da Tijuca é que o consumidor ao adquirir mencionado imóvel, absorve status de morador da Barra da Tijuca, pagando IPTU pela alíquota de Jacarepaguá, que é bem menor que a alíquota da Barra da Tijuca. Acontece que, em sendo assim, admitindo-se que esse procedimento confere realmente um “benefício” ao consumidor, nos deparamos com uma situação preocupante sob o ponto de vista fiscal. É que percebemos uma fresta de irregularidade quando imóveis em regiões limítrofes têm arrecadação díspares enquanto são comercializados de formas diferentes, ainda que com localização idêntica. Nesse caso, o Município estaria arrecadando menos, de forma injustificada, pois se o imóvel é comercializado como Barra da Tijuca deve ter alíquota referente a esse bairro. Em última análise, o próprio consumidor estaria sendo lesado enquanto cidadão.

Como efeito, retornando à questão consumerista, como dissemos, as construtoras sustentam que apesar de cientes de que a propaganda aponta para Barra da Tijuca imóveis que têm endereço em Jacarepaguá, não veem prejuízo algum ao consumidor. Argumentam, como já dito, que o fato do cliente-consumidor comprar um imóvel anunciado como da Barra da Tijuca, ainda que seja em Jacarepaguá, lhe traz status e benefício por pagar um IPTU relativo ao bairro residente e não aquele anunciado que teria uma alíquota bem maior. Aduzem, ainda, às construtoras que o valor da venda dos referidos imóveis não sofrem influência por serem anunciados como existentes na Barra da Tijuca, outro motivo que revela ausência de prejuízo ao cliente. Indagados se o fato do produto estar sendo vendido com a marca Barra da Tijuca, em vez de Jacarepaguá ou Curicica influenciaria na decisão de compra desse imóvel, as construtoras rechaçaram essa premissa, atestando que o consumidor compra um produto por sua qualidade e não por estar agregado a um bairro nobre, como Barra da Tijuca. Esvaziam a polêmica demonstrando que o

consumidor alvo tem o esclarecimento inerente ao “homem médio” e que o marketing usado não seduz de forma abusiva.

Dessa forma, admitimos que o ser humano, em muitas ocasiões, consome em detrimento das suas necessidades básicas, para simplesmente exibir suas qualidades para o seu grupo ou para possíveis parceiros sexuais. É a teoria central, inclusive, do livro de Geofrrey Miller, Darwin Vai às Compras, onde atesta que o ser humano consome para ostentar. Esse “pendor humano pelo consumo conspícuo alimenta o marketing”2. Porém daí a admitir que, no caso em tela, o consumidor assume estar comprando um imóvel anunciado como Barra da Tijuca, enquanto é Jacarepaguá, tão somente para satisfazer esses prazeres inerentes à sua existência nos parece um tanto quanto enganoso.

Ao contrário do que sustentam as construtoras, a violação ao direito do consumidor é patente. O consumidor merece obter informação clara sobre o produto e ponto. Não há subterfúgios para violar essa regra. Se não há prejuízo financeiro (admitamos), não se pode negar que há um direcionamento lógico, pelo marketing empregado, que induz a compra daquele imóvel anunciado como Barra da Tijuca, pois se assim não fosse ele seria anunciado como Jacarepaguá. Não concordamos com o argumento das construtoras de que o “homem médio” tem condições de discernir sobre os aspectos intrínsecos da propaganda, aferindo tratar-se de publicidade ilusória, enganosa. Há uma linha tênue em que o marketing deve ficar atento, para que em vez de seduzir não se engane.

A violação ao direito do consumidor não é só patente, é patética. Afirmamos isso porque o Estado tem o dever de fiscalizar essas práticas que invadem nossas mentes semanalmente pelas páginas dos jornais, pelas mãos dos prepostos das construtoras e através da mídia televisiva.

Destarte, de duas uma: ou se coíbe a prática enganosa que vem sendo largamente utilizada pelas construtoras; ou se exige que a Prefeitura reconheça a região como Barra da Tijuca, aplicando a alíquota correspondente ao Bairro.

Notas _____________________________________________________________

1 Geoffrey F. Miller (nascido em 1965, Cincinnati, Ohio ), Professor Associado de Psicologia na Universidade do Novo México , é um americano psicólogo evolucionista.

2 Hélio Schwartsman, na coluna da Folha de São Paulo de 21.3.2012, pag. A2.