Honorários de sucumbência e critérios objetivos para sua fixação

1 de fevereiro de 2021

Ana Tereza Basilio Vice-presidente da OAB-RJ / Advogada

Paula Menna Barreto Marques Advogada

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Dentre as inúmeras inovações trazidas pelo Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015), destaca-se a fixação dos honorários de sucumbência, prevista em seu art. 85.

O extenso artigo, apesar de manter algumas das regras já dispostas no art. 20 do Código de Processo Civil de 1973, trouxe inúmeras inovações, com o objetivo de pacificar controvérsias jurisprudenciais e doutrinárias sobre o tema.

Um dos seus principais avanços foi o estabelecimento de uma base de cálculos objetiva, com limites percentuais, para nortear a sua fixação: o percentual mínimo de 10% e máximo de 20% não só sobre o valor da condenação, como, também, sobre o proveito econômico obtido ou a incidir sobre o valor atualizado da causa, se ausente condenação liquida.

Na verdade, a novel legislação buscou retirar o caráter eminentemente subjetivo e aleatório que circundava o arbitramento dos honorários advocatícios, os quais, na vigência do Código de Processo Civil de 1973 acabavam por, em regra, ser fixados em patamares assimétricos pelos tribunais e, com frequência, muito aquém da árdua tarefa desempenhada pelos causídicos ao longo de anos de trabalho.

O critério criado pelo novo Código de Processo Civil, portanto, visou regular a fixação dos parâmetros concretos para os honorários sucumbenciais, permitindo às partes e aos advogados que prevejam, efetivamente, os eventuais prejuízos e ganhos com a propositura da demanda.

Essas balizas para a fixação da verba de sucumbência propõem-se, até mesmo, a impedir a distribuição de ações temerárias, nas quais a parte é sabedora de que o direito não lhe assiste, mas move processo em face do réu sem preocupação com o valor a ser fixado a título de verba sucumbencial.

Na verdade, os advogados privados, que trabalham, na maioria das vezes, anos a fio em uma causa, geralmente contando somente com os honorários finais, não podem ser penalizados por uma fixação arbitrária da verba sucumbencial, sem levar em conta o efetivo proveito econômico envolvido na causa, seja ou não relacionado à condenação proferida.

Não obstante a clareza da previsão do § 2º do art. 85 da lei processual, que está em pleno vigor desde março de 2016, é possível contatar vários julgados dos tribunais de todo o País no sentido de que o patamar objetivo estabelecido pelo legislador poderia, em hipóteses casuísticas, ser afastado, repristinando-se a já revogada fixação equitativa dos honorários de sucumbência. Assim o fazem com base no § 8º, do mesmo dispositivo legal, o qual dispõe que “Nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do § 2º.”

Nos parece evidente, no entanto, que tal parágrafo contempla, apenas e tão somente, uma exceção à regra geral, a ser invocada addito grano sallis, como recomendava Plínio, o Velho, ao grande General Pompeu. Afinal, fosse essa norma de aplicação amplificada e em confronto ao seu próprio comando, colidiria com o disposto no § 2º do art. 85 e com todos os critérios ali fixados.

Defensores da aplicação descomedida do § 8º do art. 85 do Código de Processo Civil sustentam que há situações nas quais a verba sucumbencial seria desproporcionalmente alta e injustificada.  Cita-se exemplo de uma condenação de R$ 100 milhões, que poderia redundar em honorários sucumbenciais de, no mínimo, R$ 10 milhões. No entanto, o profissional que estiver conduzindo uma demanda que envolva R$ 100 milhões, assume riscos nesse mesmo montante. Afinal, se perder um prazo relevante, por exemplo, deverá indenizar seu cliente em valor milionário.

Ademais, em causas de grande envergadura, trabalham, anos a fio, equipes com numerosos advogados, empenhados no resultado final favorável. E muitos desses profissionais só serão remunerados pela verba sucumbencial. Até recebe-la – apenas se forem vencedores – terão que arcar durante anos com todas as despesas inerentes a um escritório de advocacia, composto de profissionais destacados e capazes de atuar em feitos complexos.

Feitas as contas, se constatará que, diante do tramite de muitos anos de um processo judicial, o valor recebido, dividido pelos meses trabalhados a cada membro da equipe, não será abusivo ou desproporcional.

Diante dessa nova versão da vetusta controvérsia sobre a fixação dos honorários sucumbenciais, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) pronunciou-se sobre o tema no julgamento do RE 1.746.072/PR, afetado à sua 2ª Seção.

Com muita propriedade e deferência ao legislador, a 2ª Seção do STJ, por ampla maioria de votos, nos termos do judicioso voto vencedor do eminente Ministro Raul Araújo, definiu a forma de cálculos dos honorários de sucumbência, tal como determina o § 2º do art. 85 do Código de Processo Civil em vigor. Com esse relevante precedente, reduziram-se, de forma significativa, as hipóteses nas quais o magistrado poderá, com base nos princípios gerais de proporcionalidade e razoabilidade, arbitrar por equidade o montante devido pela parte vencida, a título de honorários sucumbenciais.

Não obstante o contundente e paradigmático julgamento, a celeuma jurídica sobre o tema não chegou ao fim. O recurso em questão, apesar de ter sido julgado pela 2ª Seção, não foi afetado para julgamento pelas regras dos recursos repetitivos, o que não torna o seu resultado de cumprimento obrigatório pelos demais tribunais, conforme previsão expressa do art. 927, III, do CPC/2015.

Por este motivo, atualmente, tramitam perante a 2ª Seção dois recursos especiais repetitivos, com o propósito de fixar a tese anteriormente julgada, de forma vinculante: seria possível a utilização do critério previsto no parágrafo 8º em toda e qualquer hipótese nas quais o magistrado entenda que os honorários são exorbitantes ou mesmo irrisórios? (REsp 1.812.301/SC e 1.822.171/SC). O julgamento conta a participação de diversas entidades relevantes, na qualidade de amicus curiae, tais como o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, o Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), a Defensoria Pública da União, dentre outros. 

No âmbito da 1ª Seção, competente para julgar matérias de Direito Público, dois casos sobre o mesmo tema que envolvem a Fazenda Pública (matéria tributária) também já foram julgados. No entanto, tese em sentido diametralmente oposto à 2ª Seção, a 1ª Turma pronunciou-se no sentido de que o valor dos honorário pode, sim, ser fixado por equidade, não sendo necessária a observância dos critérios específicos previstos no art. 85, § 3º (REsp 1.795.760, de relatoria do Ministro Gurgel de Farias). O referido dispositivo, aplicável em todas as causas em que figurar a Fazenda Pública, traz, de igual modo, percentuais objetivos a serem aplicados pelo julgador.

Diante da disparidade de decisões de duas Seções sobre a matéria, a Corte Especial do STJ, recentemente (novembro de 2020), afetou a questão para julgamento, de forma a pacificar o entendimento daquela Corte Superior sobre esse relevante tema (REsp 1.877.883 e 1.850.512). O julgamento, que deverá ocorrer no início de 2021, tem por objetivo por um fim ao imbróglio jurídico.