Edição 294
Homenagem ao Juiz Peter Messitte: um Legado de Justiça e Amizade
3 de fevereiro de 2025
Antônio Augusto de Souza Coelho Presidente da Comissão de Direito Agrário da OAB-SP

O juiz Peter Messitte ao lado do membro de nosso Conselho Editorial, Antônio Augusto de Souza Coelho, que assina o artigo, durante o VII Encontro de Magistrados Brasil & EUA, em 2024
No dia 11 de janeiro de 2025, perdi um grande amigo e o mundo jurídico perdeu um grande expoente, o juiz Peter Messitte. Nascido em Washington, D.C., em 1941, Peter deixou um legado inestimável de justiça, colaboração internacional e amizade, especialmente entre o Brasil e os Estados Unidos. Uma trajetória marcada por profundo compromisso com a justiça e o com o fortalecimento das relações jurídicas entre nações.
Formado pela Amherst College e pela Faculdade de Direito da Universidade de Chicago, Peter iniciou a carreira de maneira notável, servindo como voluntário do Corpo da Paz em São Paulo, ao lado da esposa, Susan, entre 1966 e 1968. Durante esse período, lecionou Common Law na Universidade de São Paulo, plantando as sementes de sua relação duradoura com o Brasil.
Ao retornar aos Estados Unidos, Peter continuou a estreitar laços com nosso país, atuando como consultor jurídico para a Embaixada do Brasil em Washington. Em 1985, a nomeação para o Tribunal Estadual de Maryland marcou o início de uma série de intercâmbios jurídicos entre juízes e advogados brasileiros e americanos.
Nomeado pelo presidente Bill Clinton ao Tribunal Distrital dos Estados Unidos para o Distrito de Maryland em 1993, Peter foi confirmado pelo Senado e iniciou carreira federal que se estendeu até a aposentadoria como juiz sênior em 2008.
Durante a carreira, recebeu inúmeras honrarias: foi nomeado cidadão honorário das cidades de São Paulo, Ribeirão Preto e Uberlândia. Recebeu diploma de Honra e Mérito da Associação Paulista dos Magistrados (APAMAGIS), a Medalha do Mérito Acadêmico da Escola Paulista dos Magistrados, e Comendas da Academia Paulista dos Magistrados e da Associação dos Juízes Federais do Brasil (AJUFE). Em junho de 2017, Peter recebeu a Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul, com grau de Comendador, concedida pelo presidente da República do Brasil e Grão-
Mestre da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul, Michel Temer. O ministro Gilmar Mendes participou da solenidade, representando o Supremo Tribunal Federal. “Parafraseando o grande compositor Tom Jobim, ‘minha obra é toda um canto de amor ao Brasil, a terra, povo, flora e fauna. À vista da minha janela ou da janela do avião.’ É uma imensa, quase indescritível honra quando o trabalho de uma vida inteira é reconhecido por um país (não menos) como sendo valioso. Isto é particularmente verdadeiro quando o trabalho se fundou em paixão genuína e plena realização profissional e pessoal. Para mim, não há maior distinção do que o reconhecimento que a República Federativa do Brasil está me concedendo, por uma vida de dedicação ao que amo, sempre amei e continuarei amando.”
Há alguns anos, Peter me fez um pedido surpreendente: queria visitar uma fazenda e aprender tudo sobre inseminação artificial e transferência de embriões em bovinos. Organizei uma verdadeira expedição ao Mato Grosso do Sul e convidei a professora Giselda Hironaka para nos acompanhar, além de minha mulher, Conceição, e meu filho, Eduardo. Peter se inteirou dos procedimentos e técnicas veterinárias, anotando minuciosamente todos os detalhes, o que deixou todos intrigados. Será que ele era fazendeiro ou veterinário? Quando o questionei, ele respondeu: “apenas curioso e ávido por novos conhecimentos.”
Quando alguns magistrados locais souberam da visita de Peter, um deles pediu para visitá-lo com a família, descendentes de norte-americanos que imigraram para Santa Bárbara d’Oeste, em São Paulo, a partir de 1867, logo após o fim da Guerra Civil dos EUA. O objetivo era saber a opinião de Peter sobre a pretensão dos imigrantes confederados de recuperar a cidadania norte-americana. A Lei de Expatriação de 1868 dos EUA determinava que cidadãos daquele país que jurassem lealdade a outro país ou servissem às forças armadas perderiam automaticamente a cidadania original. Muitos imigrantes, contudo, não renunciaram formalmente até que, no Estado Novo, Getúlio Vargas implementou políticas nacionalistas que incentivavam a naturalização de estrangeiros, obrigando-os a optar pela cidadania brasileira. Alguns descendentes de confederados, nascidos no Brasil, reivindicaram a cidadania estadunidense com base no princípio de jus sanguinis (direito de sangue). Após ouvir longamente todos os aspectos do pleito, Peter, com humor implacável, perguntou: “vocês jurariam lealdade à União e renunciariam aos princípios e festividades confederadas?” Foi um silêncio retumbante e não se tocou mais no assunto.
Peter foi grande apoiador da Operação Lava Jato, destacando-a como exemplo mundial de combate à corrupção. A paixão pela justiça transcendeu fronteiras, culminando na criação do Centro de Estudos de Direito Comparado Brasil-Estados Unidos no Washington College of Law, da American University. Este centro, único nos Estados Unidos, é testemunho duradouro do compromisso com a cooperação para o intercâmbio acadêmico com o Brasil.
Ao longo dos anos, tive a honra de colaborar com Peter por meio do Instituto Justiça & Cidadania, sob a liderança de nosso querido amigo Tiago Santos Salles. Juntos, organizamos eventos no Washington College of Law, reunindo magistrados federais dos Estados Unidos e do Brasil, promovendo diálogo frutífero e enriquecedor entre nossos países.
A partida de Peter deixa um vazio imenso, mas seu legado continua a me inspirar e a orientar todos aqueles que tiveram o privilégio de conhecê-lo. Em sua memória, é essencial a continuidade do apoio e de seu sonho, fortalecendo o Centro de Estudos de Direito Comparado e perpetuando os valores de justiça e amizade que ele tanto prezava.
Descanse em paz, querido amigo. Seu legado viverá para sempre em nossos corações e em nossas ações.
Conteúdo relacionado:
https://editorajc.com.br/2025/redd-no-brasil/
https://editorajc.com.br/2025/a-aquisicao-ou-arrendamento-de-imovel-rural-por-pessoa-juridica-com-capital-estrangeiro/