Oscar Niemeyer recebe o Troféu Dom Quixote

10 de maio de 2006

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No Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, dois acontecimentos se uniram tendo como figura central Oscar Niemeyer: o primeiro, o Fórum de Reforma Política, que brilhantemente chamaram “Oscar Niemeyer”. Sem nenhum mandato eletivo, mas com o mandato inextinguível da genialidade e do amor à coletividade, o grande arquiteto fez política por toda a vida.

Porém, como ensinaram Sócrates, Platão e Aristóteles, “política é a arte de governar os povos”. Essa política verdadeira Oscar Niemeyer não abandonou jamais. Lutou todos os combates, não calculava riscos ou vantagens, porque esse é o destino das grandes personalidades: lutar a vida inteira.

Niemeyer jamais disputou cargo algum, embora, se desejasse, seria eleito para o cargo que escolhesse (menos para o de presidente da República: o sistema ou regime não está e dificilmente estará preparado para homens como ele). Niemeyer sempre pregou a igualdade, não deixou de considerar, por um momento que fosse, que o maior problema do mundo era e continua sendo a desigualdade.

O segundo fato a que nos referíamos, pessoal para ele e ainda mais importante dada sua rara presença, foi a entrega do troféu Dom Quixote. Durante a cerimônia de outorga do prêmio, Niemeyer falou por 22 minutos, sem contar as interrupções para os aplausos. Deu uma demonstração extraordinária de memória, de vitalidade e de participação na história desde a mais distante juventude, quando, ainda na Faculdade de Arquitetura, já pertencia ao “Socorro Vermelho”, muito antes de o Partido Comunista ser fundado e legalizado em 1932.

Com voz firme e impressionante versatilidade, o premiado falou até palavras de baixo calão (da mesma forma que em 1964 quando foi preso) fazendo com que a platéia desse risadas e o aplaudisse. Nos porões da ditadura, os carcereiros não riram nem aplaudiram, ao contrário, se irritaram e se revoltaram tendo porém que libertá-lo. Sozinho e desarmado, Niemeyer era maior e mais imponente do que todos aqueles torturadores, geralmente encapuzados e armados.

A criação de Dom Quixote, em 1605, tem já 400 anos. É impossível deixar de perceber que o perfil que Cervantes criou para seu herói (que se transformou em herói do mundo) é também o de Niemeyer: o de um homem visionário, justo e sonhador.

Por volta de 1500, Leonardo da Vinci (outro gênio), para sobreviver, precisava fazer retratos das senhoras aristocratas e riquíssimas de Florença. O artista, porém, fazia duas exigências: a de receber adiantado e a de que as mulheres só poderiam olhar o retrato depois de pronto. Um dia, uma delas, recebendo o retrato, disse a ele: “mestre, que maravilha! Mas não se parece comigo”. Ao que Da Vinci fulminou: “minha senhora, dentro de mil anos ninguém saberá de sua existência, mas este retrato ainda será um Leonardo da Vinci”.

Isso é também verdadeiro para Oscar Niemeyer. Sua existência não se contará por milhares de anos, mas pela eternidade que ele já conquistou em vida.