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Holofotes jurídicos nas finanças públicas

20 de setembro de 2016

Desembargador Federal do TRF-2a Região, Professor Titular de Direito Financeiro da UERJ

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Marcus-AbrahamO país atravessa um conturbado momento econômico e político, agravado pela elevação dos gastos com o pagamento da dívida pública dos entes federados, o custo das desonerações tributárias, a crise dos Estados com falência dos serviços públicos e a assunção de despesas faraônicas para a realização dos Jogos Olímpicos, sem olvidar todos os debates sobre as chamadas “pedaladas fiscais” em processo de impeachment.

Todas essas vicissitudes – e outras ainda que poderiam ser enumeradas, como os escândalos de corrupção levantados pela Operação Lava Jato – tiveram o condão de colocar o Direito Financeiro e as finanças públicas na ordem do dia. Por isso, com o fim de lançar luzes sobre esse novo momento, buscaremos compendiar alguns dos principais assuntos que agitaram a nação nos últimos meses neste campo, de forma resumida e didática, a evidenciar o quanto a vida nacional está intimamente entrelaçada com os meandros das normas e realidades financeiras.

O impeachment e o Direito Financeiro

O evento fiscal mais questionado e marcante dos últimos anos, que ensejou o pedido de impeachment da Presidente da República, foi a rejeição pelo Tribunal de Contas da União (TCU) das contas da Presidência da República. Dentre as irregularidades apontadas pelo TCU, encontravam-se as tão faladas “pedaladas fiscais”.

A manobra das pedaladas consistia na postergação mensal do repasse, para certos bancos públicos, de recursos financeiros destinados ao atendimento de programas sociais e previdenciários, gerando para o Governo, como benefício, um temporário aumento no superávit primário das contas públicas e uma aparente maior capacidade de cumprimento das metas fiscais, diante de um real desequilíbrio fiscal e das sérias dificuldades financeiras que o país atravessa.

Em relação às pedaladas, destacou-se a violação ao artigo 36 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que proíbe operação de crédito entre uma instituição financeira estatal e o ente da Federação que a controle, na qualidade de beneficiário do empréstimo. Tal infração seria originária dos adiantamentos concedidos para a União pela Caixa Econômica Federal (CEF) para cobertura dos programas Bolsa Família, Seguro Desemprego e Abono Salarial de 2013/2014, dos adiantamentos concedidos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para a cobertura do Programa de Sustentação do Investimento de 2010/2014, e dos adiantamentos concedidos pelo Fundo de Garantia por Temppo de Serviço (FGTS) para as despesas do Programa Minha Casa, Minha Vida de 2010/2014. Enquanto as instituições financeiras efetuavam os pagamentos em dia aos beneficiários sem ter recebido o repasse da União, esta, por sua vez, não contabilizava como dívida o adiantamento, não afetando as estatísticas oficiais da meta de superávit primário.

A proibição do art. 36 da LRF se justifica por razões de transparência, controle e gestão fiscal responsável. Afinal, quem não se recorda da crise dos bancos públicos estaduais que o país viveu na década de 1990, jogando-se pelo ralo bilhões de reais com programas de reestruturação do sistema financeiro como o Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (Proer)? Pelos cálculos do TCU, as manobras fizeram com que não fossem contabilizados R$ 40,2 bilhões na Dívida Líquida do Setor Público no ano passado.

Além das pedaladas, o Relatório do TCU apontou a falta de contingenciamento em gastos discricionários de mais de 28 bilhões de reais, diante da queda da arrecadação; a omissão nas estatísticas da Dívida Pública de 2014 das dívidas da União com o Banco do Brasil (BB), BNDES e FGTS; a ausência do rol de prioridades no Projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2014; distorções nas informações relacionadas a indicadores e metas do Plano Plurianual (PPA) 2012/2015; o pagamento pela União de dívida contratual junto ao FGTS sem autorização orçamentária em 2014; os gastos superiores ao autorizado no orçamento de estatais como Telebrás e Furnas; a utilização da execução orçamentária de 2014 para influenciar a apreciação do Projeto de Lei PLN 36/2014 que reduzia a meta de superávit primário.

Felizmente, as “pedaladas fiscais” foram quitadas no final de 2015 (em 30 de dezembro). Reconhecendo o entendimento perfilhado pelo TCU, a União pagou R$ 72,375 bilhões em passivos junto a bancos públicos e ao FGTS. Do total, R$ 55,572 bilhões se referem aos passivos de 2014 e R$ 16,803 bilhões a obrigações de 2015.

Mas tal quitação não impediu que a Presidente da República fosse acusada de crime de responsabilidade por violação de normas de direito financeiro. O legado deste processo de impeachmenté a lição de que a responsabilidade na gestão fiscal, seja qual for a tendência ideológica do governante, não é um luxo de pedantes burocratas – é artigo de primeira necessidade, previsto nas leis e na Constituição brasileira.

A ascensão do crédito público como fonte de financiamento

No Brasil, os tributos foram, até bem pouco tempo, a principal fonte de receitas públicas. Atualmente, a maior representatividade da arrecadação está nas receitas financeiras decorrentes das operações de crédito, chegando a ultrapassar 50% do orçamento. O restante, menos de 10% do total, decorre das receitas de natureza patrimonial, industrial, de serviços, alienação de bens etc.

As operações de crédito público – também denominadas de ingressos temporários – se concretizam através de contratos, sejam eles específicos e diretos entre o credor e o devedor, sejam eles operacionalizados através da emissão pulverizada de títulos públicos (p. ex., Bônus do Tesouro Nacional, Obrigações do Tesouro Nacional, Letra Financeira do Tesouro Nacional, Nota do Banco Central e Letra do Tesouro Nacional). Temos, ainda, a operação de crédito por antecipação de receita, que se trata de uma autorização para que o tesouro público possa contrair uma dívida de curto prazo, a ser liquidada quando da entrada do numerário referente a uma receita pública futura a ela vinculada, destinando-se a atender a insuficiência momentânea de caixa.

De acordo com dados do Banco Central, a dívida bruta dos governos, tomadas conjuntamente as três esferas da Federação, girava em torno de 57% em 2013, 63% em 2014 e 66% em 2015. Segundo o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2017, a previsão do percentual da dívida pública bruta para os próximos anos girará em torno de 75% do Produto Interno Bruto (PIB), o que revela um crescimento significativo e preocupante, sobretudo diante de um cenário de desaceleração da economia, queda na arrecadação e déficit fiscal.

O tamanho da dívida pública – hoje em torno de R$ 2,9 trilhões – não é por si só o elemento preocupante, mas sim a qualidade do seu custo. Desde julho de 2015, a taxa Selic está em 14,25% ao ano, sendo certo que a cada 0,25 ponto percentual de majoração a despesa com juros sobe cerca de R$ 6 bilhões. Nos últimos 12 meses, o Brasil pagou cerca de R$ 500 bilhões em juros da dívida.

Segundo a Exposição de Motivos da LRF, dentre outros propósitos, esta lei “tem como objetivo a drástica e veloz redução do déficit público e a estabilização do montante da dívida pública em relação ao Produto Interno Bruto da economia”. Para tanto, a LRF estabelece inúmeras regras fiscais que impactam a gestão da dívida pública nos três níveis de governo: federal, estadual e municipal. Inicia fixando conceitos básicos de dívida pública. Determina limites para endividamento e operações de crédito, prevendo regras para a recondução da dívida aos limites de endividamento, na busca do equilíbrio fiscal. E sistematiza as normas para a realização das operações de crédito, inclusive das conduzidas pelo Banco Central, além de prever regras sobre garantias das operações.

Exatamente para realizar estes ideais, o art. 30 da LRF prevê a necessidade de fixação de limites para a dívida pública e para as operações de crédito, que serão fixados em percentual da receita corrente líquida para cada esfera de governo e aplicados igualmente a todos os entes da Federação, constituindo, para cada um deles, limites máximos, sendo seu atendimento verificado quadrimestralmente.

Cabe registrar que, infelizmente, os limites globais da dívida consolidada da União ainda não foram fixados, sendo estes estabelecidos apenas para Estados, DF e Municípios (Resoluções 40 e 43 do Senado). O Projeto de Resolução 84, de 2007, encaminhava ao Senado proposta de limites globais para o montante da dívida consolidada da União, fixava o limite para a Dívida Consolidada Líquida da União em valor equivalente a 3,5 vezes a Receita Corrente Líquida e estabelecia como sanção para o descumprimento do limite a proibição de contratar novas operações de crédito. Ocorre que a tramitação do PRS 84/2007 não foi concluída e a União permanece sem limite máximo para sua dívida, não obstante a obrigação constitucional e legal desta fixação, transcorridos mais de 27 anos desde a promulgação da Constituição e 16 anos desde a publicação da LRF.

Desonerações tributárias

A eficácia de políticas de concessão de incentivos fiscais através de mecanismos de desonerações e renúncias de receitas tributárias, objetivando estimular e desenvolver determinados segmentos econômicos e sociais, é um tema sempre recorrente. E este assunto se torna ainda mais controvertido quando se tem noticiado ultimamente que o volume financeiro de tais medidas – tanto no governo federal, como em muitos estados e municípios – chega a atingir algumas centenas de bilhões de reais nos últimos anos, afetando a saúde das contas públicas.

O efeito financeiro de uma renúncia de receita e de um gasto é o mesmo, já que aquele determinado recurso financeiro cujo ingresso era esperado nos cofres públicos deixa de ser arrecadado por força de alguma espécie de renúncia fiscal. Por isso, a expressão usual atribuída em inglês a esses benefícios é “Tax Expenditure”, a qual pode ser traduzida como “gasto tributário”.

Esses mecanismos se operacionalizam através de anistias, remissões, subsídios, créditos fiscais, isenções, redução de alíquotas ou base de cálculo. Exemplos clássicos são os da Zona Franca de Manaus, Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) e Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), Regime Tributário para Incentivo à Modernização e à Ampliação da Estrutura Portuária (Reporto), Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários para Empresas Exportadoras (Reintegra), Regime Aduaneiro Especial de Importação e Exportação de Bens Destinados à Pesquisa e Lavra de Petróleo e Gás (Repetro), desonerações pontuais de tributos incidentes na industrialização (IPI), na circulação (ICMS) ou em serviços (ISS) para estimular o consumo, ou na folha de pagamentos, para estimular a empregabilidade.

O efeito potencial esperado pelo Estado – favorecimento a determinados setores, atividades ou regiões – é o incentivo à adoção de uma determinada prática ou conduta do beneficiário do incentivo, que ofereça e gere um ganho à comunidade diretamente relacionada ou à sociedade em geral. Já o efeito concreto, sob o ponto de vista da Fazenda Pública, é a redução na arrecadação e, para o particular beneficiado, é o aumento da disponibilidade econômica e financeira.

A questão é se tais incentivos fiscais são mais ou menos eficientes em relação a subsídios ou transferências financeiras governamentais diretas, ponderando se o custo dos incentivos concedidos gera como contrapartida os resultados esperados (custo/benefício), e se tais resultados são equivalentes ou superiores aos da aplicação direta dos subsídios ou transferências financeiras.

Ocorre que, em um país com as características do Brasil – de dimensões continentais e repleto de diferenças regionais econômicas, sociais e culturais –, estruturado como federação, outra inquietude se revela: a guerra fiscal entre os entes federativos, disputa que ocorre na busca da atração de investimentos, empreendimentos e recursos privados para o seu respectivo território, a partir da concessão de incentivos fiscais, com o objetivo de gerar mais renda, empregos, crescimento econômico e desenvolvimento local.

Críticos alertam que, como não há comprovação quantitativa de que os resultados dos investimentos realizados são superiores ao valor das renúncias concedidas, haveria dúvidas se a aplicação direta dos recursos abdicados geraria maior benefício para aquela sociedade em vez da concessão direta dos estímulos.

Ademais, a eficácia econômica desta conta financeira deve levar em consideração que o maior desenvolvimento de determinada localidade favorecida pelos incentivos fiscais gerará, naturalmente, um aumento populacional e maior demanda de serviços públicos, especialmente os de saúde, segurança, transporte e saneamento, acarretando um maior gasto da máquina estatal.

Sob a ótica do equilíbrio federativo, outra questão surge, já que os entes federativos mais desenvolvidos detêm maior capacidade para oferecer benefícios e suportar por mais tempo as renúncias fiscais, atraindo número superior de investimentos e prejudicando ainda mais os entes menos desenvolvidos.

E, sob a perspectiva nacional e a partir de uma visão global da federação, não haveria um ganho efetivo, mas apenas o deslocamento dos investimentos de um local para outro. Além disso, a multiplicação e banalização da prática acarreta a perda da eficácia do estímulo, com a inexorável redução global da arrecadação.

No lado empresarial, as críticas também aparecem. Uma delas é relativa ao desequilíbrio concorrencial decorrente da desvantagem competitiva imposta às empresas não agraciadas pelos benefícios fiscais. Questiona-se também a eficiência alocativa dos fatores de produção, uma vez que o empreendimento se estabelecerá em localidade escolhida unicamente por força dos benefícios fiscais e não pelas suas características próprias, deixando de considerar fatores como o distanciamento do seu mercado consumidor e de fornecedores, custos de transporte e logística, a deficiência de qualificação da mão de obra e de infraestrutura etc.

No viés ideológico, o debate ganha colorido e com reflexos políticos, ao se ponderar que o direcionamento dos recursos públicos oferecidos ao setor privado cria uma imagem de Estado interventor e diretivo, se comparado à ideia de Estado liberal, no caso de este, ao invés de vincular a aplicação de recursos, simplesmente transferir para o setor privado a decisão de alocação de recursos originários das renúncias fiscais nas áreas que indicar como prioritárias.

Sem desconsiderar a necessidade de otimização dos resultados pretendidos por uma ou outra via, fato é que, enquanto os subsídios ou transferências diretas de recursos financeiros são obrigatoriamente registrados nos orçamentos pelo valor efetivamente despendido, como espécie de despesa pública – o que demanda uma reavaliação anual da conveniência e interesse da sua manutenção –, os montantes financeiros dos incentivos fiscais concedidos através de renúncias não são claramente quantificados e, por consequência, não são adequadamente registrados nas peças orçamentárias, dificultando seu controle e percepção do resultado, não apenas pelo gestor público, como também, e principalmente, pela sociedade.

Pautada pelos ideais de transparência e de controle fiscal, a LRF, vislumbrando o mesmo efeito matemático entre a renúncia de receita e um gasto, sabiamente atribui às renúncias de receitas igual importância a que dá às despesas públicas. Aliás, logo em seu artigo 1o expressamente consignou que a responsabilidade na gestão fiscal pressupõe, dentre outras medidas, “a obediência a limites e condições no que tange à renúncia de receita” (§1o).

A LRF também determinou, em seu artigo 14, que a concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias, bem como observar pelo menos uma das seguintes condições: I – demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias; II – estar acompanhada de medidas de compensação, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.

Essas exigências, aliás, acompanham a previsão do art. 165, § 6o, da Constituição, o qual impõe que o projeto de Lei Orçamentária Anual seja acompanhado de demonstrativo regionalizado do efeito, sobre as receitas e despesas, decorrente de isenções, anistias, remissões, subsídios e benefícios de natureza financeira, tributária e creditícia.

Pode-se tirar a conclusão de que, sempre que decidir adotar o mecanismo de desonerações, o administrador público deverá observar e respeitar as regras jurídicas para a sua concessão, sobretudo aquelas previstas na Lei de Responsabilidade Fiscal (artigos 1o e 14) e na Constituição Federal (art. 165), para que interesses ideológicos ou políticos não se sobreponham ao interesse público e afetem o equilíbrio e a saúde das contas públicas, prejudicando, ao final, o cidadão.

Estado de calamidade financeira dos Estados

Não é novidade que os Estados enfrentam graves problemas financeiros para dar cumprimento a suas atividades essenciais, em virtude de índices de endividamento crescentes (sobretudo para com a União). O panorama é tão nebuloso que pode ser exemplificado com uma inovação ocorrida no Estado do Rio de Janeiro: pela primeira vez, ocorreu a decretação de um estado de calamidade pública no âmbito financeiro, por Decreto do Governador desse Estado (em atitude inédita, vez que, em regra, lança-se mão do estado de calamidade somente em um quadro de desastres e catástrofes naturais).

O cenário fiscal que justificou tal regime era representado financeiramente, pelo lado da receita, por uma queda anual na arrecadação, que se repetia desde 2012, no montante de cerca de R$ 3 bilhões em royalties e participações especiais, e de quase R$ 4 bilhões de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS); já pelo lado da despesa, verificou-se, entre os anos de 2009 e 2015, um crescimento nos gastos com pessoal da ordem de R$ 5,5 bilhões e, no mesmo período, um aumento de R$ 6,2 bilhões com despesas de inativos e pensionistas. Quanto à dívida pública do Estado do Rio de Janeiro com a União, o salto foi olímpico, partindo de R$ 57,6 bilhões em 2010 para o patamar de R$ 101,4 bilhões em 2015.

Dos números para o mundo concreto, a realidade não poderia ser diferente: atrasos recorrentes nos pagamentos do pessoal ativo, inativo e pensionistas; inadimplência perante os fornecedores; paralisações e greves em diversos órgãos e instituições estaduais; escolas, hospitais e segurança pública com dificuldades de funcionamento mínimo.

Diante do contexto, os principais fundamentos do decreto a justificar o estado excepcional de calamidade financeira foram: a grave crise econômica que assola o Estado; a queda na arrecadação do ICMS, dos royalties e das participações especiais; que esforços de reprogramação financeira já haviam sido empreendidos; a preocupação em honrar os compromissos para os Jogos Olímpicos de 2016; as dificuldades na prestação de serviços públicos essenciais com a preocupação de eventual colapso nas áreas da saúde, educação, segurança, mobilidade e gestão ambiental.

Como consequência desse regime excepcional, o decreto autorizou a adoção de medidas necessárias à racionalização de todos os serviços públicos essenciais, a serem regulamentadas a partir da edição, pelas respectivas autoridades competentes, de atos normativos específicos.

Pode-se inferir que este decreto, além de chamar a atenção de toda a nação para a grave situação financeira em que se encontra o Estado do Rio de Janeiro, visou a respaldar as autoridades públicas estaduais para que pudessem tomar decisões e adotar medidas de natureza administrativa de caráter urgente e, em certos casos, até mesmo drásticas, especialmente para permitir a regular e satisfatória realização dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos, sem que os respectivos gestores públicos respondessem administrativamente por irregularidades decorrentes de tais ações.

E, de fato, este recurso surtiu efeito, já que o Governo Federal editou a Medida Provisória 734/2016, pela qual se concede um apoio financeiro de R$ 2,9 bilhões ao Governo Estadual do Rio de Janeiro. Tais recursos, desprovidos de necessidade de restituição, liberar-se-ão em parcela única e destinados a auxiliar as despesas com segurança pública do referido Estado decorrentes da realização dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos que se iniciam em agosto do corrente ano. E, com o aval do TCU, que reconheceu o caráter de urgência na despesa não prevista no orçamento, editou-se a Medida Provisória 736/2016, através da qual o Governo Federal abriu crédito extraordinário em favor de transferências a Estados, Distrito Federal e Municípios, naquele mesmo valor.

Conclusão

O protagonismo assumido pelas discussões de Direito Financeiro permitiu que se tivesse real dimensão da importância da higidez das finanças públicas para a estabilidade econômica e o progresso nacional. Não à toa, os estudos e encontros sobre a matéria têm sido estimulados, como se pode ver com a realização, nos dias 1 e 2 de setembro de 2016, no Tribunal de Contas do Município do Rio de Janeiro, do III Congresso Internacional de Direito Financeiro, cujo leitmotiv é precisamente “Orçamento Público e Responsabilidade Fiscal”.

Goste-se ou não, a desatenção às normas financeiras e ao tripé do planejamento, equilíbrio e transparência portou consequências reais e sentidas pelos cidadãos. De especialidade tida como abstrusa, em geral oculta aos olhos da população e despertando pouco interesse na comunidade jurídica, o Direito Financeiro foi subitamente catapultado às primeiras páginas do noticiário. Colocado que foi sob os holofotes, já não mais pode ser ignorado, sendo hoje um dos atores principais nas decisões essenciais para os rumos futuros da nação.