Edição 59
História recente da economia brasileira
5 de junho de 2005
Ernane Galvêas Economista e Ex-Ministro do Fazenda
Discute-se, atualmente, a característica da economia brasileira crescer como um “vôo de galinha”: cresce em um ou dois anos e volta a patinar num período de três ou quatro anos de baixo crescimento ou, mesmo, de estagnação.
Na história recente do Brasil, houve dois períodos marcados pelo crescimento sustentado: no Governo Juscelino Kubistcheck, de 1957 a 1961, a economia brasileira cresceu a uma taxa média de 8,3%, superando o crescimento tradicional dos anos 40 e 50; o segundo período ocorreu no Governo militar, de 1968 a 1980, com o chamado “milagre brasileiro”, quando a economia cresceu, em média, 8,9 % ao ano, sendo que em 1973, chegou a 14,0%!
As duas crises do petróleo, a primeira iniciada em 1973 e a segunda em 1979, abalaram a economia brasileira, fortemente dependente da importação de energia, naquelas épocas. A elevação dos preços do petróleo, dos fertilizantes, dos produtos químicos e outros, veio acompanhada da queda das nossas exportações e dos preços dos produtos básicos. A estratégia, adotada nos dois períodos, foi de recorrer ao endividamento externo, a fim de impedir a recessão. Funcionou. O Brasil passou a crescer menos, porém, continuou a crescer. Assinale-se que, a partir de 1979, as taxas de juros internacionais nos Estados Unidos atingiram níveis inimagináveis, passando a sobrecarregar a dívida externa acumulada nos anos de 1974 a 1980. Em 1982, o Brasil despendeu com a importação de petróleo e o pagamento de juros mais do que o total de nossas exportações. É fácil imaginar o esforço e os sacrifícios que foram realizados para superar essas dificuldades. A crise externa pôs um ponto final à longa tradição de crescimento da economia nacional e, ainda mais, gerou fortes pressões inflacionárias e forte expansão dos gastos públicos.
Entre 1981 e 1984, com inaudito esforço, as importações brasileiras foram reduzidas de US$ 22,1 bilhões (1981), para aproximadamente US$ 13,9 bilhões (1984), enquanto a crise da dívida externa produzia uma complicada insolvência cambial, acompanhada de uma inflação galopante.
A partir de 1979, a inflação passou a dominar o cenário nacional, escapando inteiramente ao controle das autoridades. Localiza-se a origem desse processo em 1964, quando se introduziu a correção monetária para a dívida pública e os tributos federais. A partir daí, adotou-se um sistema de indexação generalizada, abrangendo todos os preços: salários, taxa de câmbio, bens e serviços, cadernetas de poupança, títulos públicos e privados. Gerou-se, então, uma inflação inercial, em que o aumento de preços produzia aumento de salários, em seguida, desvalorização cambial, voltando aos preços. Um verdadeiro circulo vicioso inflacionário, auto alimentável. A inflação brasileira passou de 100% nos anos 1980/1982, para 200% em 1983/1985, até chegar a 2.700%, em 1993. Acrescente-se que a inflação de um único mês, em março de 1990, chegou a mais de 80% !
O descalabro inflacionário subverteu toda a atividade econômica, produzindo, inclusive, uma colossal perda no poder aquisitivo dos salários, que caiu de 60% da Renda Nacional nas décadas de 50 e 60, para 30% nas décadas de 80 e 90.
A subversão não parou aí. Nos anos de 1987 e 1988, as discussões sobre a nova Constituição Federal criaram um verdadeiro pânico nos meios empresariais, acreditando-se que, nesse período, tenha ocorrido uma fuga para o exterior de US$ 36 bilhões de dólares, de capitais estrangeiros e nacionais. A partir da Constituição de 1988, o Estado praticamente dobrou de tamanho, sob a égide do regime presidencialista, quando toda a concepção dos constituintes havia sido moldada para um sistema parlamentarista federativo, com significativa transferência de recursos da União para os Estados e Municípios. Assim, a reforma tributária da Constituição de 1988 foi um desastre para a União que, desde então, vem se compensando das perdas com a elevação das piores formas de contribuições sociais, não compartilhadas com os demais entes federativos.
Qualquer diagnóstico da economia brasileira, hoje, vai nos indicar que o maior obstáculo à retomada do desenvolvimento está nas gigantescas dimensões do Estado que, como se diz, não cabe mais dentro do PIB. O mega-Estado brasileiro, ano após ano, veio requerendo o aumento continuado da carga tributária, que passou de 20% do PIB, nos anos 70, para 37,0%, atualmente. Como o Estado continua deficitário em cerca de 3,5%, é certo que absorve, grosso modo, 40% de recursos do setor privado que, assim, perdeu grande parte de sua capacidade de investir e criar empregos.
Combine-se a carga tributária com as taxas de juros mais elevadas do mundo, acrescente-se a pesada burocracia e a corrupção daí resultante, e vamos ver que o atual cenário brasileiro é medíocre, em termos de crescimento, de distribuição da renda nacional e de redução das desigualdades sociais.
A esperança que nos resta é que, conhecido o diagnóstico, seja possível encontrar a terapêutica adequada.