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Funções institucionais do Ministério Público Federal e da Polícia Federal no âmbito da investigação criminal: A necessária complementaridade no exercício das respectivas atribuições

15 de junho de 2016

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Victor Luiz dos Santos Laus1. Introdução

Recentemente, a Oitava Turma deste Tribunal Regional Federal da 4a Região enfrentou questão atinente às prerrogativas institucionais inerentes às atividades desempenhadas, com fundamento constitucional, pelo Ministério Público Federal, de um lado, e pela Polícia Federal, de outro, em julgamento concluído na sessão realizada em 2-9-2015. O debate instaurou-se durante a apreciação de Agravo Regimental interposto no Recurso Criminal em Sentido Estrito 5032332-92.2014.4.04.0000.

A moldura fática verificada na hipótese, que acabou por dar ensejo à situação de tensão entre o titular da ação penal pública e a autoridade policial, poderia ser assim resumida: iniciou-se, em 24-1-2014, inquérito policial, a partir de requisição do Ministério Público Federal, para apurar possíveis crimes de furto, roubo e receptação praticados, em tese, por indígenas; após a realização de diligências investigatórias, a Polícia Federal elaborou relatório conclusivo, em 14-11-2014, no qual, ao final, sugeria respeitosamente ao Juízo Federal competente, após a oitiva do presentante ministerial, que analise a possibilidade de declinação da competência (…)”. Isso porque, no entender do signatário do mencionado relatório, cuidava-se, no caso, de crimes de natureza comum, e não daqueles delitos que o Constituinte de 1988 teria pretendido abranger ao estabelecer a competência da Justiça Federal para apreciar “a disputa sobre direitos indígenas” (artigo 109, XI).

Remetidos os autos a juízo, colheu-se manifestação do órgão ministerial contrária à proposição da autoridade policial, na qual se ressaltava que a atribuição do parquet federal para o feito havia sido assentada, no âmbito interno daquela instituição, pela mais alta instância competente para tanto, a 2a Câmara de Coordenação e Revisão. Nada obstante, sobreveio decisório no qual restou declinada a competência, em favor da Justiça Estadual gaúcha. Em face dessa decisão, o Ministério Público Federal interpôs recurso criminal em sentido estrito que, inicialmente, teve seu seguimento negado por decisão unipessoal proferida por quem, à época, estava no exercício da relatoria, mas que acabou por chegar ao conhecimento da Turma, em virtude do manejo do competente agravo regimental.

2. Atuação da Polícia Federal e do Ministério Público Federal no âmbito da investigação criminal: limites ao exercício das respectivas prerrogativas institucionais

Nas razões recursais oferecidas pelo dominus litis, postulava-se a reforma do provimento exarado em primeira instância, com base em dois argumentos centrais: primeiro, que a autoridade policial não teria capacidade para postular, diretamente ao Judiciário, a declinação da competência; e, segundo, que essa declinação não poderia dar-se de ofício. Acolhida a validade desses dois fundamentos, o resultado a que se chegaria, na visão do recorrente, seria a manutenção da competência federal.

O Colegiado, ao concluir o julgamento, deu provimento, à unanimidade, ao agravo regimental para determinar o prosseguimento do feito na Justiça Federal, ao menos até que fossem mais bem esclarecidos os fatos objeto de investigação. As razões de decidir, expostas pela maioria, não coincidiram, integralmente, com os motivos que, na visão deste julgador, justificavam a reforma do decisório contrastado; não por outra razão, fez-se constar do acórdão a apresentação de fundamentação diversa pelo signatário deste, a qual, nesta oportunidade, dada a relevância e a atualidade do tema, passamos a explicitar.

2.1 Remessa dos autos do inquérito pela Polícia Federal diretamente ao Poder Judiciário, após a elaboração do relatório final: artigo 1o da Resolução CJF 63/2009 versus artigo 10, § 1o, do Código de Processo Penal

Quanto ao primeiro argumento deduzido pelo órgão ministerial (“a autoridade policial não teria capacidade para postular, diretamente ao Judiciário, a declinação da competência”), consignamos que, a rigor, não teria havido “postulação” ou “requerimento” dirigido pela Polícia Federal ao magistrado a quo; remeteu-se ao julgador, em verdade, o relatório final do inquérito, no qual estava contida mera sugestão de avaliação da possibilidade de incompetência do juízo.

Nesse contexto, a questão a ser dirimida, portanto, diria respeito à (im)possibilidade de que a autoridade policial, uma vez relatado o inquérito, remetesse-o diretamente ao Judiciário, e não ao Ministério Público Federal, e, no passo seguinte, investisse sobre atribuição assegurada, constitucionalmente, ao parquet.

Diante desse quadro, ressaltamos, inicialmente, que a Resolução 63/2009 do Conselho da Justiça Federal instituiu a tramitação direta dos inquéritos policiais entre a autoridade policial e o Ministério Público Federal e estabeleceu, em seu artigo 1o, que os apuratórios somente seriam admitidos à distribuição nas Varas Federais quando houvesse:

a) comunicação de prisão em flagrante efetuada ou qualquer outra forma de constrangimento aos direitos fundamentais previstos na Constituição da República;

b) representação ou requerimento da autoridade policial ou do Ministério Público Federal para a decretação de prisões de natureza cautelar;

c) requerimento da autoridade policial ou do Ministério Público Federal de medidas constritivas ou de natureza acautelatória;

d) oferta de denúncia pelo Ministério Público Federal ou apresentação de queixa crime pelo ofendido ou seu representante legal;

e) pedido de arquivamento deduzido pelo Ministério Público Federal;

f) requerimento de extinção da punibilidade com fulcro em qualquer das hipóteses previstas no art. 107 do Código Penal ou na legislação penal extravagante.

 Assim, com base na aludida Resolução, não seria justificado, na hipótese então em exame, o envio dos autos diretamente ao Juízo de origem.

De outro lado, o artigo 10, § 1o, da Lei Adjetiva Penal veicula dispositivo redigido nas seguintes linhas:

 Art. 10.  O inquérito deverá terminar no prazo de 10 dias, se o indiciado tiver sido preso em flagrante, ou estiver preso preventivamente, contado o prazo, nesta hipótese, a partir do dia em que se executar a ordem de prisão, ou no prazo de 30 dias, quando estiver solto, mediante fiança ou sem ela.

§ 1o A autoridade fará minucioso relatóriodo que tiver sido apurado e enviará autos ao juiz competente.(…) (destaques nossos)

 Acerca da vigência e da eficácia desse normativo, observamos que é elucidativo o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.886 (Tribunal Pleno, Rel. p/ acórdão Ministro Joaquim Barbosa, j. 03-4-2014, DJe 5-8-2014).

Naquele processo objetivo, foi atacada norma contida no artigo 35, IV, da Lei Complementar 106/2003, do Estado do Rio de Janeiro, o qual apresentava o seguinte conteúdo:

Art. 35 – No exercício de suas funções, cabe ao Ministério Público:

(…)

IV – receber diretamente da polícia judiciária o inquérito policial, tratando-se de infração de ação penal pública;

(…)

Ao final do julgamento, declarou-se a inconstitu­cionalidade formal do dispositivo, tendo em vista, em síntese, que o exercício da competência legislativa pelos Estados, quanto a procedimentos em matéria processual, deve observar os limites estabelecidos pelas normas gerais editadas pela União (artigo 24, XI e parágrafo 1o, da Constituição de 1988); e, em face do contido no artigo 10, § 1o, do Código de Processo Penal, não poderia a lei estadual determinar a remessa imediata do inquérito relatado ao Ministério Público, sem o prévio trânsito pelo Poder Judiciário.

Essa declaração de inconstitucionalidade não se fez sem o reconhecimento dos méritos da tramitação direta entre polícia e Ministério Público, como se nota na leitura do voto do Ministro Joaquim Barbosa, Relator para acórdão:

 (…)

A enunciação dos diferentes aspectos da questão é importante para que fique claro que o art. 35, IV, da Lei Complementar estadual n. 106/2003, é inconstitucional, ante a existência de vício formal, pois extrapolada a competência suplementar delineada no art. 24, §1o, da Constituição Federal de 1988. Ao assim me posicionar, não desconheço que o Ministério Público é o destinatário da investigação feita e o fiscal da regularidade do inquérito (cf. CARVALHO, Salo de. ‘Considerações sobre o arquivamento do inquérito policial: requisitos e controle judicial (estudo de caso)’. In Revista Brasileira de Ciências Criminais, vol. 83, mar./2012, p. 322). Com efeito, o procedimento do inquérito policial, conforme previsto pelo Código de Processo Penal, torna desnecessária a intermediação judicial quando ausente a necessidade de adoção de medidas constritivas de direitos dos investigados, razão por que projetos de reforma do CPP propõem a remessa direta dos autos ao Ministério Público (HAMILTON, Sergio Demoro. ‘O Inquérito policial no projeto de Código de Processo Penal’. In Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal, n. 46, fev-mar/2012, p. 11).

Entretanto, a disciplina legal estadual, que se coaduna com a crítica doutrinária ou com a exigência de maior coerência no ordenamento jurídico, não afasta a sua inconstitucionalidade formal, insuscetível de superação com base em avaliações pertinentes à preferência do julgador sobre a correção da opção feita pelo legislador dentro do espaço que lhe é dado para livre conformação. (…)” (destacamos)

 A ementa do julgado foi elaborada nos termos que se seguem:

 Ação direta de inconstitucionalidade. Incisos IV e V do art. 35 da Lei Complementar no 106/2003, do Estado do Rio de Janeiro. Necessidade de adequação da norma impugnada aos limites da competência legislativa concorrente prevista no art. 24 da Constituição Federal. Ação julgada parcialmente procedente apenas para declarar a inconstitucionalidade do inciso IV do art. 35 da Lei Complementar Estadual. A legislação que disciplina o inquérito policial não se inclui no âmbito estrito do processo penal, cuja competência é privativa da União (art. 22, I, CF), pois o inquérito é procedimento subsumido nos limites da competência legislativa concorrente, a teor do art. 24, XI, da Constituição Federal de 1988, tal como já decidido reiteradamente pelo Supremo Tribunal Federal. O procedimento do inquérito policial, conforme previsto pelo Código de Processo Penal, torna desnecessária a intermediação judicial quando ausente a necessidade de adoção de medidas constritivas de direitos dos investigados, razão por que projetos de reforma do CPP propõem a remessa direta dos autos ao Ministério Público. No entanto, apesar de o disposto no inc. IV do art. 35 da LC 106/2003 se coadunar com a exigência de maior coerência no ordenamento jurídico, a sua inconstitucionalidade formal não está afastada, pois insuscetível de superação com base em avaliações pertinentes à preferência do julgador sobre a correção da opção feita pelo legislador dentro do espaço que lhe é dado para livre conformação. Assim, o art. 35, IV, da Lei Complementar estadual no 106/2003, é inconstitucional ante a existência de vício formal, pois extrapolada a competência suplementar delineada no art. 24, §1o, da Constituição Federal de 1988. Já em relação ao inciso V, do art. 35, da Lei complementar estadual no 106/2003, inexiste infração à competência para que o estado-membro legisle, de forma suplementar à União, pois o texto apenas reproduz norma sobre o trâmite do inquérito policial já extraída da interpretação do art. 16 do Código de Processo Penal. Ademais, não há desrespeito ao art. 128, §5o, da Constituição Federal de 1988, porque, além de o dispositivo impugnado ter sido incluído em lei complementar estadual, o seu conteúdo não destoou do art. 129, VIII, da Constituição Federal de 1988, e do art. 26, IV, da Lei no 8.625/93, que já haviam previsto que o Ministério Público pode requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial. Ação direta julgada parcialmente procedente para declarar a inconstitucionalidade somente do inciso IV do art. 35 da Lei Complementar no 106/2003, do Estado do Rio de Janeiro.

Apesar do conteúdo desse precedente da Corte Suprema, registramos posicionamento no sentido de que a Resolução 63/2009 mantém-se dentro da legalidade, enquanto forem observados os limites do poder normativo atribuído constitucional e legalmente ao Conselho da Justiça Federal, especialmente quanto aos seus destinatários, é dizer, enquanto for vista como norma que regula a administração judiciária, apenas. Colacionamos, a propósito, os dispositivos relacionados ao alcance da capacidade normativa do Conselho:

 Constituição Federal:

 Art. 105. (…)

Parágrafo único. Funcionarão junto ao Superior Tribunal de Justiça:

 (…)

 II – o Conselho da Justiça Federal, cabendo-lhe exercer, na forma da lei, a supervisão administrativa e orçamentária da Justiça Federal de primeiro e segundo graus, como órgão central do sistema e com poderes correicionais, cujas decisões terão caráter vinculante. (sublinhamos)

Lei 11.798/2008:

Art. 3o. As atividades de administração judiciária, relativas a recursos humanos, gestão documental e de informação, administração orçamentária e financeira, controle interno e informática, além de outras que necessitem coordenação central e padronização, no âmbito da Justiça Federal de primeiro e segundo graus, serão organizadas em forma de sistema, cujo órgão central será o Conselho da Justiça Federal.

 Parágrafo único.  Considerar-se-ão integrados ao sistema de que trata o caput deste artigo os serviços atualmente responsáveis pelas atividades ali descritas, pelo que se sujeitarão à orientação normativa, à supervisão técnica e à fiscalização específica do órgão central do sistema.

 (…)

 Art. 5o. Ao Conselho da Justiça Federal compete: (…)

 III – expedir normas relacionadas ao sistema de administração judiciária da Justiça Federal de primeiro e segundo graus, constante do art. 3o desta Lei; (…) (sublinhamos)

 Assim, se, por um lado, o inquérito policial em que ausente qualquer das situações previstas no artigo 1o da Resolução CJF 63/2009 não deva ser admitido à distribuição – norma que diz respeito apenas à administração da unidade judiciária –, de outro, é certo, também, que o delegado que remete o apuratório relatado diretamente ao Juízo competente, e não ao Ministério Público Federal, não comete qualquer ilegalidade, pois age ao abrigo do artigo 10, § 1o, do Código Processual Penal, cuja vigência restou, recentemente, reafirmada pelo Supremo Tribunal Federal.

Com essas considerações, concluímos que, na hipótese em análise, não teria ocorrido qualquer irregularidade no envio dos autos do apuratório ao Julgador de origem, em lugar de sua remessa ao titular da persecução criminal.

 2.2 Declinação da competência, com base em enquadramento típico proposto pela autoridade policial, apesar de posicionamento contrário manifestado pelo dominus litis: a necessidade de atuação complementar das instituições envolvidas na investigação criminal

De qualquer sorte, tendo em vista que, como ressaltado anteriormente, não houve, de fato, “requerimento” de declinação de competência, mas simples sugestão de seu exame, seguimos adiante para verificar se poderia o magistrado declarar-se incompetente de ofício, dado que se cuidava de procedimento ainda em fase inquisitorial, e sem manifestação definitiva do Ministério Público Federal acerca da conclusão de sua tramitação.

No ponto, recordamos o recente julgamento do Supremo Tribunal Federal em que a Corte pôs fim à questão até então tormentosa dos poderes investigatórios do Ministério Público (RE 593.727, Tribunal Pleno, Rel. p/ acórdão Ministro Gilmar Mendes, j. 18-5-2015). Ressaltamos que, naquele recurso extraordinário, decidiu o Pretório Excelso que a polícia judiciária e o parquet devem somar esforços para o bom desempenho de suas atribuições, isto é, devem agir sob o pálio/signo da complementaridade, e não da exclusividade. Reproduzimos, a fim de ilustrar o entendimento, o resumo do quanto decidido, conforme publicação contida no Informativo 785 da Corte Suprema (o acórdão do julgado, à época, ainda não havia sido publicado)[1]:

O Ministério Público dispõe de competência para promover, por autoridade própria, e por prazo razoável, investigações de natureza penal, desde que respeitados os direitos e garantias que assistem a qualquer indiciado ou a qualquer pessoa sob investigação do Estado, observadas, sempre, por seus agentes, as hipóteses de reserva constitucional de jurisdição e, também, as prerrogativas profissionais de que se acham investidos, em nosso País, os advogados (Lei 8.906/1994, art. 7o, notadamente os incisos I, II, III, XI, XIII, XIV e XIX), sem prejuízo da possibilidade – sempre presente no Estado democrático de Direito – do permanente controle jurisdicional dos atos, necessariamente documentados (Enunciado 14 da Súmula Vinculante), praticados pelos membros dessa Instituição. Com base nessa orientação, o Plenário, em conclusão de julgamento e por maioria, negou provimento a recurso extraordinário em que discutida a constitucionalidade da realização de procedimento investigatório criminal pelo Ministério Público. No caso, o acórdão impugnado dispusera que, na fase de recebimento da denúncia, prevaleceria a máxima ‘in dubio pro societate’, oportunidade em que se possibilitaria ao titular da ação penal ampliar o conjunto probatório. Sustentava o recorrente que a investigação realizada pelo ‘parquet’ ultrapassaria suas atribuições funcionais constitucionalmente previstas – v. Informativos 671, 672 e 693. O Tribunal asseverou que a questão em debate seria de grande importância, por envolver o exercício de poderes por parte do Ministério Público. A legitimidade do poder investigatório do órgão seria extraída da Constituição, a partir de cláusula que outorgaria o monopólio da ação penal pública e o controle externo sobre a atividade policial. O ‘parquet’, porém, não poderia presidir o inquérito policial, por ser função precípua da autoridade policial. Ademais, a função investigatória do Ministério Público não se converteria em atividade ordinária, mas excepcional, a legitimar a sua atuação em casos de abuso de autoridade, prática de delito por policiais, crimes contra a Administração Pública, inércia dos organismos policiais, ou procrastinação indevida no desempenho de investigação penal, situações que, exemplificativamente, justificariam a intervenção subsidiária do órgão ministerial. Haveria, no entanto, a necessidade de fiscalização da legalidade dos atos investigatórios, de estabelecimento de exigências de caráter procedimental e de se respeitar direitos e garantias que assistiriam a qualquer pessoa sob investigação – inclusive em matéria de preservação da integridade de prerrogativas profissionais dos advogados, tudo sob o controle e a fiscalização do Poder Judiciário. Vencidos os Ministros Cezar Peluso (relator), Ricardo Lewandowski (Presidente) e Dias Toffoli, que davam provimento ao recurso extraordinário e reconheciam, em menor extensão, o poder de investigação do Ministério Público, em situações pontuais e excepcionais; e o Ministro Marco Aurélio, que dava provimento ao recurso, proclamando a ilegitimidade absoluta do Ministério Público para, por meios próprios, realizar investigações criminais. RE 593727/MG, rel. orig. Min. Cezar Peluso, red. p/ o acórdão Min. Gilmar Mendes, 14.5.2015. (RE-593727)

 Nesse contexto, salientamos que, não estando configurada uma situação de ilegalidade na tramitação do inquérito policial perante a Justiça Federal, não caberia ao julgador de primeira instância, ciente de que a opinio delicti do Ministério Público Federal acerca do fato suspeitado estava ainda em processo de formação, antecipar uma solução quanto à tipificação da conduta, pois esse proceder obliteraria o exercício da atribuição constitucional do titular daquela instituição. Sem embargo, se, na visão do magistrado, estivesse configurado algum retardo injustificado no agir ministerial, e disso resultasse prejuízo ao investigado, caberia a ele provocar o órgão de cúpula do dominus litis, a teor do artigo 28 do Código de Processo Penal, a fim de sanar tal mora institucional.

Ressaltamos, ainda, que o procurador da República que, originalmente, atuava no feito, havia já, anteriormente, declinado de sua atribuição em favor do congênere estadual; todavia, a promoção não fora homologada pela 2a Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, em sessão realizada em 19-2-2013, tendo sido, em decorrência da aludida decisão, designado outro membro da instituição para dar prosseguimento à investigação.

Destarte, arrematamos que: seja porque a opinio delicti ainda estava em processo de definição, revelando-se precoce a anterior promoção no sentido da falta de atribuição, à vista da manifestação do órgão superior integrante da estrutura do parquet; seja, ainda, porque a decisão recorrida teria se revelado na contramão do que decidiu o Supremo Tribunal Federal, ao acolher a proposta de enquadramento sugerida pela Polícia Federal, é dizer, olvidando a exclusividade dessa atribuição conferida ao Ministério Público, e o ponto de equilíbrio institucional, demarcado pela diretiva da complementaridade na condução da investigação, propugnada pela Excelsa Corte, mostrava-se forçoso o provimento do recurso criminal em sentido estrito para manter a competência da Justiça Federal, ao menos até que o agente ministerial, entendendo suficientes os elementos coligidos no bojo do procedimento apuratório, submetesse sua avaliação acerca do fato suspeitado ao juízo, a fim de que esse a examinasse, sem prejuízo do exercício do controle da legalidade até esse momento.

 3. Conclusões

Pensamos que o caso concreto trazido à apreciação da Oitava Turma rendeu-nos o ensejo para construir duas conclusões que, a nosso entender, podem mostrar-se úteis a apaziguar situações de conflito que têm sido constatadas nas relações institucionais mantidas entre Ministério Público Federal e Polícia Federal, no campo da investigação criminal, e que podem ser assim enunciadas: (1) o artigo 1o da Resolução CJF 63/2009, que estabelece que os inquéritos policiais não serão admitidos à distribuição enquanto não verificada alguma das hipóteses nele elencadas, constitui-se em norma que diz respeito apenas à administração judiciária – tendo em vista os limites constitucionais e legais dos poderes normativos atribuídos ao Conselho da Justiça Federal e o quanto disposto no artigo 10, § 1o, do Código de Processo Penal, cuja vigência foi reafirmada pelo Supremo Tribunal Federal –, e, portanto, sua eventual inobservância não macula o procedimento da autoridade policial; e (2) a polícia judiciária e o parquet devem somar esforços para o bom desempenho de suas atribuições, isto é, devem agir sob o pálio/signo da complementaridade, e não da exclusividade, conforme decidido pelo Pretório Excelso, no julgamento do RE 593.727 (Tribunal Pleno, Rel. p/ acórdão Ministro Gilmar Mendes, DJe 8-9-2015), o que significa dizer que, de regra, enquanto a opinio delicti do Ministério Público estiver ainda em processo de formação, não cabe ao Juiz, acolhendo proposta de enquadramento típico formulada unilateralmente pela Polícia Federal, declinar, prematuramente, da competência para o feito, pois assim estará impedindo o exercício da atribuição constitucionalmente conferida àquela Instituição.

 

 NOTA___________________

1 Em 08-9 p.p., sobreveio a divulgação do inteiro teor do acórdão proferido no julgamento em tela; no que aqui interessa, assim constou da ementa, confirmando o conteúdo da notícia veiculada no mencionado Informativo 785: “(…) 4. Questão constitucional com repercussão geral. Poderes de investigação do Ministério Público. Os artigos 5o, incisos LIV e LV, 129, incisos III e VIII, e 144, inciso IV, § 4o, da Constituição Federal, não tornam a investigação criminal exclusividade da polícia, nem afastam os poderes de investigação do Ministério Público. Fixada, em repercussão geral, tese assim sumulada: ‘O Ministério Público dispõe de competência para promover, por autoridade própria, e por prazo razoável, investigações de natureza penal, desde que respeitados os direitos e garantias que assistem a qualquer indiciado ou a qualquer pessoa sob investigação do Estado, observadas, sempre, por seus agentes, as hipóteses de reserva constitucional de jurisdição e, também, as prerrogativas profissionais de que se acham investidos, em nosso País, os Advogados (Lei 8.906/94, artigo 7o, notadamente os incisos I, II, III, XI, XIII, XIV e XIX), sem prejuízo da possibilidade – sempre presente no Estado democrático de Direito – do permanente controle jurisdicional dos atos, necessariamente documentados (Súmula Vinculante 14), praticados pelos membros dessa instituição’. Maioria. (…)”.