Extraconcursalidade dos honorários advocatícios da intervenção extrajudicial no processo de falência

29 de junho de 2024

Mauro Luciano Hauschild Advogado

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Introdução

Quando o mercado se revela incapaz de, livremente, resolver suas contradições internas e corrigir seus desvios pelas mãos nem sempre invisíveis de seus agentes nem sempre racionais, o Estado é chamado a intervir nas instituições privadas. Uma das formas mais diretas de intervenção se dá pelos mecanismos de soerguimento das entidades. O grau de intervenção será tanto mais intenso quanto mais crítico for o setor para o país[1], e isso se reflete no ordenamento.

Nessa linha, verifica-se progressiva intensidade quando comparados os mecanismos de restabelecimento da viabilidade econômica das empresas em geral e das atuantes em campos submetidos a regimes especiais de tutela.

Esses regimes especiais podem ser justificados pelo caráter estratégico[2] do setor produtivo (caso das empresas estatais[3]), pelo risco sistêmico da natureza do negócio (como o setor bancário[4]) ou pelos impactos sociais da insolvência da entidade (hipótese das entidades de previdência complementar[5]), entre outros[6].

Apenas as empresas em geral se submetem francamente à lei de recuperação e falência[7]; os setores especialmente protegidos contam com normas específicas. Se no regime geral o Estado pode atuar até mesmo como mero homologador de acordos extrajudiciais[8], nos regimes especiais pode-se impor ao Estado papel ativo de fiscalização administrativa da regularidade das atividades e contas privadas[9], bem como atuação direta na direção da entidade em crise.

Até aqui, não há dúvidas[10]. O recorte que se pretende explorar, porém, diz respeito a uma questão: diante de uma situação havida em um regime de soerguimento econômico especial não tutelada pelo ordenamento específico, é cabível a aplicação analógica do regime geral? Nesse passo, particulariza-se a análise sobre um problema destacado: os honorários advocatícios devidos por serviços prestados durante o regime de intervenção extrajudicial em entidades abertas[11] de previdência complementar possuem natureza extraconcursal?

As respostas a essas questões dependerão, como será visto, tanto da singularização dos respectivos institutos e regimes quanto de sua interpretação contrastada e comparativa.

1. O soerguimento de entidades empresárias em geral e de previdência complementar: identidade de fins

A análise da norma geral sempre pode se revelar um bom ponto de partida na análise comparativa de institutos especiais similares. Assim, dispõe a Lei nº 11.101/2005[12] que a finalidade da recuperação judicial é permitir a superação da crise da empresa sem comprometimento de sua capacidade produtiva nem prejuízos aos trabalhadores e demais credores, tudo em linha com os princípios da preservação da sociedade empresária e de sua função social, servindo, ainda, de estímulo à atividade econômica[13]. Exige-se do requerente a comprovação da efetiva crise de insolvência da empresa[14].

A lei geral não trata de forma apartada da recuperação extrajudicial, mas não há dúvidas de que tem os mesmos fins[15], apenas colocando o Estado no máximo grau de restrição no que diz respeito à intervenção no processo de restabelecimento econômico da empresa.

O regime de restabelecimento econômico das entidades de previdência complementar é tratado na Lei Complementar nº 109/2001[16]. O termo adotado na norma é intervenção extrajudicial. Sua finalidade primordial é proteger os direitos dos beneficiários dos planos de previdência complementar[17].

Para ser decretada, exige-se a presença de ilegalidades ou, no que aqui importa e de forma sintetizada, insuficiência patrimonial atual ou em perspectiva, como aquela verificada em cálculo atuarial[18].

Ela é antecedida, no que tange às entidades abertas objeto da presente análise, da nomeação pelo órgão fiscalizador de diretor-fiscal, a quem compete verificar a viabilidade da entidade e, caso contrário, propor ao órgão de controle a decretação da intervenção na sociedade ou a sua liquidação. Essa etapa preliminar deve ter prazo determinado, mas pode ser renovado a critério do órgão fiscalizador[19].

Não parece haver dúvidas de que o propósito de ambos os regimes, geral de recuperação judicial e especial de intervenção extrajudicial, é a manutenção das atividades e proteção do patrimônio e dos indivíduos envolvidos com a entidade objeto das respectivas normas. Passemos a avaliar o grau de identidade, ou mais acertadamente, de distinção, entre os procedimentos.

2. O soerguimento de entidades empresárias e de previdência complementar: distinção de meios

Partindo-se, novamente, da lei geral de falências, vê-se que o juiz, recebendo o pedido de recuperação judicial, entre outras medidas[20], nomeará administrador judicial e suspenderá as execuções contra a empresa. A empresa segue, a princípio[21], com sua administração, competindo ao administrador judicial supervisionar a atividade e o plano de recuperação. Havendo afastamento dos administradores da empresa, haverá a constituição de gestor judicial, que não se confunde com o administrador judicial[22].

É a empresa devedora, porém, que formula o plano de recuperação, no prazo de 60 dias do início do procedimento[23]. Esse plano (ou um substituto) deve ser aprovado pelos credores, nos termos da lei[24], sob pena de falência. Compete à pessoa julgadora, observados os respectivos requisitos, conceder a recuperação ou convertê-la em falência[25]. A medida pode durar até 2 anos[26] e o administrador judicial submete-se a controle judicial e do comitê de credores[27].

No que diz respeito à intervenção extrajudicial das entidades previdenciárias, a normatização é mais abreviada em comparação com as empresas em geral. O legislador parece ter realizado um trade-off normativo, ampliando as regras fiscalizatórias preventivas e simplificando o regramento positivado quanto à intervenção.

Quanto ao procedimento, a lei diz, apenas, que a intervenção irá durar “pelo prazo necessário ao exame da situação da entidade e encaminhamento de plano destinado à sua recuperação”[28].

A descrição sucinta evoca ainda a natureza administrativa própria da intervenção, submetida ao controle próximo da entidade fiscalizatória[29]. Tanto é assim que ela se encerra com a aprovação do plano de recuperação pelo órgão responsável ou pela liquidação extrajudicial da entidade[30].

Há algumas outras distinções diante da recuperação judicial ligadas ao procedimento de intervenção extrajudicial que foram positivadas, porém. Notadamente, o interventor tem amplos poderes de gestão[31] e a decretação da intervenção afasta os administradores da entidade em crise[32].

Verifica-se, portanto, que embora os objetivos sejam essencialmente similares, os procedimentos se alinham às respectivas naturezas das empresas em geral e das entidades abertas de previdência para justificar tratá-las de forma distinta, conforme necessário. Enquanto as distinções dizem respeito, principalmente, às relações procedimentais que envolvem os poderes ligados ao órgão fiscalizador, as identidades se alinham e concentram no campo dos direitos dos credores e dos funcionários da entidade em crise.

Impõe-se agora comparar a liquidação extrajudicial das entidades abertas de previdência complementar e a falência.

3. Da liquidação extrajudicial à falência nas entidades submetidas e regimes especiais de crise econômica

Seguindo-se no método adotado nesta análise, a falência é instituto típico da lei geral das empresas em crise. Configura-se como uma espécie de execução coletiva[33] contra a empresa em estado de insolvência irrecuperável, adotada apenas em último caso[34]. Ela pode ocorrer no curso da recuperação judicial[35], quando inviabilizada, ou diante dos ditos “atos de falência”[36] e implica, de forma derradeira, a liquidação forçada do patrimônio do devedor.

Quanto a seus objetivos, ela visa salvar os ativos, inclusive intangíveis, da empresa insolvente e devolvê-los à circulação econômica, bem como restabelecer com agilidade o agente econômico falido, incentivando o empreendedorismo mesmo diante do fracasso eventual[37]. Afasta-se o devedor de seus bens, destinando-os a quitação do máximo possível de dívidas, conforme prioridades e critérios da lei[38].

As empresas em geral submetem-se à falência, mas há exceções. Entre outras, não se submetem ao instituto as empresas públicas e sociedades de economia mista, bem como as entidades fechadas de previdência complementar (organizadas obrigatoriamente sob a forma de fundação ou associação).

Algumas entidades submetidas a regimes especiais de crise econômica são passíveis de falir, em condições específicas. Pode ser que a falência somente possa ser requerida pelo liquidante, e não pelos credores, e dependa de autorização do órgão regulador[39], ou siga critérios próprios da regulamentação do setor[40].

No que diz respeito ao objeto específico deste estudo, a falência é possível para as entidades abertas de previdência complementar por dupla remissão legal expressa. É que se aplica a essas sociedades a legislação relativa a intervenção e liquidação das instituições financeiras[41] e esta, a seu turno, prevê hipóteses de falência[42]. Para as entidades fechadas, como dito, o instituto é expressamente vetado[43].

Pode-se entender que, em certas circunstâncias, cessa o interesse público justificador da liquidação extrajudicial e o Estado entende por encerrar sua intervenção administrativa, submetendo o que resta da execução coletiva aos meios comuns, com participação mais direta dos credores e maior passividade estatal, na forma do regime geral das empresas.

É fato que, nos regimes especiais, quando admitida a falência, há normalmente uma fase de liquidação extrajudicial. No que nos interessa neste estudo, a liquidação extrajudicial das entidades de previdência complementar aberta deflagra-se quando verificada a inviabilidade de sua recuperação ou o desatendimento das condições mínimas estipuladas pelo órgão regulador[44].

Não há disposição expressa quanto aos objetivos da liquidação, porém pode-se extrair do procedimento que ele visa, nessa ordem: i) assegurar o pagamento das obrigações trabalhistas e tributárias[45]; ii) proteger os participantes, em especial os que já gozem de benefícios[46]; e iii) quitar as dívidas da entidade[47].

Fica evidente a similitude de objetivos e princípios tanto com a falência quanto com a recuperação judicial das empresas em geral, ressalvada a especial proteção conferida aos participantes do plano de benefícios: agiliza-se o retorno dos ativos viáveis à circulação econômica, com a peculiaridade de resguardar o retorno das reservas individuais a seus titulares, depois de quitados os débitos trabalhistas e tributários.

Chega-se, assim, à discussão sobre a ordem de preferência dos créditos nas hipóteses de recuperação, falência, intervenção e liquidação extrajudicial. Ou, mais própria e especificamente, à natureza dos débitos contraídos pelas entidades em crise no curso dos processos de restabelecimento ou encerramento forçado das atividades.

4. A natureza extraconcursal dos créditos derivados de obrigações assumidas durante a crise: o regime das empresas em geral

Voltando-se ao regime geral da falência, no que tange à prioridade e natureza dos créditos, alteração legislativa recente afastou polêmicas doutrinárias quanto à ordem de preferência entre créditos trabalhistas prioritários[48], os extraconcursais e as restituições em dinheiro, consolidando o regramento em um único dispositivo[49].

Portanto, atualmente, os débitos trabalhistas prioritários e os de quitação antecipada necessária à manutenção provisória das atividades da empresa, bem como os valores referentes a bens alheios detidos pelo devedor, são também considerados expressamente extraconcursais, com ordem especificada de preferência dentro dessa categoria. Esses somam-se, assim, aos já antes tratados como extraconcursais, como os decorrentes de contratos firmados no curso das atividades de reerguimento ou de liquidação forçada. Os demais débitos integram o concurso de credores, com a respectiva ordem de pagamento[50].

No caso da recuperação judicial e da falência, os valores devidos pelas obrigações firmadas no curso da recuperação[51] ou da falência são expressamente considerados extraconcursais[52]. A jurisprudência vinculante do STJ, ademais, equipara os honorários advocatícios a verbas trabalhistas e alimentares, atribuindo-lhes natureza extraconcursal[53].

A teleologia da lei e de sua interpretação é que quem negocia com o devedor nessas circunstâncias de crise inequívoca submete-se a riscos ampliados com o intuito de, especialmente na fase de possível restabelecimento empresarial, colaborar para a solução da penúria, em favor de terceiros (os credores, notadamente os concursais), devendo ser compensado por isso[54]. Não por outra razão é que as obrigações assumidas no curso da falência preferem às assumidas durante a recuperação judicial, embora ambas sejam extraconcursais[55]: o risco na fase falimentar é ainda maior que na fase de recuperação.

Assim, há débitos contraídos pela massa falida que a falta de reconhecimento como devidos antes daqueles contraídos pela empresa devedora, implicaria, em última análise, em prejuízo aos próprios credores da empresa[56]. Isso porque, sem a prioridade de recebimento diante do risco ampliado, a sociedade em crise deixará de contar com serviços essenciais para seu restabelecimento ou mesmo, se afinal for inviável a recuperação, para a liquidação de seus ativos nas melhores condições possíveis, de modo a ampliar o universo de dívidas sanadas e credores saciados.

Dito de outro modo, esses sujeitos econômicos “são credores dos credores”; suas obrigações são assumidas pela massa falida, em vez de a comporem[57]. Por isso, sua natureza extraconcursal, como forma de compensação do risco a que se submeteram. Passemos ao regime especial das entidades abertas de previdência complementar.

5. O microssistema de reerguimento das entidades em crise: natureza dos créditos por serviços contraídos na intervenção extrajudicial, na recuperação judicial e a falência superveniente

No que tange ao regime especial das entidades abertas de previdência privada, não há norma manifesta sobre a natureza dos créditos devidos pelas obrigações firmadas no curso da intervenção ou da liquidação. Mas disso não decorre, de forma automática, que inexistam créditos sujeitos a ordens de preferência ou, pior, que, sendo tais regimes especiais parafalimentares seguidos pelo regime geral falimentar, não se possa delinear sua natureza extraconcursal.

No âmbito do regime especial parafalimentar afeto a entidades de previdência, há, apenas, a previsão de preferência dos créditos trabalhistas e tributários inclusive sobre os dos participantes, além de ordem entre créditos destes[58].

Dado que os honorários advocatícios possuem caráter trabalhista[59], não parece restar margem de dúvidas sobre a prioridade de sua quitação quando a entidade é submetida à intervenção e à liquidação extrajudiciais, à luz das normas indicadas no parágrafo anterior.

Uma primeira analogia deveria ser logo divisada aqui: dentre tais verbas, as contraídas durante a liquidação prefeririam àquelas decorrentes de serviços prestados na fase de intervenção e estas às demais.

A maior perplexidade, porém, decorre da omissão ou obscuridade normativa quanto à natureza desses créditos quando a entidade é, afinal, submetida ao regime falimentar.

Lendo-se a lei de forma compartimentalizada, poderiam ser colhidas estas hipóteses: i) havendo intervenção, os débitos da entidade previdenciária com honorários advocatícios (mesmo anteriores à medida) preferem os demais, dada sua natureza trabalhista[60]; ii) havendo liquidação, a situação não se altera; iii) se, porém, a crise da entidade alcança a falência, esses créditos perderiam a prioridade e se submeteriam ao concurso, ainda que na condição de verbas trabalhistas[61].

O ordenamento, porém, repudia contradições lógicas e visa a organicidade, por vezes obtida somente após inevitáveis operações interpretativas[62]. A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) estabelece[63] que, em havendo lacunas jurídicas ou omissões legais, opera-se a integração de normas em razão do princípio da inafastabilidade da jurisdição.

Nessa linha, como bem leciona Francisco Amaral: “A lacuna é a ausência de norma jurídica ao caso concreto”[64]. Isto é, não há lacuna apenas se a norma é genericamente omissa, mas também se falta regra expressa para solucionar o caso especificamente submetido ao juízo, diante de peculiaridades não previstas pelo legislador.

Assim, ante a falta de literalidade na norma que estabeleça a natureza extraconcursal dos créditos constituídos na vigência da intervenção (ou liquidação) extrajudicial, é absolutamente adequada e razoável a interpretação extensiva ou integrativa para incluir esses créditos como extraconcursais na falência, em paralelismo ao tratamento feito aos créditos decorrentes do regime de recuperação judicial[65].

Percebe-se, portanto, que a finalidade da norma precisa ser alcançada na sua inteireza, sendo descabida a eliminação de direitos divisáveis pela mera carência de previsão literal.

No caso dos honorários advocatícios, não é crível que o legislador quisesse a proteção do prestador de serviços na recuperação judicial das empresas e não a quisesse para o mesmo prestador de serviços que atuou na intervenção extrajudicial de pessoas jurídicas do sistema regulado. Ou que quisesse proteger as verbas trabalhistas em geral dos contratados para serviços na fase de intervenção e liquidação[66], mas não de todos eles, excluindo os advogados.

Ademais, o reconhecimento da natureza extraconcursal dos referidos créditos para o regime de intervenção extrajudicial, em paralelo ao regime de recuperação judicial, não significa criar direitos indevidos para prestadores de serviços alheios ou distantes da situação fática de socorro e suporte da entidade em crise patrimonial. Ao contrário, serve para promover a igualdade de direitos a prestadores de serviços em situação similar (senão idêntica) que não podem sofrer tratamento distinto por simples ausência de comando normativo literal.

Essa aproximação é nada menos que necessária. É certo que a norma específica não dispõe de forma expressa sobre essa natureza extraconcursal. Há, contudo, normas positivadas que autorizam a incidência analógica dos institutos do regime geral aos casos regidos pelos processos parafalimentares.

Isso ocorre, como já dito, quando a Lei Complementar nº 109/2001 remete à Lei nº 6.024/1974 quanto à intervenção e à liquidação extrajudiciais. Ocorre que a lei aplicável às instituições financeiras não só prevê a possibilidade de falência desses entes em casos determinados[67]; ela impõe, de forma direta, a aplicação das disposições da Lei de Falências à liquidação extrajudicial, no que couberem e não colidirem[68].

Essa previsão é reiterada pela própria Lei nº 11.101/2005[69], bem como repetida na Lei nº 10.190/2001[70]. A vigência atual desta última norma, aliás, reforça de maneira ilustrativa a atecnia dos regimes de soerguimento no país, por ser redundante a partir da edição da Lei nº 109/2001, realizada poucos meses após sua entrada em vigor. Mas o pleonasmo normativo deve, no mínimo, sugerir ao intérprete haver certa clareza na intenção do legislador e na orientação do ordenamento.

Desse modo, não condiz haver dúvida de que os créditos decorrentes de serviços prestados às entidades abertas de previdência complementar, que nas fases parafalimentares possuem prioridade ante os demais por seu caráter trabalhista — o que inclui os honorários advocatícios contratuais — seriam indevidamente prejudicados pela simples perda dessa condição privilegiada quando alcançada a fase falimentar.

Como já se viu[71], as normas falimentares são historicamente fragmentárias, atécnicas e algo desconectadas da dinamicidade do mundo real. Essa condição é outro sinal ao intérprete de que soluções simples nem sempre estarão à disposição.

Por outro lado, há um conjunto normativo sólido que aponta para a existência de um verdadeiro microssistema de superação de crises econômico-financeiras das entidades privadas. Esse é um outro indicativo relevante ao intérprete, no caso, das possibilidades de integração entre as normas.

Nessa toada, no que diz respeito aos regimes de superação de crise econômico-patrimonial, cada conjunto de entes, dentro de suas respectivas particularidades, seguem procedimentos adequados e peculiares ao ramo de atividade. Mas a existência dos regimes distintos não autoriza concluir pela estanqueidade das normas, principalmente quando elas expressamente reportam-se mutuamente umas às outras e, ainda mais especialmente, quando tutelam diretamente direitos trabalhistas. As deficiências do legislador devem ser corrigidas pela função interpretativa, não reforçadas por ela.

Conclusão

No que diz respeito aos regimes de soerguimento de pessoas jurídicas privadas, o ordenamento brasileiro aponta para a existência de um efetivo microssistema de superação de crises econômico-patrimoniais. As proximidades entre os diferentes regimes especiais parafalimentares são mais evidentes, mas não se restringem a eles. Há normas próprias do regime falimentar geral aplicáveis, inclusive por remissão legislativa expressa, aos procedimentos especiais.

Esse microssistema é historicamente atécnico e descompassado diante das situações fáticas efetivamente vivenciadas pelos agentes econômicos. Essa condição exige do intérprete uma leitura menos textual e mais sistêmica, de modo a suprir as deficiências legislativas, notadamente diante tanto das imbricações normativas quanto de suas omissões, sob pena de reforçar contradições lógicas e suprimir direitos.

Há uma série de leis do microssistema de empresas em crise que autorizam a incidência de institutos do regime geral às entidades submetidas a regimes especiais, especificamente quando não colidirem e conforme cabíveis. Essa necessidade é reforçada quando a omissão diz respeito a direitos de trabalhadores que assumiram riscos ampliados ao prestarem serviços às empresas durante as etapas de crise econômica dos empregadores.

Nessa linha, as finalidades dos procedimentos geral de recuperação judicial e especial de intervenção extrajudicial são similares a ponto de autorizar a aproximação analógica entre eles no que diz respeito à natureza dos créditos por contratos assumidos pela entidade em recuperação, por ocasião da falência superveniente.

A proteção das verbas de caráter trabalhista e alimentar desses prestadores de serviço, que atuam na defesa dos interesses dos demais credores, deve ser intensificada, sob pena de prejudicar tanto o interesse privado da entidade quanto o público.

Nesse segundo aspecto, sem proteção a sua remuneração, é de se supor que profissionais capacitados terão incentivos econômicos negativos para tomar parte nos esforços das entidades em crise, prejudicando de forma sistêmica todos que eventualmente se encontrem em tal situação, além dos próprios credores e da sociedade em geral.

Se os créditos devidos aos profissionais, ante seu caráter trabalhista, são merecedores de tutela especial nas fases de intervenção e liquidação extrajudiciais, é ilógico que percam esse privilégio quando a entidade em crise é submetida a falência superveniente.

Desse modo, a equiparação analógica das verbas de caráter trabalhista por serviços assumidos pela entidade em crise durante os procedimentos especiais de intervenção e liquidação extrajudiciais com aqueles assumidos no regime geral de recuperação judicial, por ocasião da falência, é a solução que mais corresponde à organicidade do ordenamento, diante da convergência de fins das normas materiais desses procedimentos.

Essa identidade se manifesta, principalmente, na proteção do patrimônio da entidade, em sua viabilização econômica, no máximo atendimento dos credores e na especial tutela daqueles que assumem o grave risco de negociar com o ente em crise declarada, bem como do interesse público na minimização dos prejuízos e na maximização do proveito econômico dos ativos.

São, portanto, extraconcursais os honorários advocatícios contratuais devidos pela entidade em crise por serviços prestados a ela, em sua defesa e de seu patrimônio, durante os procedimentos administrativos dos regimes especiais de reerguimento econômico-patrimonial.

Referências______________________________________

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Notas______________________________________

[1]       A criticidade do setor pode ser justificada inclusive pelo aspecto social de suas atividades, como no caso da previdência privada. Destacando a relevância da função social dessas entidades: BALERA, Wagner (coord.). Comentários à Lei de Previdência Privada. São Paulo: Quartier Latin, 2005.

[2]      Outra explicação, de caráter histórico, justifica os regimes especiais na “falência” dos próprios procedimentos falimentares, considerados inefetivos e morosos ante as necessidades do mundo real. TELLECHEA, Rodrigo; SCALZILLI, João Pedro; SPINELLI, Luis Felipe. História do direito falimentar: da execução pessoal à preservação da empresa. São Paulo: Almedina, 2018.  MENDONÇA, José Xavier Carvalho de. Tratado de direito comercial brasileiro. 6. ed. Rio de Janeiro: Liv. Freitas Bastos, 1960, v. 7, l. 5 (Da falência e da concordata preventiva), pt. 1 (Da falência).

[3]      Dispõe a CF/1988, art. 173: “Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei”.

[4]      Regido, no ponto, pela Lei n. 6.024/1974.

[5]      Regido pela Lei Complementar n. 109/2001.

[6]      Veja-se que a própria Lei n. 11.101/2005 traz casos especiais, como as sociedades anônimas (art. 48-A) e microempresas e empresas de pequeno porte (Seção V do Capítulo III). Há, ainda, outras leis tratando de setores específicos.

[7]      Lei n. 11.101/2005, art. 2º: “Art. 2º Esta Lei não se aplica a: I – empresa pública e sociedade de economia mista; II – instituição financeira pública ou privada, cooperativa de crédito, consórcio, entidade de previdência complementar, sociedade operadora de plano de assistência à saúde, sociedade seguradora, sociedade de capitalização e outras entidades legalmente equiparadas às anteriores”.

[8]      Decorrentes de mediação e conciliação (Lei n. 11.101/2005, arts. 20-A a 20-D) ou de recuperação extrajudicial (art. 164, § 5º, da mesma lei).

[9]      São várias as autarquias especiais responsáveis por esse papel, como o Banco Central ou a Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc).

[10]    No mesmo sentido do que ora se defende: TOMAZETTE, Marlon. Curso de Direito Empresarial. v. 3: Falência e Recuperação de empresas. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2017.

[11]    As entidades fechadas organizam-se como fundações ou sociedades civis sem fins lucrativos (art. 31, § 1º, da Lei Complementar n. 109/2001). Este estudo não lhes alcança. As entidades abertas, porém, constituem-se como sociedades anônimas (art. 36 da norma). A distinção é relevante no debate acerca da falência, como será visto.

[12]    Lei n. 11.101/2005, art. 47: “A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica”.

[13]    Cada um concretizando fundamentos constitucionais explícitos do ordenamento econômico, conforme o art. 170 da CF/1988: “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: […] II – propriedade privada; III – função social da propriedade; IV – livre concorrência; […] VIII – busca do pleno emprego; […]”.

[14]    Lei n. 11.101/2005, art. 51: “A petição inicial de recuperação judicial será instruída com: I – a exposição das causas concretas da situação patrimonial do devedor e das razões da crise econômico-financeira; […]”.

[15]    Vide as premissas da recuperação extrajudicial, que se identificam com as da recuperação judicial, nos termos do art. 161 da Lei n. 11.101/2005: “O devedor que preencher os requisitos do art. 48 desta Lei poderá propor e negociar com credores plano de recuperação extrajudicial”. O art. 48 trata, precisamente, das condições para o pedido de recuperação judicial.

[16]    A norma regulamenta as disposições constitucionais inovadoras introduzidas na Emenda à Constituição n. 20/1998, originada da segmentação da Proposta de Emenda à Constituição n. 21/1995, no âmbito das diversas reformas encaminhadas pelo Poder Executivo na esteira do Plano Real, substituindo o regime da Lei n. 6.435/1977, que revogou.

[17]    BALERA, Wagner (coord.). Comentários à Lei de Previdência Privada. São Paulo: Quartier Latin, 2005.

[18]    Lei Complementar n. 109/2001, art. 44: “Para resguardar os direitos dos participantes e assistidos poderá ser decretada a intervenção na entidade de previdência complementar, desde que se verifique, isolada ou cumulativamente: I – irregularidade ou insuficiência na constituição das reservas técnicas, provisões e fundos, ou na sua cobertura por ativos garantidores; II – aplicação dos recursos das reservas técnicas, provisões e fundos de forma inadequada ou em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos competentes; III – descumprimento de disposições estatutárias ou de obrigações previstas nos regulamentos dos planos de benefícios, convênios de adesão ou contratos dos planos coletivos de que trata o inciso II do art. 26 desta Lei Complementar; IV – situação econômico-financeira insuficiente à preservação da liquidez e solvência de cada um dos planos de benefícios e da entidade no conjunto de suas atividades; V – situação atuarial desequilibrada; VI – outras anormalidades definidas em regulamento.

[19]    Lei Complementar n. 109/2001, art. 43: “O órgão fiscalizador poderá, em relação às entidades abertas, desde que se verifique uma das condições previstas no art. 44 desta Lei Complementar, nomear, por prazo determinado, prorrogável a seu critério, e a expensas da respectiva entidade, um diretor-fiscal. § 1º O diretor-fiscal, sem poderes de gestão, terá suas atribuições estabelecidas pelo órgão regulador, cabendo ao órgão fiscalizador fixar sua remuneração. § 2º Se reconhecer a inviabilidade de recuperação da entidade aberta ou a ausência de qualquer condição para o seu funcionamento, o diretor-fiscal proporá ao órgão fiscalizador a decretação da intervenção ou da liquidação extrajudicial […]”.

[20]    Lei n. 11.101/2005, art. 52: “Estando em termos a documentação exigida no art. 51 desta Lei, o juiz deferirá o processamento da recuperação judicial e, no mesmo ato: […]”.

[21]    Os administradores da empresa devedora seguem responsáveis pela atividade produtiva, em regra. Seu afastamento pode decorrer do próprio plano de recuperação (art. 50, IV e V, da Lei n. 11.101/2005) ou de sanção no curso de sua execução (arts. 52, IV, e 64 da norma).

[22]    Exceto de forma transitória, conforme art. 65, § 1º, da Lei n. 11.101/2005.

[23]    Lei n. 11.101/2005, art. 53: “O plano de recuperação será apresentado pelo devedor em juízo no prazo improrrogável de 60 (sessenta) dias da publicação da decisão que deferir o processamento da recuperação judicial, sob pena de convolação em falência, e deverá conter:[…]”.

[24]    O procedimento é amplamente regulado nos arts. 55 a 69 da Lei n. 11.101/2005.

[25]    Convém observar que, na vigência da Lei n. 14.112/2020, a norma afirma que a “sentença” determinando a convolação da recuperação em falência é atacável por agravo de instrumento (art. 58-A, p. u., da Lei n. 11.101/2005) e que a decisão concessiva da recuperação é passível de “agravo” (art. 59, § 2º, da mesma norma). A atecnia geral da lei de 2020 é notória (COELHO, Fábio Ulhôa. Comentários à Lei de Falências e de Recuperação de Empresas. 14. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021), e não parece inovação do legislador mais recente (MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado: parte especial. São Paulo: RT, 2012, t. 28: Direito das Obrigações: Falência), p. 388.

[26]    Lei n. 11.101/2005, art. 61: “Proferida a decisão prevista no art. 58 desta Lei, o juiz poderá determinar a manutenção do devedor em recuperação judicial até que sejam cumpridas todas as obrigações previstas no plano que vencerem até, no máximo, 2 (dois) anos depois da concessão da recuperação judicial, independentemente do eventual período de carência”.

[27]    Lei n. 11.101/2005, art. 22: “Ao administrador judicial compete, sob a fiscalização do juiz e do Comitê, além de outros deveres que esta Lei lhe impõe: […]”.

[28]    Lei Complementar n. 109/2001, art. 45.

[29]    As competências do órgão fiscalizador na intervenção extrajudicial restam claras nos arts. 43 e 55 da Lei Complementar n. 109/2001.

[30]    Lei Complementar n. 109/2001, art. 46.

[31]    Diferentemente do diretor-fiscal da fase preliminar, a teor do art. 43, § 1º, supratranscrito na nota n. 19. Diz o art. 54 da Lei Complementar n. 109/2001: “O interventor terá amplos poderes de administração e representação e o liquidante plenos poderes de administração, representação e liquidação”.

[32]    Art. 56 da Lei Complementar n. 109/2001: “A intervenção e a liquidação extrajudicial determinam a perda do mandato dos administradores e membros dos conselhos estatutários das entidades, sejam titulares ou suplentes”.

[33]    SALOMÃO, Luis Felipe; SANTOS, Paulo. Recuperação Judicial, Extrajudicial e Falência: Teoria e Prática. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019.

[34]    Veja-se que o devedor pode, diante do pedido de falência, pleitear a instauração de recuperação judicial no prazo de defesa (art. 95 da Lei n. 11.101/2005).

[35]    Lei n. 11.101/2005, art. 73: “O juiz decretará a falência durante o processo de recuperação judicial: I – por deliberação da assembléia-geral de credores, na forma do art. 42 desta Lei; II – pela não apresentação, pelo devedor, do plano de recuperação no prazo do art. 53 desta Lei; III – quando não aplicado o disposto nos §§ 4º, 5º e 6º do art. 56 desta Lei, ou rejeitado o plano de recuperação judicial proposto pelos credores, nos termos do § 7º do art. 56 e do art. 58-A desta Lei; IV – por descumprimento de qualquer obrigação assumida no plano de recuperação, na forma do § 1º do art. 61 desta Lei. V – por descumprimento dos parcelamentos referidos no art. 68 desta Lei ou da transação prevista no art. 10-C da Lei nº 10.522, de 19 de julho de 2002; e VI – quando identificado o esvaziamento patrimonial da devedora que implique liquidação substancial da empresa, em prejuízo de credores não sujeitos à recuperação judicial, inclusive as Fazendas Públicas”.

[36]    Em suma, uma série de atos arrolados em lei como indicadores presumidos de ruína patrimonial da empresa, nos termos da Lei n. 11.101/2005, art. 94.

[37]    Lei n. 11.101/2005, art. 76: “A falência, ao promover o afastamento do devedor de suas atividades, visa a: I – preservar e a otimizar a utilização produtiva dos bens, dos ativos e dos recursos produtivos, inclusive os intangíveis, da empresa; II – permitir a liquidação célere das empresas inviáveis, com vistas à realocação eficiente de recursos na economia; e III – fomentar o empreendedorismo, inclusive por meio da viabilização do retorno célere do empreendedor falido à atividade econômica. […] § 2º A falência é mecanismo de preservação de benefícios econômicos e sociais decorrentes da atividade empresarial, por meio da liquidação imediata do devedor e da rápida realocação útil de ativos na economia.

[38]    Como se extrai das diversas classes de créditos, normatizadas na Lei n. 11.101/2005 nos arts. 83 e 84.

[39]    A exemplo das seguradoras, conforme art. 26 do Decreto-Lei n. 73/1966 (“As sociedades seguradoras não poderão requerer concordata e não estão sujeitas à falência, salvo, neste último caso, se decretada a liquidação extrajudicial, o ativo não for suficiente para o pagamento de pelo menos a metade dos credores quirografários, ou quando houver fundados indícios da ocorrência de crime falimentar”) ou das operadoras de planos de saúde, nos termos do art. 23 da Lei n. 9.656/1998 (“§ 3º — À vista do relatório do liquidante extrajudicial, e em se verificando qualquer uma das hipóteses previstas nos incisos I, II ou III do § 1º deste artigo, a ANS poderá autorizá-lo a requerer a falência ou insolvência civil da operadora”).

[40]    Caso dos bancos e instituições similares sob intervenção (Lei n. 6.024/1974, art. 12: “À vista do relatório ou da proposta do interventor, o Banco Central do Brasil poderá: […] d) autorizar o interventor a requerer a falência da entidade, quando o seu ativo não for suficiente para cobrir sequer metade do valor dos créditos quirografários, ou quando julgada inconveniente a liquidação extrajudicial, ou quando a complexidade dos negócios da instituição ou, a gravidade dos fatos apurados aconselharem a medida”) ou liquidação (Art . 21 da mesma norma: “A vista do relatório ou da proposta previstos no artigo 11, apresentados pelo liquidante na conformidade do artigo anterior o Banco Central do Brasil poderá autorizá-lo a: […] b) requerer a falência da entidade, quando o seu ativo não for suficiente para cobrir pelo menos a metade do valor dos créditos quirografários, ou quando houver fundados indícios de crimes falimentares”).

[41]    Lei Complementar n. 109/2001, art. 62: “Aplicam-se à intervenção e à liquidação das entidades de previdência complementar, no que couber, os dispositivos da legislação sobre a intervenção e liquidação extrajudicial das instituições financeiras, cabendo ao órgão regulador e fiscalizador as funções atribuídas ao Banco Central do Brasil”.

[42]    Vide nota 40.

[43]    Lei Complementar n. 109/2001, art. 47. As entidades fechadas não poderão solicitar concordata e não estão sujeitas a falência, mas somente a liquidação extrajudicial.

 

[44]    Lei Complementar n. 109/2001, art. 48: “A liquidação extrajudicial será decretada quando reconhecida a inviabilidade de recuperação da entidade de previdência complementar ou pela ausência de condição para seu funcionamento”.

[45]    Lei Complementar n. 109/2001, art. 50, § 4º: “Os créditos referidos nos parágrafos anteriores deste artigo não têm preferência sobre os créditos de natureza trabalhista ou tributária”.

[46]    Lei Complementar n. 109/2001, arts. 50, § 3º (“Os participantes que já estiverem recebendo benefícios, ou que já tiverem adquirido este direito antes de decretada a liquidação extrajudicial, terão preferência sobre os demais participantes”), e 51 (“Serão obrigatoriamente levantados, na data da decretação da liquidação extrajudicial de entidade de previdência complementar, o balanço geral de liquidação e as demonstrações contábeis e atuariais necessárias à determinação do valor das reservas individuais”).

[47]    Lei Complementar n. 109/2001, arts. 50, caput (“O liquidante organizará o quadro geral de credores, realizará o ativo e liquidará o passivo”), e 53 (“A liquidação extrajudicial das entidades fechadas encerrar-se-á com a aprovação, pelo órgão regulador e fiscalizador, das contas finais do liquidante e com a baixa nos devidos registros”).

[48]    Lei n. 11.101/2005, art. 151: “Os créditos trabalhistas de natureza estritamente salarial vencidos nos 3 (três) meses anteriores à decretação da falência, até o limite de 5 (cinco) salários-mínimos por trabalhador, serão pagos tão logo haja disponibilidade em caixa”.

[49]    Lei n. 11.101/2005, art. 84, na redação dada pela Lei n. 14.112/2020.

[50]    Lei n. 11.101/2005, art. 83.

[51]    Lei n. 11.101/2005, art. 67: “Os créditos decorrentes de obrigações contraídas pelo devedor durante a recuperação judicial, inclusive aqueles relativos a despesas com fornecedores de bens ou serviços e contratos de mútuo, serão considerados extraconcursais, em caso de decretação de falência, respeitada, no que couber, a ordem estabelecida no art. 83 desta Lei”.

[52]    Lei n. 11.101/2005, art. 84: “Serão considerados créditos extraconcursais e serão pagos com precedência sobre os mencionados no art. 83 desta Lei, na ordem a seguir, aqueles relativos: […] I-D – às remunerações devidas ao administrador judicial e aos seus auxiliares, aos reembolsos devidos a membros do Comitê de Credores, e aos créditos derivados da legislação trabalhista ou decorrentes de acidentes de trabalho relativos a serviços prestados após a decretação da falência; I-E – às obrigações resultantes de atos jurídicos válidos praticados durante a recuperação judicial, nos termos do art. 67 desta Lei, ou após a decretação da falência; […]”.

[53]    Tema n. 637/STJ (REsp n. 1.152.218/RS, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Corte Especial, julgado em 7/5/2014, DJe de 9/10/2014); REsp n. 1.539.429/SP, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 25/9/2018, DJe de 1/10/2018. Também nesse sentido: AYOUB, Luiz Roberto; CAVALLI, Cássio. A construção jurisprudencial da recuperação judicial de empresas. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017.

[54]    Nessa linha, o REsp n. 1.398.092/SC (relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 6/5/2014, DJe de 19/5/2014). É a mesma lógica que autoriza tratamento privilegiado ao crédito preexistente devido a fornecedores que mantenham o provimento de bens e serviços à empresa em recuperação (art. 67, p. ú., da Lei n. 11.101/2005). Também assim: COELHO, Fábio Ulhôa. Comentários à Lei de Falências e de Recuperação de Empresas. 14. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021.

[55]    Vide nota n. 52.

[56]    MAMEDE, Gladston. Falência e recuperação de empresas. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2019.

[57]    MENDONÇA, José Xavier Carvalho de. Tratado de direito comercial brasileiro. 6. ed. Rio de Janeiro: Liv. Freitas Bastos, 1960, v. 7, l. 5 (Da falência e da concordata preventiva), pt. 1 (Da falência), p. 415. Na formulação da época, os créditos que serviam ao funcionamento interno da falência eram denominados encargos da massa e os devidos na relação com terceiros, como para a manutenção provisória da atividade empresarial, eram chamados dívidas da massa.

[58]    Vide notas n. 45, 46 e 47.

[59]    Vide nota n. 53.

[60]    Vide nota n. 45.

[61]    Lei n. 11.101/2005: “Art. 83. A classificação dos créditos na falência obedece à seguinte ordem: I – os créditos derivados da legislação trabalhista, limitados a 150 (cento e cinquenta) salários-mínimos por credor, e aqueles decorrentes de acidentes de trabalho; […]”.

 

 

[62]    Não custa recordar os fracassos das ambições napoleônicas de codificação total do direito.

[63]    Art. 4º do Decreto-Lei n. 4.657/1942: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”.

[64]    AMARAL, Francisco. Direito Civil: introdução. 5. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 90.

[65]    Quando o aplicador do direito não encontrar normas claras para solução de um caso concreto, deve, evitando o non liquet, recorrer aos métodos interpretativos admitidos no ordenamento.

[66]    Vide nota n. 45.

[67]    Vide nota n. 40.

[68]    Lei n. 6.024/1974, art. 34: “Aplicam-se a liquidação extrajudicial no que couberem e não colidirem com os preceitos desta Lei, as disposições da Lei de Falências […]”. Embora a norma remeta textualmente ao Decreto-Lei n. 7.661/1945, deve ser lida de forma contemporânea como referenciando a Lei n. 11.101/2005. Nesse sentido: MAMEDE, Gladston. Falência e recuperação de empresas. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2019.

[69]    Lei n. 11.101/2005, art. 197: “Enquanto não forem aprovadas as respectivas leis específicas, esta Lei aplica-se subsidiariamente, no que couber, aos regimes previstos no Decreto-Lei nº 73, de 21 de novembro de 1966, na Lei nº 6.024, de 13 de março de 1974, no Decreto-Lei nº 2.321, de 25 de fevereiro de 1987, e na Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997”. Na

[70]    Art. 3º: “Às […]entidades de previdência privada aberta aplica-se o disposto nos arts. 2º e 15 do Decreto-Lei no 2.321, de 25 de fevereiro de 1987, 1º a 8º da Lei no 9.447, de 14 de março de 1997 e, no que couber, nos arts. 3º a 49 da Lei nº 6.024, de 13 de março de 1974. Parágrafo único.  As funções atribuídas ao Banco Central do Brasil pelas Leis referidas neste artigo serão exercidas pela Superintendência de Seguros Privados – SUSEP, quando se tratar de sociedades seguradoras, de capitalização ou de entidades de previdência privada aberta”.

[71]    Vide notas n. 2 e 25.

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