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Ética, Estado e Direitos Humanos

31 de dezembro de 2005

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“De quando em quando o Brasil assiste com espanto, indignação e intranqüilidade denúncias de corrupção e esquemas ilegais de financiamento de campanhas, abrangendo governos, parlamentares, empresários e partidos políticos. O Poder Judiciário tem feito a sua parte sempre que adequadamente provocado, coibindo abusos e violações a garantias individuais, viabilizando medidas investigativas, notadamente quebra de sigilos constitucionais e diligências de busca e apreensão, e julgando as ações cabíveis, inclusive contra magistrados. Estes processos, independente de suas conclusões, põem na ordem do dia o tema da ética como núcleo ordenador dos papéis do Estado e da construção de uma sociedade democrática.

A ética é uma necessidade cotidiana. Não podem existir relações pessoais senão baseadas na ética, daí porque –com mesmo vigor que se combate a corrupção política-, devemos lutar por padrões comportamentais distantes do “jeitinho”, do “levar vantagem em tudo”, do “faça o que eu digo e não faça o que eu faço”. Não pode haver Estado democrático onde imperar condutas antiéticas por parte dos homens públicos nos três Poderes da República.

A subordinação do Estado aos valores e interesses da vida privada é inconcebível, seja qual for a justificativa adotada. A corrupção atenta contra os direitos humanos, já que retira recursos financeiros que fazem falta para os necessários investimentos em saúde, educação e inserção social, depreciando a qualidade de vida do povo. Temos a firme convicção que o resgate da ética é medida que se impõe neste momento histórico.

A redefinição ética do Estado brasileiro é uma parte fundamental de uma profunda redefinição ética da sociedade brasileira, redefinição que deve plantar as sementes de uma democracia ainda mais viva e vibrante, em substituição à desilusão e à apatia. Estes sentimentos somente servem para que as injustiças se perpetuem e poucos enriqueçam em meio a crianças que morrem e que são privadas do direito a sonhar. A Justiça Federal brasileira tem muito a oferecer e a fazer nestes campos.

Como Poder de Estado que é, sofre as repercussões e feitos da crise geral de desesperança e descrédito das instituições, mesmo que atue decididamente para esclarecer os episódios que lhe são trazidos à apreciação e para mudar práticas de gestão pouco compatíveis com os momentos em que vivemos.

Para os juízes e juízas federais do Brasil, este profundo compromisso ético com a democracia tem uma evidente multiplicidade de sentido, orientando-se tanto para o exercício das suas atribuições constitucionais, para a forma de prestação da Justiça, quanto para suas práticas administrativas internas.

No primeiro plano, o do exercício de suas competências constitucionais, a AJUFE tem dado vigoroso apoio a todas as formas de combate à criminalidade organizada e de grande potencial ofensivo, notadamente aquelas que se baseiam a instrumentalização de pessoas e na fragilização de seus direitos fundamentais.

Vem daí a luta decidida que vimos travando pelo fortalecimento dos mecanismos institucionais de combate ao tráfico de drogas e armas, aos crimes de lavagem de dinheiro e contra a ordem tributária, ao trabalho escravo e tráfico de pessoas. Tais crimes atingem o cerne da viabilidade de uma sociedade democrática, pois retiram de suas vítimas as condições mais elementares para o exercício da cidadania política –a disposição sobre seu corpo e sua liberdade- ou inviabilizam a concretização de programas e projetos governamentais de inclusão social, através da precarização dos mecanismos de arrecadação tributária, ampliando a sonegação, gerando redes de corrupção que a viabilizam. Repudiamos assim a irresponsabilidade social baseada no ultra-individualismo e no imediatismo de resultados como norma para a vida social.

Destaque especial merecem, neste capítulo, os Juizados Especiais Federais, pelo papel essencial que cumprem na viabilização de acesso rápido e fácil ao Judiciário, na proteção de direitos sociais à população de mais baixa renda, na verdadeira revolução nos paradigmas tradicionais do processo e da Justiça que eles representam, traduzindo-se como mecanismos poderosos de inclusão social. Não por outro motivo, a AJUFE repeliu, repele e repelirá quaisquer tentativas dirigidas a fragilizar a efetividade das decisões destes órgãos jurisdicionais, como aquela que se tentou aprovar na votação da chamada “MP do Bem”, pretendia-se ampliar o tempo para pagamento das requisições de pequeno valor e diminuir o valor da causa passível de ser deduzida nos JEFs, dois duros golpes na democratização da Justiça que devem ser repudiados com vigor por todos os agentes sociais.

No segundo aspecto, o da alteração de nossas próprias práticas internas na Justiça Federal, há sem dúvida muito a percorrer. Temos crescido bastante nos últimos anos em transparência, em publicidade, em adoção segura de critérios objetivos na administração de questões internas, mas ainda devemos avançar no tocante à democratização interna do Poder Judiciário, na ampliação da participação interna de juízes, no maior contato com a sociedade civil, na ampliação do acesso à Justiça e aos juízes.

É nesse sentido que a recente regulamentação feita pelo Conselho Nacional de Justiça sobre a vedação ao nepotismo em todas as esferas do Judiciário deve ser saudada como um importante passo na consolidação de uma Justiça respeitada pela população. Que os outros Poderes do Estado tenham isso como exemplo e possam também banir o nepotismo do seu seio.

Também saudamos, pois essa medida vai ao encontro da ética republicana, a aprovação da Lei nº 11.143/2005, conhecia desde a Lei do Teto. Expectativa da cidadania desde a promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988, e luta central da AJUFE há pelo menos quatro gestões, a aprovação dessa lei, mesmo contra o ceticismo ou a clara oposição de muitos interesses privilegiados, compatibiliza seu efeito moralizador com a necessidade de uma remuneração digna para os quadros do Estado, exigência fundamental para sua qualificação democrática e seleção dos melhores profissionais disponíveis.

Vamos agora trabalhar com olhos no futuro, buscando novas conquistas na nova Lei Orgânica da Magistratura Nacional e em muitas novas leis que virão, como fruto de nossa incessante atuação associativa.

Quero destacar também o agradecimento da AJUFE ao ministro Edson Vidigal, presidente do Superior Tribunal de Justiça, pela luta constante que tem travado no fortalecimento e ampliação da Justiça Federal. Nós, da AJUFE, jamais teremos palavras suficiente para enaltecer o esforço de V. Exa. nessa seara.

Ética, Estado e Direitos Humanos. Estes são os nossos compromissos com os nossos concidadãos. Onde não há democracia, não há respeito ao Estado. Estes compromissos serão reafirmados nesses nossos três dias de discussão. Aqui estão os juízes e juízas federais brasileiros, vindos de todos os lugares de nosso imenso Brasil. A esses homens e mulheres, que a Constituição Federal atribuiu papel fundamental na República, caberá levar às práticas cotidianas os temas que ora serão objeto de nossa reflexão”.