Esforço garante a construção da maior escola pública de Sergipe_Entrevista com Orlando Rochadel Moreira

31 de março de 2010

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Entrevista: Orlando Rochadel Moreira, Promotor de Justiça do Estado de Sergipe

Diálogo ao invés de litígio. Foi com base nesse lema que o Promotor de Justiça Orlando Rochadel de Moreira conseguiu praticamente o impossível: construir a maior escola pública do Estado de Sergipe. Ele coordena o senso educacional, um projeto do Ministério Público sergipano que tem como objetivo identificar os bairros com maior evasão escolar. As crianças encontradas fora das salas de aula são encaminhadas para as escolas do bairro ou outras das redondezas. Essa solução, no entanto, mostrou-se ineficaz no bairro de Santa Maria. O levantamento, feito por mil voluntários mobilizados pelo Promotor, identificou 2 mil jovens sem estudar.
“Diante deste quadro de abandono, o Ministério Público tinha duas opções: ajuizar uma ação ou procurar reunir os governos federal, estadual e municipal, empresários e toda sociedade civil para dar uma solução àquele problema. Mais fácil seria ingressar com a ação, só que ela nem sempre dá o resultado que esperamos”, explicou Moreira, que se engajou na busca por parceiros interessados na criação da instituição de ensino, dando início ao projeto “O Ministério Público, o Estado, a Sociedade Civil e a Construção da Maior Escola Pública”.
O resultado foi a construção da maior escola pública da região, onde estudam 3.200 crianças e adolescentes. De todos os alunos do último ano a se formar, 34 passaram no vestibular. O Promotor explicou que o projeto terá continuidade. “Esse projeto não tem fim enquanto houver uma criança necessitando aprender a ler e escrever, melhorar a autoestima e acreditar que é possível atingir um objetivo. Nas primeiras palestras que fiz no bairro, as crianças diziam que queriam ser jogadoras de futebol ou mecânicos. Esse era o sonho dos alunos. Hoje, querem ser médicos, advogados e promotores”, afirmou o Promotor, que venceu a última edição do Prêmio Innovare com esse projeto.

Revista Justiça & Cidadania – Como surgiu o projeto para a construção da maior escola pública de Sergipe?
Orlando Rochadel Moreira – Temos em Sergipe, desde 1998, um projeto chamado senso educacional, por meio do qual, a cada três ou quatro meses, visitamos uma cidade do interior ou um bairro de Aracajú. Reunimos, às vezes, 300 a 500 censitários e visitamos todas as casas dos bairros, para saber em qual delas há crianças e adolescentes fora da sala de aula, sem registro de nascimento, com deficiência ou que seja analfabeto. É um trabalho considerado modelo pelo Ministério da Educação. Em Aracajú, costumávamos encontrar 50 crianças em um determinado bairro, 40 em outro. Então, as próprias escolas do bairro ou de bairros vizinhos recebiam essas crianças. Até que, em 2003, no bairro de Santa Maria, encontramos 2 mil crianças fora da sala de aula. Diante deste quadro de abandono, o Ministério Público tinha duas opções: ajuizar uma ação ou procurar reunir os governos federal, estadual e municipal, empresários e toda sociedade civil para dar uma solução àquele problema. Mais fácil seria ingressar com a ação, só que ela nem sempre dá o resultado que esperamos. Os processos judiciais, às vezes, levam muito tempo, têm recursos e acabam indo parar em Brasília. Enfim, a experiência das ações judiciais para concretização de políticas públicas não é otimista. Optamos, então, por fazer um Termo de Ajustamento de Conduta em que o Estado e o Município, os empresários e a Petrobras se comprometeram a construir essa escola. Assim foi feita a escola, que hoje, com a compra de terreno e construção, teria custado R$ 8 milhões. É a maior escola pública do Estado de Sergipe. Tem 3.200 jovens matriculados. A primeira turma do terceiro ano se formou agora, sendo que 34 alunos passaram no vestibular. Começa, então, a render frutos. Por conta da escola, esse bairro que não tinha nada, ganhou um fórum, uma delegacia, um supermercado, um posto de combustível. O bairro está se desenvolvendo muito. Tudo isso demonstra a importância da educação em uma das comunidades mais violentas de Aracajú. É a prova de que a educação conduz a sociedade a um patamar de qualidade.

JC – Foi difícil mobilizar tanta gente em prol desse projeto?
ORM – Temos dois projetos: o censo e o da escola. O primeiro é um trabalho que fazemos desde 1998, científico, para o qual contamos com a ajuda do MEC e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. O censo é feito por voluntários, muitos professores do próprio bairro, promotores, juízes, funcionários do IBGE, servidores públicos. O censo de Santa Maria foi feito por mil voluntários. Agora, mobilizar as empresas foi o mais difícil. Fizemos um vídeo com fotos das crianças de Santa Maria no meio do lixo, mendigando, se prostituindo. Com esse material, visitamos os empresários de Aracajú e perguntamos em qual local eles achavam que aquelas fotos haviam sido retiradas. Eles citavam várias partes do mundo, menos Aracajú. Eles próprios não imaginavam que havia um quadro de tanta carência e abandono que fica praticamente no centro de Aracajú. Então, se sensibilizaram com esse trabalho e doaram recursos. O Ministério Público, como órgão sem conotação política, com a credibilidade que tem, conseguiu reunir dezenas de empresas em prol do projeto.

JC – Quais são os resultados do projeto?
ORM – Estamos agora ampliando a escola para colocar mais 775 alunos de ensino médio e em tempo integral. Existe a formação formal. No entanto, há a preocupação com a educação informal, em fornecer noções de cidadania. Lá não encontramos paredes e carteiras riscadas. Sempre levamos palestrantes que tratam de temas como drogas, gravidez na adolescência. O resultado são alunos interessados, querendo melhorar de vida. É gente que mora em barraco e que agora está passando em vestibular e tendo uma perspectiva melhor.

JC – Em sua opinião, o diálogo, em certas ocasiões, surte mais efeito que o litígio, ou seja, a ação judicial?
ORM – Se nos perguntarmos qual é a principal lição desse projeto, veremos que é a importância do consenso, da conversa e do ajustamento. Quando conseguimos envolver pessoas e a sociedade civil, o resultado é mais efetivo. O trâmite de uma ação judicial é muito complicado, assim como os prazos e os recursos. A reunião de tanta gente em torno de um projeto também é difícil, mas quando conseguimos convencê-las sobre a importância dele, as coisas se tornam um pouco mais fáceis. Nesse sentido, o Ministério Público cumpre papel muito importante, de fazer essa intermediação, na concretização de políticas públicas, pois age como um elo de credibilidade. Quando essa escola foi feita, o governo do Estado era do PFL, e o municipal do PT, ou seja, ambos de duas correntes políticas antagônicas. Mesmo assim eles se uniram em torno do projeto. Então, essa é grande lição. Unir as pessoas em torno de projetos comuns, mesmo quando elas têm pensamentos políticos diferentes.

JC – O projeto acaba com a construção desta escola ou haverá continuidade?
ORM – Esse projeto não tem fim enquanto houver uma criança necessitando aprender a ler e escrever, melhorar a autoestima e acreditar que é possível atingir um objetivo. Nas primeiras palestras que fiz no bairro, as crianças diziam que queriam ser jogadoras de futebol ou mecânicas. Esse era o sonho dos alunos. Hoje, querem ser médicos, advogados e promotores. Olha a mudança de cultura. Mudamos a mentalidade deles. A cada 15 dias, levamos para fazer palestras pessoas que conseguiram algo através do estudo. Batemos muito nessa tecla: é possível conseguir algo através do estudo. Os alunos ficam estimulados.