Edição 295
Entre distâncias e chegadas: a trajetória de uma mãe na magistratura
1 de março de 2025
Ana Emília Rodrigues Aires Juíza Federal em São Paulo

A carreira na magistratura sempre me trouxe desafios, desde o início, quando deixei a Paraíba, meu estado natal, para assumir o cargo de juíza federal substituta da 1a Região, em Roraima. A distância da família já fazia parte da jornada, mas essa foi apenas a primeira de muitas mudanças e escolhas difíceis ao longo do caminho.
Com a aprovação na 3a Região, meu novo destino foi Guarulhos, onde tive a oportunidade de atuar na maior fronteira aérea do país, lidando com um fluxo intenso de demandas, mas onde também formei nova família, fincando as raízes, a princípio definitivas, em São Paulo, com o nascimento de um filho.
Tive a honra e a oportunidade de aprender com grandes referências da magistratura federal desde cedo. Para nomear uma delas, escolho o Dr. Vladimir Passos de Freitas, desembargador federal aposentado, com quem tive aula no curso de formação inicial e nos ensinou que o medo, “se por um lado é positivo, pois nos leva a sermos cautelosos e evitarmos o perigo, por outro pode impedir-nos de vivenciar novas experiências, enfrentar desafios, alcançar a plenitude de nossas potencialidades”.
A primeira oportunidade de promoção trouxe novo desafio: já casada com um colega de carreira, buscávamos um local onde pudéssemos estar juntos. Ponta Porã (MS) era a única opção viável, pois possuía duas Varas, mas outro casal de juízes estava à nossa frente. Logo, tivemos de aguardar nova chance.
Quando a segunda possibilidade surgiu, a decisão se mostrou ainda mais difícil. Entre meu marido e eu, as possibilidades de promoção conjunta tornaram-se escassas. Será que conseguiríamos? Por duas pessoas, não foi possível. Diante desse cenário, e contando com o apoio incondicional do meu marido – peça-chave para a decisão a ser tomada – optei por seguir adiante, enfrentando o desafio sozinha e percorrendo os caminhos do Mato Grosso do Sul.
Para nós, mulheres, a decisão de aceitar uma promoção ainda tem um peso emocional singular. Não se trata apenas de um avanço na carreira, mas de desafio que envolve romper barreiras históricas e enfrentar a constante pressão de equilibrar as demandas profissionais com as responsabilidades familiares. O desejo de avançar profissionalmente se choca com o temor de não conseguir conciliar tudo sem sacrificar parte de nossa identidade, da nossa família, da nossa vida.
Por outro lado, o Mato Grosso do Sul, com suas exuberantes belezas naturais e potencial econômico, também apresenta complexa realidade jurídica. O trabalho na fronteira internacional envolve questões delicadas, como os crimes transnacionais, somados aos desafios previdenciários recorrentes e a peculiaridade das áreas indígenas. Felizmente, no meu caso, mudanças de competência, o companheirismo dos colegas e a receptividade da nova equipe tornaram essa transição mais leve.
Contudo, em meio a toda mudança, naturalmente, as conversas e videochamadas eram marcadas pelo entusiasmo de falar com a família, mas, ao desligar, as lágrimas e os pensamentos se perdiam entre dúvidas e medos do futuro incerto. Quantos anos eu levaria distante? Quantos caminhos percorreria? Será que minha família suportaria tanta distância? Cada despedida carregava o peso de uma decisão difícil. O medo de que o novo destino trouxesse mais perdas do que ganhos insistia em se manifestar, lembrando-me de que, mesmo tendo a coragem de ir, a fragilidade humana sempre estará à espreita para nos assombrar.
Depois, veio uma remoção para Araçatuba, em São Paulo. Porém, antes mesmo de me instalar no novo destino, surgiu outra oportunidade, um novo formato de Justiça Federal: o núcleo 4.0, com sua virtualidade, competência fluida e formatação variável – ou, se a visse, ouso dizer que certamente enquadraria nas categorias, o inesquecível Zygmunt Bauman: a “justiça líquida”. O modelo inovador não despertou ainda o interesse dos titulares mais antigos e, como um sonho que se materializa, um núcleo virtual em Santos se revelou disponível para me acolher.
E a vida é essa complexidade oscilante, como ensina Guimarães Rosa, na obra Grande Sertão: Veredas. “O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem.”
Agora, desfrutarei de novo pouso e, para encerrar essa jornada de idas e vindas, ecoam as palavras do meu filho, ao comentar sobre a possibilidade de que a mamãe poderia não precisar mais viajar para tão longe: “Mamãe, você não vai precisar viajar mais nunca? Mais nunca?”.
Toda essa trajetória me mostra que, independentemente de onde estejamos, o que realmente importa são as pessoas que caminham ao nosso lado. O suporte incondicional do meu marido, da família em João Pessoa, o amor do meu filho, o carinho das amigas e dos amigos e a solidariedade dos colegas são a base que torna cada conquista possível e cada distância menos desafiadora.
A decisão de aceitar uma promoção é profundamente pessoal e deve ser muito bem pensada, levando em consideração não só os desafios e sacrifícios que ela impõe, mas também se o novo caminho se alinha aos nossos valores, às responsabilidades e ao equilíbrio que buscamos entre a vida profissional e a pessoal, pois, ao final, mais do que os destinos, são as relações humanas que transformam a nossa jornada em verdadeiro lar.
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