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Em Foco: Lei que estabelece novas medidas cautelares ainda causa polêmica

30 de setembro de 2011

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Há pouco mais de um mês em vigor, a Lei nº 12.403, que alterou o Código de Processo Penal brasileiro e criou tipos de medidas cautelares, ainda tem suscitado polêmica. Especialistas afirmam que a norma trouxe uma série de inovações ao dispor de temas como, por exemplo, o monitoramento eletrônico de presos. No entanto, a avaliação de alguns operadores do Direito é que as novas regras podem contrariar princípios constitucionais, entre os quais o que estabelece a presunção de inocência.

A lei entrou em vigor no último dia 5 de julho. A prisão preventiva continua a ser a medida cautelar prevista para os crimes considerados graves – ou seja, aqueles praticados com dolo e cuja pena é superior a quatro anos de reclusão. Essa medida, no entanto, poderá ser adotada também nos casos de reincidência de crime doloso, descumprimento da medida cautelar imposta ou violência doméstica e familiar contra mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência. Para os outros casos, existe, agora, a possibilidade de o juiz aplicar medidas alternativas ao encarceramento.

No Brasil há mais de 400 mil presos. Desses, estão em situação provisória quase 165 mil. O objetivo da Lei nº 12.403 é dar mais segurança e opções aos magistrados, que antes só decidiam pela prisão preventiva ou pela liberdade provisória, com ou sem fiança. Agora, o magistrado poderá resguardar a ordem jurídica sem ter que superlotar os presídios. De acordo com a nova Lei nº 12.403/11, o juiz deverá, primeiramente, analisar se são cabíveis ou não as novas medidas cautelares. Não sendo, deverá o juiz decretar a prisão preventiva.

Para isso, a nova lei estabeleceu como medidas cautelares – alternativas à prisão preventiva – o monitoramento eletrônico, o recolhimento domiciliar no período noturno, a suspensão do exercício de função pública ou atividade econômica e a proibição de viajar, frequentar lugares e manter contato com pessoas determinadas pelo juiz.

Pela nova regra, passarão a ser afiançados os crimes de quadrilha ou bando; autoaborto; lesão corporal dolosa, ainda que grave; maus tratos; furto; fraude; receptação; abandono de incapaz; emprego irregular de verbas públicas; resistência; desobediência; desacato; falso testemunho e falsa perícia; todos os crimes contra as finanças públicas; nove dos dez crimes de fraudes em licitações (o remanescente tentado); e contrabando ou descaminho, entre outros.

“A inovação é boa, porque acaba com aquele binômio prisão/liberdade que vigorava na sistemática anterior. Agora, o juiz dispõe de novas medidas cautelares, entre a prisão e a liberdade provisória, o que torna o sistema capaz de individualizar a necessidade das medidas cautelares de acordo com a sua adequação”, avaliou o advogado Fábio Tofic Simantob, do escritório Tofic e Fingermann Advogados.

Na avaliação do advogado David Rechulski – do escritório David Rechulski Advogados, de São Paulo –, a medida cautelar mais positiva, no que diz respeito ao combate ao crime organizado, é a suspensão de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais. “Sua importância destaca-se pelo aspecto de efetividade cautelar, pois tem o condão de fazer cessar eventual situação na qual estivesse ocorrendo a reiteração de condutas ilícitas”, destacou.

Outra mudança considerável provocada pela nova lei, segundo o especialista, foi o retorno da fiança. Rechulski considera a medida um avanço. “Entendo ser positiva, pois a fiança é um instrumento mundialmente utilizado para possibilitar que o acusado responda ao crime que lhe é atribuído em liberdade provisória, evitando a manutenção de prisões desnecessárias”, disse.

Opinião semelhante tem Simantob. “O retorno da fiança é, sem dúvida, um progresso do sistema, porque na sistemática anterior a fiança só era cabível para infrações extremamente leves. Nas graves, o juiz mantinha preso ou soltava sem exigir fiança, um evidente contrassenso. Agora, a fiança é cabível quase sempre, exceto para os crimes nos quais a Constituição Federal de 1988 já a proibia expressamente. São eles: racismo, crime de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes, terrorismo, crimes hediondos e crimes cometidos por grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional do Estado”, explicou.

A nova lei é elogiada por consagrar o monitoramento eletrônico mediante concordância. Simantob explicou que a tornozeleira eletrônica é vista com alguma antipatia pela maioria dos profissionais que trabalha com direito dos presos. “Entretanto, não é difícil perceber que quem está preso não pensaria duas vezes se pudesse escolher entre permanecer na cadeia ou ir para casa mesmo que monitorado 24 horas por dia. A questão é usar essa medida, que é bastante cara, em hipóteses nas quais não seja possível aplicar outra e quando o monitoramento constante do acusado for absolutamente necessário. O mero receio de fuga, por exemplo, sem qualquer demonstração concreta do risco, não justifica a imposição da medida”, afirmou.

Na avaliação de Rechulski, é legítimo que o Estado inove em aspectos tecnológicos para o combate e controle da criminalidade. “Da mesma forma que criminosos se utilizam dessa evolução para aprimorar suas ações em descompasso com o ordenamento jurídico, o Estado também deve e não tem como prescindir de poder se valer, igualmente, da tecnologia eletrônica, para ser o mais eficaz possível no desempenho de seu papel de garantidor da segurança e ordem pública”, afirmou.

Entre as medidas cautelares introduzidas pela nova lei, destaca-se também a proibição de frequentar determinados locais ou de se comunicar com certas pessoas, assim como o recolhimento em casa durante a noite e nos dias de folga. Nesse ponto, os especialistas discordam da norma. Acham que a medida vai contra a presunção de inocência.

“Quando se proíbe alguém de frequentar determinados locais ou de dirigir veículo automotor, não se está fazendo outra coisa senão presumindo que o sujeito é culpado, devendo ser aplicados mecanismos de prevenção de novos delitos. Para combater o crime organizado, o arbitramento de fiança ou o monitoramente eletrônico, se usados de forma eficaz, podem trazer resultados positivos”, afirmou Simantob.

A expectativa é de que as alterações no Código de Processo Penal permitam a diminuição do índice de presos provisórios existentes atualmente no País que hoje chegaria a 44% da população carcerária. No entanto, o receio dos especialistas é de que as medidas estabelecidas acabem banalizadas.

“Há um risco de que se vulgarize a aplicação das medidas cautelares. O juiz que deixava o réu responder solto ao processo porque considerava drástico demais prendê-lo antes do julgamento, pode querer lançar mão das medidas de rigor mitigado para punir antecipadamente o réu, mesmo quando não estiver clara a necessidade da medida antes de se saber se ele é culpado pelo crime”, ponderou Simantob.

“Uma das grandes controvérsias em torno das medidas cautelares é a utilização delas como instrumento de combate ao crime, porque entra em choque com a presunção de inocência. Embora essa não seja, nem possa ser a finalidade de uma medida cautelar, porque esse escopo deve ser perseguido pelo Direito Penal e não pelas medidas processuais, acaba sendo inevitável a sua utilização como meio de contenção social da prática delitiva”, acrescentou o advogado.