Educação no Brasil e violência

5 de julho de 2004

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As discussões sobre a Educação no Brasil quase sempre seguem as veredas de seus problemas estruturais e perdem-se em tecnicismos, aliás importantes, mas não prioritários: a qualificação profissional dos educadores, a sua baixa remuneração, a ausência de recursos institucionais modernos, o uso de processos didáticos e pedagógicos já ultrapassados.

Para nós, estas são questões menores, como também menores são as discussões sobre surradas dicotomias: ensino público x ensino privado, ensino religioso x ensino laico, prevalência do primeiro grau sobre o segundo. Mesmo o ensino universitário, para alguns de 3º grau, não consegue cumprir todas as etapas de seu clássico papel de ensino, de pesquisas e de extensão. Mas a discussão destas questões – meramente operacionais e portanto simples conseqüências de decisões mais amplas – faz lembrar a preocupação com as doenças e não com o doente. As doenças da Educação revelam algo mais sério, mostram um grande, um imenso doente – a nação.

Neste quadro, as questões políticas emergem como prioritárias sobre as estruturais e as operacionais. Deve a Educação ser massiva, privilegiando antes seu aspecto de instrução, face de um quadro de agudo analfabetismo? Deve enfatizar a formação mecânica de técnicos e assim tornar-se o instrumento eficiente de nossa tecnologia? Ou a Educação deve ser utilizada como poderosa ferramenta de distribuição de oportunidade e, portanto, de redistribuição de renda? Qual o espaço que a educação reservará a seu variado leque de educandos, desde o analfabeto adulto até o superdotado?

Esta abordagem política, ainda que antecedente aos critérios estruturais e operacionais, ainda não se configura como a gênese da problemática educacional brasileira.

Educação é conduzir, guiar. Mas, para onde?

Foi Lewis Carrol, em um diálogo entre Alice e o Coelho no País das Maravilhas, que lembrou: “Quando não se sabe para onde ir, qualquer caminho serve.” A grande e perturbadora questão é que a Educação não sabe para onde ir, porque a própria nação, de resto, não sabe para onde se guiar. Falta-lhe um projeto de construção de si mesmo e, por conseqüência, um projeto educacional adequado à sua formação. Ou seja, sem um claro projeto de construção nacional, qualquer caminho que a Educação venha a trilhar é igualmente bom e mau, aleatoriamente. Levará a qualquer parte e portanto, a parte alguma.

E é exatamente aí que a questão se torna complexa. Um projeto educacional pode ser o condutor do projeto de construção nacional. E que projeto é este? Que tipo de sociedade queremos construir? Quais os valores éticos sobre os quais estabeleceremos as raízes de nossa cidadania? Qual a simbiose e em que proporção cultuaremos as imposições do progresso e da tecnologia em face das aspirações humanísticas, da vocação da Paz, do relacionamento do Homem com a Terra, da convivência com os povos, dos valores supranacionais? Afinal, aonde queremos chegar? A partir daí, saberemos que caminho tomar: as questões de política educacional e de sua operacionalidade (até mesmo as verbas orçamentárias e sua destinação) serão mera decorrência desta discussão maior.

Esta abordagem traz, contudo, implicações igualmente complexas. A quem caberia definir o grande projeto de construção nacional, gênese de todos os caminhos? À sociedade como um todo, é claro. Mas como? Sugerir-se um “amplo debate” significa agarrar-se a um modismo político de palavras ocas. No caso da Educação, por exemplo, quem discutiria as grandes diretrizes de um projeto que se pretende adequado aos objetivos da nação? Seriam os políticos profissionais, com suas prioridades eleitorais? Seriam os vários segmentos profissionais e sociais, e portanto corporativistas e manutenedores do STATUS QUO? Seriam os inteiramente leigos, que mal distinguem a instrução da Educação? Seria a figura abstrata do “povo”, eterna massa de manobra da relação do poder, principalmente em face da ação dos meios de comunicação? Seriam os profissionais da Educação, com suas deformações profissionais que quase sempre lhes discultam a visão holística da questão nacional, densa floresta na qual a Educação é apenas uma árvore?

Alguém já disse que a guerra é muito importante para ser deixada a cargo dos generais. Pois é. A questão educacional também é muito importante para ser deixada para os educadores. Não será demagógico o exercício de uma democratite ao atribuir à sociedade uma responsabilidade que deve e tem que ser dela, mas que interesses outros lhe impedem na prática o desempenho?

Mas alto lá!

A distância que separa Antares de Betelgeuse é menor que a distância que nos separa da simples sugestão de que se deva sub-rogar a função decisora da sociedade para a jurisdição de pessoas ou de grupos. Quem há de substituir a sociedade (ainda que inviabilizada em seu papel em razão do predomínio de alguns de seus segmentos) na construção do Projeto Nacional? Ninguém. Não há de ser qualquer um conductor quem outorgará esse Projeto, qual Moisés a receber de Jeová as Tábuas da Lei no Monte Sinai.

Chegamos agora no que acreditamos ser a essência do problema, não apenas educacional, mas de todo o momento nacional: primeiro, não há como substituir a Nação na decisão do projeto de sua auto-construção; segundo, as várias vontades do pluralismo nacional estão, em sua maior parte,aprisionadas em conjunturas e injunções político-econômicas que lhe viciam o exercício de sua própria vontade; terceiro, há que educar a sociedade para a consciência de sua própria vontade decorrente de suas necessidades naturais, não impostas; quarto, esse processo de educação pressupõe a existência prévia de um projeto de definições de objetivos… Ou seja, a educação da sociedade pressupõe definições que somente podem ser tomadas através da educação. Estamos rodando em círculos, como em toda petição de princípios.

E agora?

Agora, não sabemos. Oxalá soubéssemos. Sabemos, isto sim, que é inócuo discutir a embalagem da educação, se não conhecemos seu CONTEÚDO. Temos em mente que a educação é uma das mais fortes fontes de poder e, por isto justamente, difícil de alcançar sem reequacionar as relações de poder. Sabemos também – como sustentam os técnicos em heurística – que conhecer claramente o problema é estar a meio caminho da solução. E temos consciência da predominância do aspecto teleológico da abordagem filosófica sobre as contingências da realidade política do exercício institucional e quotidiano das relações do poder (seja estatal, corporativo ou pessoal), para a tão sonhada adequação da Educação aos rumos do justo estamento da Nação Brasileira.

A violência no Brasil está estreitamente ligada ao sistema educacional que temos. O Brasil de hoje, submerso em ondas de violência, criminalidade e marginalidade, necessita, mais do que nunca, encontrar suas reais definições para poder encontrar um programa nacional de EDUCAÇÃO SISTÊMICA, construindo um cenário para o estabelecimento de prioridades, visando cuidar dos problemas que afligem a todos, através de um extenso programa sinergético, no sentido de impor à Nação um ambiente de maior segurança, através de uma nova postura pedagógica, nova consciência e ações coletivas.