Educação é a base da evolução humana

31 de dezembro de 2007

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Indicado por um seleto colégio eleitoral formado por acadêmicos, empresários e autoridades em todo o Brasil, o professor Ives Gandra Martins foi condecorado com o título de Professor Emérito 2007, consubstanciado pelo Troféu Guerreiro da Educação, instituído pelo Centro de Integração Escola-Empresa (CIEE), que é presidido pelo professor Paulo Nathanael.

Dizia o fundador da Universidade de Navarra que as pessoas que têm ideais e por eles lutam devem sonhar, porque seus sonhos ficarão aquém da realidade.

Jamais imaginei, no distante 1954, quando ingressava com Ruth, minha mulher e companheira de todas as lutas e de todos os sonhos, na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, e quando principiei a ensinar alunos para os vestibulares de Direito, em aulas particulares de latim, português e francês, que um dia aquele professor menino receberia o mais importante Prêmio de Educação no Brasil.

Todos meus sonhos de professor, preparador de estudantes para admissão em Faculdades de Direito, e, posteriormente, de professor universitário, jamais incluíram o recebimento de láurea de tal magnitude, até porque, mais do que ninguém, tinha e tenho consciência de minhas limitações. Muitas vezes, passam elas despercebidas, por força da lição que aprendi de meu saudoso pai, de que todos nós fomos programados, na vida, “para não desistir” e que temos que batalhar sempre, nos momentos bons ou ruins, objetivando fazer o mundo melhor, mesmo que tudo sinalize em contrário, e as circunstâncias e o ambiente privilegiem vícios e defeitos que ganham ares de “politicamente correto”, os quais perfilam na sociedade atual,  em permanente conflito.

Programados para não desistir, tínhamos a obrigação, os quatro filhos, quando jovens, de ler “If”, de Kipling,  porque o velho José da Silva Martins procurava preparar-nos para compreender que é na adversidade que se cresce e costumava dizer que, se continuássemos a remar contra a maré, nos tempos de contradições, quando a maré viesse a ser favorável, estaríamos muito adiante dos outros, que desistiram de lutar ou se acomodaram.

Era um sábio e um educador. Nunca cursou uma escola, mas como autodidata transformou-se no primeiro escritor brasileiro a entrar no Guiness Book, por ter começado sua carreira literária aos 84 anos.

Cobrava de seus filhos a leitura diária de um livro de moral, assim como obrigava-nos a redigir pequeno resumo do texto lido, com o que foi, ao lado da ternura educativa de minha mãe, nosso primeiro e grande educador. Creio que o mundo seria melhor se todos os pais compreendessem que sua principal missão é a de serem educadores de seus filhos, sendo a escola oficial apenas o complemento para forjar a personalidade do jovem e capacitá-lo tecnicamente.

Tais lembranças ocorrem-me, agora, quando recebo a maior láurea da educação deste país, que é o prêmio instituído pelo CIEE para pessoas que, em uma nação que ainda não descobriu sua potencialidade e vocação, lutam para mostrar que a ponte para o futuro do Brasil só pode ser atravessada pelos caminhos da educação.

Luiz Gonzaga Bertelli, Paulo  Nathanael, Ruy Altenfelder e Antonio Penteado Mendonça, meus confrades na Academia Paulista de História, por cujas mãos ingressei naquele sodalício, conhecem, por serem brilhantes historiadores, que a humanidade, nos grandes ciclos civilizatórios, cresceu à luz da educação de seu povo, e os ciclos mais longos de duração dos impérios pré-modernidade foram aqueles em que a educação e a cultura embasaram a evolução de um povo em sua época.

A história narrada nos últimos 6 mil anos e a pré-história dos últimos 194.000 anos do ser humano, na convivência, inclusive, do homo sapiens, erectus e habilis ou dos povos menos ou mais evoluídos (Cro-Magnon e Neandertal), revelam uma permanente e insaciável busca da verdade pelo homem, com perguntas que nunca foram respondidas apenas pela relação ontognoseológica, ou seja,  entre o ser conhecedor e objeto conhecido, tais como:  de onde viemos, para onde vamos,  o que somos e o que devemos fazer.

Tais elementares e não respondidas questões – pelo uso exclusivo da razão – lançaram, todavia, o homem na busca dos horizontes da percepção, no que a educação foi o instrumento permanente de descobertas e reflexões que, quanto mais avançaram no desventrar a humana aventura, mais descortinaram a realidade incomensuravelmente maior e indesvendável do que aquela que se imaginara.

A história da humanidade, entretanto, descerra o papel da educação e da cultura no seu evoluir, na conformação de reinados e impérios diferenciados por sua arte e filosofia. A China, mais pragmática que mística, em que sobreleva os práticos objetivos de Sun Tzu e de Confúcio, contrapõe-se ao perfil do Japão e das Coréias, em que o idealismo samurai tornou valores, como a honra, prevalecentes sobre outros mais atuais, como a liberdade de divergir.

A mística da Índia, nas diversas regiões e, principalmente, quando do império centrado em Mohenjo-Daro e da dominação do Imperador Ashoka – onde a educação conforma uma explosão caleidoscópica de povos, nos quais as castas e a ressurreição se completavam para justificar as injustiças sociais dominantes –, desenha seu retrato na história.

E o que dizer dos povos do oriente próximo, desde os sumerianos, elamitas, babilônios, assírios, hititas e outros, para os quais a educação circunscrevia-se às elites dominantes, que se consideravam representantes privilegiadas dos deuses? A civilização egípcia, por outro lado, que por mais de 4.000 anos isolou-se do mundo, protegida por fronteiras naturais, teve na educação elitista o segredo de sua evolução. Todas elas conformaram, no dizer de Arnold Toynbee, à luz de suas características diferenciais plasmadas pela educação e forjadas nos costumes que preservaram a sua passagem pela história.

O povo hebreu, inclusive, nada obstante sua pouca expressão territorial e numérica, graças à educação de natureza fundamentalmente religiosa, manteve sua unidade que, por  rotas diferenciais, permitiu que sobrevivesse até o presente, com os mesmos valores defendidos à época de seu nascimento.

É interessante notar como a educação e a religião encontram-se, em todos estes povos, inteiramente ligadas, ao ponto de constatar-se que, apenas com os filósofos gregos, após a excelência dos questionamentos levantados pelos pré-socráticos, é que se conseguiu uma desvinculação entre ensino e religião, muito embora permaneçam até hoje – o que é bom – pontos de ignição e contato, em zonas fronteiriças, absolutamente vinculadas, fenômeno que é fácil diagnosticar.

Tome-se, por exemplo, a redescoberta do direito natural, segundo a religião, alicerçado na lei eterna, que gera um admirável pequeno núcleo de direitos fundamentais – a declaração universal dos direitos fundamentais da ONU é uma carta de direito natural –, sem interferir na conformação dos direitos positivos,  que cabem ao homem produzir e não apenas reconhecer, como ocorre com aqueles princípios de direito natural, imutáveis e permanentes.

Graças aos filósofos gregos pré-socráticos, aos três gênios que conviveram em Atenas (Sócrates, Platão e Aristóteles), e ao Helenismo, posterior, desenhou-se a civilização romana, que, ao instrumentalizar o direito, o conceito de cidadania e a educação, em seu império ocidental e oriental, permaneceu com forças de dominação  durante 2.100 anos (754 A.C. a 1453 D.C.).

A característica maior desta evolução humana, captada pela história das civilizações, não é empanada, durante a Idade Média, período que, historicamente, não corresponde à leitura superficial de alguns exegetas, ou seja, a um período de obscurantismo, mas, ao contrário, é período, de um lado, preservador da cultura greco-romana e, de outro, semeador do grande instrumento da educação moderna, que é a Universidade, a maior das contribuições para a vida temporal ofertada pela Igreja Católica.

Daniel Ropps entendia que foi este o período de superior idealismo na humanidade, gerador das cruzadas e de adoração ao Deus Supremo, representada pelas catedrais. Foi, todavia, também – e principalmente –, o tempo do despertar da educação profissionalizada, através da Universidade.

É interessante notar que, à época, a pujante civilização árabe explodia em admirável riqueza cultural, filosófica e artística. Não é despiciendo lembrar que o maior filósofo cristão de todos os tempos, Tomás de Aquino, lastreou seus estudos, não só nas lições de Aristóteles, mas de Averrois e Avicena, filósofos árabes, sobre ofertar a visão cosmogâmica mais abrangente daquela religião, fundada por Jesus Cristo, ou seja, a única religião – em que a expressão aqui é utilizada à luz do verbo religare, que permite o retorno, o recontato de relações entre o homem e Deus –, na qual seu fundador não é um profeta, um mensageiro, mas o próprio filho de Deus encarnado.

À evidência, graças a esta estupenda contribuição da Idade Média, desperta a aurora renascentista e a evolução cultural, científica e humana, pelos caminhos da educação, que terminam por descobrir, três séculos depois, no admirável mundo moderno, a era das Constituições, dos direitos funda-mentais de 1a, 2a, 3a e 4a gerações, e a convicção de que todos os seres humanos têm dignidade própria e direito à educação para inserirem-se no mundo. E cada ser humano recebe esta vocação desde a concepção pois os seres humanos são seres humanos desde a concepção –, e não, como alardeiam os áulicos da conveniência e do egoismo, apenas após o nascimento.

Hoje, o elemento diferencial que distingue – não se pode ainda falar em uma civilização pós-moderna do século XXI à falta de detecção de seus elementos conformadores – o universo de mais de 200 nações é a educação, a qual permite o crescimento de todos os cidadãos do mundo, que travam sua luta pela construção de tempos melhores. Só desta forma haverá possibilidade de criar-se e ofertar-se à humanidade melhores condições de preparo e melhor qualidade de vida.

Escusando-me desta longa disgressão sobre o papel da educação no forjar das civilizações, pela história, que fiz apenas para realçar o quanto me sensibilizou receber a maior láurea que um professor poderia almejar, em nosso país e em vida, não poderia deixar de enaltecer o admirável trabalho que o CIEE realiza, que é de abertura ao jovem do mercado de trabalho, após sólida formação que lhes ministra, hoje atingindo a fantástica cifra de 7.000.000 de brasileiros, que tiveram nesta instituição o deslanchar de sua vida educacional e profissional, com notável contribuição para o crescimento do Brasil.

O CIEE realiza para o país a mais extraordinária obra de integração entre educação e oportunidade de trabalho, servindo de modelo para as autoridades e para o mundo, tantos foram os magníficos resultados que, no curso de sua história, apresentou.
O próprio prêmio “Guerreiro da Educação” tem, em seu nome, a marca da luta permanente por um Brasil melhor através da educação.