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“É nas crises que produzimos as melhores soluções”

7 de julho de 2020

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Live do Instituto JC com O Globo promove discussão sobre o papel do Judiciário na retomada da economia

Fixar entendimentos jurídicos para tornar mais previsível o julgamento das demandas relacionadas à pandemia de covid-19, bem como estimular a consensualidade para impedir a judicialização excessiva e otimizar o relacionamento social e entre empresas. Estas são as principais tarefas do Poder Judiciário no esforço conjunto para preservar as empresas nacionais e atrair investimentos externos no pós-pandemia, considerados fundamentais à retomada do desenvolvimento econômico do País. Foi o que disseram os participantes da live “A importância do Judiciário na retomada da economia”.

Realizado em 29/6 pelo Instituto Justiça & Cidadania em parceria com O Globo, o evento digital teve mais de 100 mil visualizações apenas nas primeiras 24 horas após sua realização.

A live contou com a participação do Presidente eleito do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Ministro Luiz Fux, do Presidente da Câmara, Deputado Federal Rodrigo Maia, do Ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Luis Felipe Salomão, e do Presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson Andrade. Participaram ainda o Presidente da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais da OAB e ex-Presidente da Ordem, Marcus Vinícius Furtado Coêlho, e o conselheiro da CNI e ex-Senador Armando Monteiro Neto.

A live faz parte do projeto Conversa com o Judiciário, iniciativa da Revista JC, que promove discussões sobre temas jurídicos controversos entre magistrados, juristas e diferentes setores econômicos. A mediação dessa edição do projeto coube ao Presidente do Instituto Justiça & Cidadania, Tiago Salles, e à colunista de O Globo News Flávia Oliveira.

 

Gargalo – Para o Deputado Federal Rodrigo Maia, que abriu o debate, o principal desafio do momento é articular os três Poderes junto aos setores econômicos e às instituições financeiras para criar as condições necessárias à retomada. Embora confiante de que o Legislativo e o Judiciário farão suas partes para reduzir os danos da crise, votando projetos para aprimorar a legislação e adequando o tratamento dos litígios, ele disse estar pessimista em relação ao segundo semestre, principalmente devido à não regulamentação das novas linhas de crédito pelo Governo.

“Os bancos têm renovado crédito, mas para a pequena, média e microempresa tem chegado pouco dinheiro. Se não chegar, teremos uma queda na economia maior do que a projetada hoje pelos economistas. O que vai gerar, é claro, um volume muito maior de demandas no Judiciário no segundo momento”, afirmou Maia.     

Plataforma digital – Para o Ministro Luiz Fux, o Supremo Tribunal Federal precisa ser provocado – por meio de instrumentos como os incidentes de assunção de competência (IAC) ou os institutos de resolução de demandas repetitivas (IRDR) – para fixar teses jurídicas, relacionadas aos problemas econômicos trazidos pela pandemia, que passem a ser obedecidas por todos os tribunais brasileiros.

Em paralelo, Fux disse acreditar que a grande solução para reduzir a judicialização no período pós-pandemia será lançar mão de instrumentos jurídicos que aumentem o nível de consensualidade. “A única coisa que vou adiantar, para não esvaziar o script do meu discurso de posse, é que vamos ter plataformas de inteligência artificial para a solução dos conflitos intersubjetivos. (…)  A solução será consensual, será mais barata e permitirá, na visão otimista que tenho, a retomada da economia, porque esses instrumentos, sendo difundidos como eficientes para alhures, para os estrangeiros, vão efetivamente atrair investimentos. Porque a maior preocupação dos investidores estrangeiros não é outra senão a segurança jurídica”, disse o magistrado, que vai assumir em setembro a Presidência do STF.

Recuperação judicial – Sobre a previsão de um grande aumento do número de pedidos de falência e recuperação judicial de empresas, o Ministro do STJ Luis Felipe Salomão disse que o Poder Judiciário, em consonância com as melhores prática mundiais, vai procurar promover a manutenção das empresas e das relações negociais, por seu potencial de geração de empregos e riquezas.

O magistrado anunciou que outra contribuição do Judiciário será entregar ao Presidente da Câmara dos Deputados (o que ocorreu no mesmo dia, leia na página 30) estudo de impacto legislativo do Projeto de Lei (PL nº 6.229/2005), em tramitação na Casa, que propõe a reforma da Lei de Recuperação Judicial e Falências. Segundo o Ministro Salomão, o PL traz pontos muito positivos, como estabelecer a possibilidade de negociação individualizada do passivo tributário e a possibilidade da realização de novos investimentos nas empresas em recuperação, além de tratar das falências transnacionais.

Panorama da indústria – Segundo o Presidente da CNI, Robson Andrade, a indústria nacional hoje opera com cerca de 60% de ociosidade, com exceção das fábricas que fornecem itens considerados essenciais. Dentre os setores com maiores dificuldades estão os fabricantes de eletrodomésticos, móveis e vestuário. Ele concorda com a necessidade da fixação de precedentes para o tratamento da crise pelos tribunais superiores e uma maior articulação entre os entes federados, pois a falta de uniformidade no tratamento da crise estaria dificultando o trabalho das empresas com atuação em âmbito nacional.

Andrade elogiou o auxílio emergencial aprovado pelo Congresso e as Medidas Provisórias editadas pelo Governo, que seriam responsáveis pela manutenção de patamares mínimos de emprego e renda. No entanto, criticou o fato das propostas de liberação de crédito no Governo não estarem se concretizando. “Dos R$ 40 bilhões colocados à disposição pelo Governo, apenas R$ 3 bilhões foram liberados. Os números são grandes, mas não estão chegando na ponta”, criticou o industrial. Ele espera, contudo, que a regulamentação até o final do mês do fundo garantidor de créditos, integrado pelo Tesouro Nacional, dê as garantias mínimas necessárias para que os bancos possam oferecer novas linhas de financiamento.

O Presidente da CNI defendeu ainda a reforma da Lei de Recuperação Judicial e Falências para que a legislação possa, de fato, oferecer condições ao retorno das atividades das empresas em dificuldades. Criar um ambiente de maior segurança jurídica, no seu entender, também será fundamental para a captação dos investimentos necessários à retomada. “Os investidores brasileiros vão estar com poucos recursos e em uma situação de estrema dificuldade. (…) Por outro lado, os investidores estrangeiros, que ainda têm muitos fundos, buscando boas oportunidades de negócios, quando olham o Brasil percebem que temos muita insegurança jurídica. É o grande problema dos investimentos no Brasil, algo que extrapola qualquer possibilidade de aumento da atividade industrial”, afirmou Robson Andrade.

Saída pelo crescimento – Armando Monteiro Neto, que foi presidente da CNI por dois mandatos consecutivos, disse ver o cenário das empresas nacionais com imensa preocupação. Para ele, a situação se agrava pela alta relação da dívida interna sobre o Produto Interno Bruto, pela rigidez dos gastos públicos e pela já elevada carga tributária, que impede a superação da crise por meio da criação de novos impostos.

“A saída virá do crescimento, pela ampliação das receitas tributárias e pela elevação dos níveis de investimento na economia brasileira. O Poder Judiciário tem um papel fundamental porque nessa saída da crise o Brasil precisará criticamente dos investidores externos privados. Na área de infraestrutura o País tem uma infinidade de projetos que são atrativos dada as características do nosso mercado. Essa atratividade natural, tendo em vista as dimensões da economia brasileira, vai exigir fundamentalmente segurança jurídica e um ambiente macroeconômico equilibrado”, avaliou Monteiro Neto.

Respeito à boa fé – Para o ex-presidente da OAB Marcus Vinícius Furtado Coêlho a contribuição da advocacia à retomada será acelerar a mudança cultural que exige do advogado o estímulo à negociação e à conciliação. Nesse sentido, ele cobrou que as decisões do Judiciário prestigiem de forma mais clara os acordos. “Percebemos que ainda existem discussões sobre a validade dos acordos coletivos entre sindicatos de trabalhadores e empregadores. Ora, se a Constituição da República prevê o acordo coletivo de trabalho como uma saída e se nós queremos construir a cultura da conciliação, como ainda temos essa discussão?”, exemplificou Coêlho.

Para ele, é preciso constituir um sistema em que os profissionais do Direito e os jurisdicionados saibam de antemão qual será o Direito a ser aplicado. “É preciso haver esse recado pedagógico ao jurisdicionado, de que se ele se comportar de acordo com as leis do País e de acordo com a interpretação das leis do País dada pelos tribunais naquele momento, sua boa fé terá que ser respeitada. Essa é a segurança jurídica que se busca”, finalizou o constitucionalista.

Vocação nacional – “É nas crises que produzimos as melhores soluções. Mesmo nos momentos mais difíceis, no caso do Judiciário e do setor privado, nos adaptamos rapidamente e continuamos a produzir. Todo mundo se readaptou na medida das dificuldades e conseguimos conduzir até aqui com a perspectiva de melhores momentos, a partir da adequação das políticas públicas e privadas, para que nós possamos retomar a vocação brasileira de produzir e ascender, como sempre fizemos e vamos continuar fazendo”, disse o Ministro Luis Felipe Salomão, fechando o evento com uma nota de esperança.